domingo, 1 de outubro de 2023

"Esta é a forma fêmea" - Poema de Walt Whitman


Joan Sala i Gabriel (Spanish painter, 1867-1918), Femme élégante et son cavalier.



Esta é a forma fêmea



Esta é a forma fêmea:
dos pés à cabeça dela exala um halo divino,
ela atrai com ardente
e irrecusável poder de atração,
eu me sinto sugado pelo seu respirar
como se eu não fosse mais
que um indefeso vapor
e, a não ser ela e eu, tudo se põe de lado
— artes, letras, tempos, religiões,
o que na terra é sólido e visível,
e o que do céu se esperava
e do inferno se temia,
tudo termina:
estranhos filamentos e renovos
incontroláveis vêm à tona dela,
e a ação correspondente
é igualmente incontrolável;
cabelos, peitos, quadris,
curvas de pernas, displicentes mãos caindo
todas difusas, e as minhas também difusas,
maré de influxo e influxo de maré,
carne de amor a inturgescer de dor
deliciosamente,
inesgotáveis jatos límpidos de amor
quentes e enormes, trémula geleia
de amor, alucinado
sopro e sumo em delírio;
noite de amor de noivo
certa e maciamente laborando
no amanhecer prostrado,
a ondular para o presto e proveitoso dia,
perdida na separação do dia
de carne doce e envolvente.

Eis o núcleo — depois vem a criança
nascida de mulher,
vem o homem nascido de mulher;
eis o banho de origem,
a emergência do pequeno e do grande,
e de novo a saída.

Não se envergonhem, mulheres:
é de vocês o privilégio de conterem
os outros e darem saída aos outros
— vocês são os portões do corpo
e são os portões da alma.

A fêmea contém todas
as qualidades e a graça de as temperar,
está no lugar dela e movimenta-se
em perfeito equilíbrio,
ela é todas as coisas devidamente veladas,
é ao mesmo tempo passiva e ativa,
e está no mundo para dar ao mundo
tanto filhos como filhas,
tanto filhas como filhos.
Assim como na Natureza eu vejo
minha alma refletida,
assim como através de um nevoeiro, eu vejo
Uma de indizível plenitude
e beleza e saúde,
com a cabeça inclinada e os braços
cruzados sobre o peito
— a Fêmea eu vejo.


Walt Whitman, in "Leaves of Grass
"Folhas de Relva", tradução de Rodrigo Garcia Lopes, 
Editora Iluminuras, 2005.
 
 
Walt Whitman (1819–1892), "Folhas de Relva",
Trad. de Rodrigo Garcia Lopes, Editora Iluminuras, 2005.


Leaves of Grass (Brasil: Folhas de Relva / Portugal: Folhas de Erva) é a magnum opus do poeta estadunidense Walt Whitman, editada em 1855, no Brooklyn, Nova Iorque. A obra teve sete edições entre os anos de 1855 e 1892 e apenas a última dela, a "do leito de morte", era autorizada pelo autor.
Folhas de Relva / Folhas de Erva ainda é considerada uma das grandes obras americanas do século XIX e estabelece Whitman como o pai da poesia norte-americana moderna com este livro. 
Com esta obra, Walt Whitman inventou um novo tipo de poesia para uma nova nação. O livro foi primeiro visto como bizarro e obsceno - um crítico disse que o autor deveria ser açoitado em público. 
Através de revisões e adições ao livro até à sua morte, Whitman atingiu o seu objetivo, criando uma nova Bíblia para poetas americanos. (daqui)
 

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