sexta-feira, 3 de novembro de 2023

"Chove chuva" - Poema de António Mota

 
Albert Anker (Swiss painter and illustrator, 1831-1910), Still Life: Silver Teapot, 1897

 
 
Chove chuva


Chove chove
chuva chove
Chove chuva
chove cá.
Já choveu
uma chuvada
numa chávena de chá.

Numa chávena de chá
numa chávena chinesa
chove chuva
chuva chove
no chá da dona Teresa
Chove chuva
chuva chove.

Chove chuva
chove cá.
Já estou farto de chuva.
Quero tomar um chá.


António Mota
, Se tu visses o que eu vi, 2007
 
 
 
Albert Anker, Still life: Tea service, 1910
 
 
"O Inglês, sem chá, bate-se frouxamente."

Eça de Queiroz
, in Cartas de Inglaterra,
"Afeganistão e Irlanda".
(daqui)
 
 
Albert Anker, Still-life: Tea and Melted Bread, 1873 

 
Chá

 
O chá surgiu na China antiga, em 2737 a. C., pela mão do imperador Shen Nong, um governante bastante preocupado com a saúde que mandava ferver a água antes de ingeri-la.
Num dia de verão, de visita a uma das terras do seu reino, a comitiva que o acompanhava parou para descansar. Enquanto ferviam água, caíram lá algumas folhas, dando uma cor acastanhada à bebida.
Como cientista que era, Shen Nong interessou-se pelo ocorrido e experimentou a infusão criada acidentalmente, tendo achado que era bastante refrescante. As folhas tinham caído de uma árvore Camellia sinensis, atualmente conhecida como planta do chá.

Somente durante a dinastia Tang, que decorreu entre 618 e 906, é que o chá se tornou numa bebida nacional na China, tendo pela primeira vez surgido a palavra "ch'a" para lhe dar nome.
Os budistas foram os responsáveis pela expansão do chá na China e também no Japão, para onde levaram a bebida no século VIII. O chá, bastante popular na corte e nos mosteiros, rapidamente fez sucesso nas outras camadas da sociedade nipónica.

No Japão, tornou-se numa forma de arte, onde o expoente máximo era a cerimónia japonesa do chá, que basicamente consistia em confecionar e servir uma chávena. No entanto, tinha de ser feito do modo mais perfeito e gracioso possível, o que requeria anos de treino.
Um mercador persa, ao relatar ao escritor veneziano Giovanni Ramusio as suas viagens à China, contou-lhe algumas coisas sobre o chá, tendo sido esta a primeira vez que um europeu ouviu falar em tal bebida.

O chá só chegaria à Europa no século XVI, graças aos portugueses, mais concretamente aos missionários jesuítas que viajaram nos barcos lusitanos pelas rotas marítimas do Oriente. O padre jesuíta Cruz (Francisco Rodrigues da Cruz), em 1560, foi o primeiro europeu a contactar diretamente com o chá e a escrever sobre ele, beneficiando do facto de Portugal ter sido o país ocidental que abriu caminho às trocas comerciais com a China.

Portugal trazia o chá para Lisboa, porto a partir do qual os barcos dos holandeses, aliados da altura, faziam o transporte para França, Holanda e países do Báltico. Esta aliança comercial durou até 1602, ano em que a Holanda passou a fazer as rotas do Pacífico com a sua marinha mercante.

O sucesso da Companhia Holandesa das Índias Orientais tornou o chá muito popular no seu país, mas o preço elevado tornava-o acessível apenas aos mais abastados. No entanto, com o crescimento das importações, os preços baixaram e as vendas subiram, levando a que por volta de 1675 estivesse disponível nas lojas alimentares.
Entretanto, a Rússia imperial também se mostrava interessada neste produto, nomeadamente a partir do momento em que a embaixada chinesa em Moscovo presenteou o czar Alexis com vários tipos de chá em 1618.

A partir de 1689 caravanas de cerca de 300 camelos percorriam durante 16 meses uma longa viagem de mais de 17 mil quilómetros para ir à China buscar chá. Este ficava assim com um preço proibitivo, que contudo foi baixando, especialmente quando ficou completa a linha ferroviária em 1900, que servia o Transiberiano.
O chá passou a ser então uma bebida quase tão popular como a vodka.

Em 1650, os holandeses haviam levado o chá para a América, quando Peter Stuyvesant o forneceu aos colonos de Nova Amesterdão, a atual Nova Iorque. Quando esta cidade passou para as mãos dos ingleses, estes constataram que por lá se consumia mais chá do que em toda a Inglaterra.

O chá esteve na origem da rebelião dos colonos americanos contra o poder da coroa inglesa. Os elevados impostos aplicados em 1767 ao chá que chegava ao território americano foram o pretexto para o início da rebelião que levou à independência do país. Em Inglaterra queriam que na colónia pagassem os custos da guerra contra os franceses e os índios.
Teve então lugar, em 1773, a Boston Tea Party, durante a qual foram atiradas ao mar cerca de 340 caixas de chá inglês.

O chá chegou tarde a Inglaterra, entre 1652 e 1654, mas rapidamente se tornou popular.
A corte foi a primeira a ter contacto com esta bebida de origem chinesa, graças à intervenção da portuguesa D. Catarina de Bragança, infanta que, em 1662, casou com o rei Carlos II. O médico de Catarina de Bragança já lhe havia receitado chá por motivos de saúde e a infanta, quando chegou a Inglaterra para o casamento, tinha como parte do seu dote um serviço de chá da China. Assim, começou a servir esta bebida pela corte, instaurando o tradicional Chá das Cinco.

O chá iria mudar para sempre a vida dos súbditos ingleses, tornando-se um elemento indissociável da sua personalidade e da sua maneira de ser. Ao ritual do "chá das cinco" estão associados os tradicionais scones e a marmalade, esta última também introduzida por Catarina de Bragança.

Em 1680, surge em França a primeira menção ao chá com leite, na mesma época em que na Holanda apareceram estabelecimentos públicos a servir a bebida.
No entanto, o chá era uma bebida cara no século XVII devido aos elevados impostos que eram aplicados e em Inglaterra começou a ser adulterado e falsificado, surgindo também no mercado negro.
A situação só foi controlada, em 1834, com as reduções nos impostos e com o fim do monopólio da Companhia das Índias. O mercado tornou-se livre e permitiu o desenvolvimento da indústria naval, já que cada vez mais barcos partiam para a Ásia para fazer carregamentos de chá, uma bebida que graças a uma substancial redução no preço ficou de tal forma popular que ultrapassou a cerveja.

Já em finais do século XIX, o inglês Thomas Lipton fez ainda mais pelo comércio do chá ao criar culturas próprias e ao introduzir sacos pré-empacotados para preservar o aroma.
Entretanto, os Estados Unidos da América, com um governo estável e a economia a crescer, quiseram mostrar a sua evolução ao mundo em 1904 com a exposição internacional de St. Louis.

No meio dos comerciantes que mostravam o seus produtos estava Richard Blechynden, dono de uma plantação de chá. O seu objetivo era distribuir chá quente pelos visitantes, mas uma onda de calor estragou-lhe os planos. Para não perder a mercadoria, despejou lá dentro blocos de gelo e serviu os primeiros chá gelados, hoje em dia bastante populares em todo o mundo.

Quatro anos mais tarde, outro norte-americano, Thomas Sullivan, desenvolveu o conceito de chá em pacotes ao enviar amostras para restaurantes em que as folhas iam empacotadas. Constatou que elas acabavam por ser servidas assim mesmo e lançou-se no negócio.

O chá está assim difundido em todo o mundo, nas suas três categorias: "verde", quando não é fermentado, "oolongo", parcialmente fermentado, e "preto", totalmente fermentado. No mercado foram lançados os chás com aromas de frutos, como laranja, morango, pêssego, frutos tropicais, framboesa, e de citrinos, como limão.

Voltando ao país de origem do chá, para os chineses, este está associado à beleza, pelo ritual da sua preparação, pela satisfação e paz que provoca e por ser um complemento essencial do convívio.
O segredo da preparação do chá foi muito bem guardado pelos chineses e só em 1843 se descobriu que todos os tipos de chá provinham de uma mesma planta, a Camellia sinensis.
A procedência, o solo, o clima, a seleção e a preparação das folhas é que determinam as diferentes variedades existentes.

O chá preto (fermentado) é cultivado na Índia, Sri Lanka, na África Oriental, Japão e Taiwan, enquanto que o chá verde (não fermentado) é originário sobretudo da China e do Japão, embora também exista na Índia e na Indonésia. O chá "Oolong" (semifermentado) é oriundo de uma região chinesa chamada Foochow e de Taiwan, enquanto que o jasmim se pode encontrar na China. O Darjeeling e o Assam são produzidos sobretudo no Nordeste da Índia e no Sri Lanka.
Os blended, que resultam da mistura de vários chás, como o Earl Grey, existem em cerca de 1500 tipos de lotes diferentes. Um dos melhores chás do Mundo (preto e verde) é produzido nos Açores, em S. Miguel, na localidade de Gorreana, nas variedades Orange Pekoe, Broken e Moinha. (daqui)

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