sexta-feira, 29 de julho de 2022

"Embalo de Rede" - Poema de Thiago de Mello


Julius LeBlanc Stewart (American, 1855-1919), Portrait of a lady, 1892 
 
 
 
Embalo de Rede
“L’amour s’en va comme cette eau courante
L’amour s’en va
Comme la vie est lent
Et comme la espérance est violente”

Apollinaire
O nosso amor só se acaba
se for para começar.
Te perdes longe de mim,
para poder me encontrar.

Todo fim sabe a começo.
Na fundura do teu peito
dorme a clave do milagre
cujo segredo mereço.

Sozinho mais te proclamo
a pessoa preferida.
Asa de garça, pendão
no vento, estrela da vida.

Que te cante a paz no peito.
Não é bênção para mim,
que perto estou já do fim.
Te quero tanto, que tanto 

dentro de ti me perdi.
 Só por sonhar que erga voo
de pássaro prisioneiro
a luz que lateja em ti. 
 

Thiago de Mello
,
Poema extraído da obra 'Campo de milagres'
 (Bertrand Brasil, 1998)
 
 
Thiago de Mello, S/d, Poeta, tradutor, escritor, jornalista,
artista gráfico e roteirista brasileiro
(Daqui)
 

"Pois aqui está a minha vida. Pronta para ser usada. Vida que não guarda nem se esquiva, assustada. Vida sempre a serviço da vida. Para servir ao que vale a pena e o preço do amor."

Thiago de Mello, A vida verdadeira (daqui)
 

domingo, 24 de julho de 2022

"Uma botânica da paz: visitação" - Poema de Ana Luísa Amaral


Mary Cassatt (1844–1926, American painter), The Cup of Tea, c. 1881
 
 

Uma botânica da paz: visitação


Tenho uma flor
de que não sei o nome

Na varanda,
em perfume comum
de outros aromas:
hibisco, uma roseira,
um pé de lúcia-lima

Mas estes são prodígios
para outra manhã:
é que esta flor
gerou folhas de verde
assombramento,
minúsculas e leves

Não a ameaçam bombas
nem românticos ventos,
nem mísseis, ou tornados,
nem ela sabe, embora esteja perto,
do sal em desavesso
que o mar traz

E o céu azul de Outono
a fingir Verão
é, para ela, bênção,
como a pequena água que lhe dou

Deve ser isto
uma espécie de paz:

um segredo botânico
da luz
 

Ana Luísa Amaral

in Entre Dois Rios e Outras Noites, 2007
 
 
 
 
 
Som alto
vento na varanda
a samambaia samba
 
(Haicai / Haikai / Haiku)
 

quinta-feira, 21 de julho de 2022

"Solidão" - Poema de Rainer Maria Rilke


Edward Hopper (American realist painter, 1882-1967), Nighthawks, 1942, óleo sobre tela, 84.1×152.4
Art Institute of Chicago, Chicago (Illinois)
 


Solidão


A solidão é como a chuva que brota
do mar para o cair da tarde;
da planície distante e remota
para o céu, que sempre a adota.
E só então recai do céu sobre a cidade.

Ela chove, entre as horas, a seu despeito,
quando todos os becos buscam a madrugada
e quando os corpos, que não encontraram nada,
quedam-se juntos, tristes e frios,
e os que se odeiam, rosto contrafeito,
têm de dormir no mesmo leito:

aí a solidão flui como os rios...


 In: Augusto de Campos (trad. e org.). Coisas e anjos de Rilke
São Paulo: Perspectiva, 2013.
 
 

Augusto de Campos, Coisas e anjos de Rilke
Editora Perspectiva

Nesta nova edição, Augusto de Campos ampliou para 130 os poemas traduzidos, tendo acrescentado setenta textos aos anteriores, sempre com ênfase nos "Novos Poemas" (1907-1908), a obra menos conhecida de Rainer Maria Rilke. Incluiu mais alguns poemas do Livro de Imagens, e ainda outros, dos Sonetos a Orfeu, que têm a ver com a dicção poética daquelas coleções. Aditou-lhes, por fim, outros poemas esparsos pouco divulgados. Este volume vem aprofundar uma nova abordagem da obra de Rilke, a partir da fase marcada pela influência de Cézanne e Rodin. Nas notáveis transposições do mestre-tradutor, os "poemas-coisa" rilkeanos nos revelam uma "poesia de pedra e alma onde até os anjos se concretizam. Textos que nos maravilham e nos surpreendem na solidez coiseante das imagens em que compactam a fluidez das angústias e incertezas humana. Amálgama de coisas e anjos". (Daqui)
 

terça-feira, 19 de julho de 2022

"Herói Vencido" - Poema de Francisco Bugalho



Claude Monet, Gare Saint-Lazare, l'arrivée d'un train, 1877, Fogg Art Museum,
a part of Monet's Gare Saint-Lazare series.  


 
Herói Vencido


Naquele dia
Parti
A hora em que a cidade era saudosa
Das vidas que eu viveria
Se me não fora impossível.
Ali,
Tudo me prometia
O perdido para sempre,
E tudo me era sensível,
Como se fosse de novo,
Ou eu visse
Com os olhos da outra gente.

Nesse momento,
De mim próprio tão diferente,
Era o herói conhecido
De um romance concebido
E nunca realizado...

No ar da gare,
Entre o silvo das partidas,
Estava suspenso, parado,
O perfume concentrado
De todas as despedidas.
 
 
 in Canções de Entre Céu e Terra,
Edições Presença, 1940
 
 
The Art Institute of Chicago, a part of Monet's Gare Saint-Lazare series. 


Sonho de viagem
não sei se durmo
ou olho a paisagem

Outro silêncio: haikais

 

domingo, 17 de julho de 2022

"A Estrela da Manhã" - Poema de Manuel Bandeira


Obra de Cruzeiro Seixas (Poeta e pintor surrealista português, 1920-2020)
 


A Estrela da Manhã

 
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã 

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte
 
Digam que eu sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? 
Eu quero a estrela da manhã 

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário
 
Virgem mal sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
 
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
 
Depois comigo
 
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas 
[comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
 
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.


Manuel Bandeira, 
in 'Estrela da Manhã', 1936 
 

 
Capa do livro "Estrela da Manhã", 1936 
 
 

Análise do poema "Estrela da manhã"

 
O poema em análise abre o livro "Estrela da manhã" é homónimo do título da obra. Ele é composto de 31 versos livres, distribuídos em 10 estrofes. A estrofe inicial apresenta a ânsia do poeta em encontrar o que ele denomina “estrela da manhã”, solicitando para tanto a ajuda dos amigos e dos inimigos. A segunda estrofe confere um significado especial à estrela, pois ela desapareceu nua, talvez acompanhada por alguém. Ao associar o termo nua ao termo estrela, este ganha no sentido, indicando a encarnação do desejo do poeta aludindo a uma figura feminina.

Na terceira estrofe, o despojamento moral do eu lírico reforça a ideia de seu sofrimento em função da privação da companhia desejada: “Digam que sou um homem sem orgulho / um homem que aceita tudo/ que me importa?”

A quarta e quinta estrofes apresentam a passagem para um estado delirante, que se inicia por uma auto degradação e culmina em uma visão surrealista, isto é, em uma imagem que brota, diretamente, do inconsciente: “girafa de duas cabeças”.

A sexta e sétima estrofes revelam, pelo recurso da anáfora, isto é, da repetição do termo no início do verso, o dilaceramento do eu lírico em face ao desejo, pois ele aceita toda a degradação moral do objeto desejado. A repetição do verbo no imperativo “pecai” alude ao próprio desejo de pecar, o que pode ser observado na estrofe seguinte, composta de um único verso: “Depois comigo”. O isolamento do verso na estrofe intensifica a ideia de solidão. A sucessão dos verbos no imperativo pelo verso nominal, ou seja, o verso sem verbo, realça a intensidade do desejo e a condição solitária do eu lírico.

A abertura da penúltima estrofe apresenta um verso longo, sem vírgulas: “Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples”. A ausência de pontuação reforça a amplitude do desejo. Mafuás são feiras ou parques de diversões; novena é o período de nove dias dedicado a orações; cavalhadas é um folguedo, uma festa popular; a diversão (mafuás, cavalhadas) e a devoção (novena) fundem-se em uma mesma perspetiva, que é a busca da realização do desejo do poeta, e a imagem da mulher desejada torna-se simultaneamente sagrada e profana. O desejo é tão intenso que chega ao limiar da loucura “comerei terra” para, em seguida, converter-se em sublime ternura na construção de um discurso “e direi coisas de uma ternura tão simples” capaz de levar o objeto do seu desejo, no verso seguinte, à perda da consciência “Que tu desfalecerás”.

Na última estrofe, o eu lírico invoca o auxílio de todos em busca da “estrela da manhã”: “ Procurem por toda parte”. E a estrela parece assumir o significado do desejo amoroso atormentado, pois é desejada “Pura ou degradada até a última baixeza”.

O tema da frustração é uma constante na obra de Manuel Bandeira e aparece muitas vezes ligado à imagem da estrela. A estrela que o poeta pode apenas contemplar, sem jamais tocar, simboliza a impossibilidade da realização de uma vida desejada. Na abertura de Estrela da vida inteira, o poeta escreveu: “Estrela da vida inteira/ da vida inteira que poderia ter sido/ e que não foi./ Poesia, minha vida verdadeira.”

Em Estrela da manhã, a imagem da estrela está relacionada ao desejo amoroso, mas ao desejo amoroso frustrado. O poeta procura pela estrela, porém não consegue encontrá-la e nem tocá-la. (Daqui)
 

Cruzeiro Seixas, A noite sem fim, 1977. Têmpera e tinta da china sobre papel, 43 x 30,5 cm
 

O dia lega
à noite, em testamento,
a lua.

Albano Martins
(Haicai / Haikai / Haiku)



sábado, 16 de julho de 2022

"Dói-me esse rio de já me não amares" - Poema de Manuel Cintra


Louis Janmot (French painter and poet, 1814–1892), Flower of the Fields, 1845,
 

 
Dói-me esse rio de já me não amares 
 
 
 E dói-me esse rio de já me não amares
de já me não quereres assim como eu te quero
de não sobressaltares porque sou eu que te espero
em esquinas de lágrima ou sorriso
foi-se o amor chegou o siso
e eu
que não nasci para ter juízo

E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas está, dê para o que der
e doa a quem doer

Passam sanguessugas pelos trilhos da memória
umas são mortas, outras são vivas,
outras são glória
de já não existir e teimar em persistir
e eu vou ao vento, sou palmeira seca,
sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim
sou uns dias teu, outros assim assim

E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas sente, e já pouco quer
para além de seres mulher

E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou
mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música
perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa
é coça umbigo, vai ter que parar

Mas dói-me o teu ventre que não afago
como quem não sabe nadar
e hoje é de festa, amanhã é de mar
é de mar 
 
in Não sei nunca por onde
Quasi Edições
 
 
Cintra, Manuel - "Não Sei Nunca por Onde" - poesia. 
V.N. de Famalicão, Edições Quasi, 2004.
Capa: Mimesis, sobre pintura de Luísa Correia Pereira. (Daqui)


[Sinopse: Cada nome da tua alma habita tenro cada nome da minha. A meio da noite fico cego, acho-te sol. E dobrado sobre ti pergunto: porquê tanto anil? Porquê sem retrocesso? E como resposta sinto uma pestana tua virar-me o olho do avesso. (daqui)]


 Manuel Cintra (daqui)
 

Manuel Cintra (1956-2020), autor de mais de vinte livros de poemas, foi também tradutor, jornalista, ator e encenador, sendo, no entanto, a poesia "a sua incontornável e apaixonada estrada", sublinhou a poeta e dramaturga Maria Quintans. "Ele era um grande poeta, mas foi muito marginalizado porque não alinhava com o sistema", disse ainda a escritora. 

Manuel Cintra começou a publicar poesia em 1981, com o livro "Do Lado de Dentro", na Editorial Presença, a que se seguiram mais de duas dezenas de obras. "Tangerina" (1990), "Borboleta" (2006), "Alçapão" (2009), "Marie" (2009), "Receber a Poeira" (2014), "Parto" (2014), "Peixa" (2016) são algumas das que publicou.
A editora Guilhotina publicou "Manobra Incompleta" em 2017, reunindo toda a poesia de Manuel Cintra. 

"Geralmente escrevo o poema já pronto, quase sem correções. Faço os possíveis por não enlouquecer. Como sabemos, a poesia é uma arma, neste caso visceral. Sempre no limite. Sempre numa nova manobra. A evitar o acidente. Ou a vivê-lo a fundo", costumava dizer o escritor, citado por Maria Quintans. 

Além de poeta e tradutor, foi também encenador e ator, tendo participado em várias produções do Teatro da Cornucópia.
Manuel Cintra era filho do linguista Luís Filipe Lindley Cintra e irmão do ator e encenador Luís Miguel Cintra (Daqui) 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

"Bênçãos" - Poema de Tomás Ribeiro


Mota Urgeiro (Pintor português, n. 1946), "Vindima no Douro"
 


Bênçãos 


Bem hajas, oh luz do sol,
Dos órfãos agasalho e manto,
Imenso, eterno farol
Deste mar largo de pranto!

Bem hajas, água da fonte,
Que não desprezas ninguém!
Bem haja a urze do monte,
Que é lenha de quem não tem!

Bem hajam rios e relvas,
Paraíso dos pastores!
Bem hajam aves das selvas,
Música dos lavradores!

Bem haja o reino dos céus,
Que aos pobres dá graça e luz!
Bem haja o templo de Deus,
Que tem sacramento e cruz!

Bem haja o cheiro da flor,
Que alegra o lidar campestre;
E o regalo do pastor,
A negra amora silvestre!

Bem haja o repouso à sesta
Do lavrador e da enxada;
E a madressilva modesta,
Que espreita à beira da estrada!

Triste de quem der um ai
Sem achar eco em ninguém!
Felizes os que têm pai,
Mimosos os que têm mãe! 
 

Tomás Ribeiro
(No livro de leitura da 4ª classe do ensino primário - anos 40)
 
 
 
Tomás Ribeiro
 
 
Político e literato português, Tomás António Ribeiro Ferreira nasceu a 1 de julho de 1831, em Parada de Gonta, e morreu a 6 de fevereiro de 1901, em Lisboa.
Oriundo de uma família de lavradores abastados, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra, começando a exercer em Tondela, por onde foi eleito deputado em 1862 e onde viria a presidir à Câmara Municipal. Foi o início de uma série de cargos públicos, série essa que viria a incluir o de secretário-geral da Índia (aí fundando, em Goa, o Instituto Vasco da Gama), o de governador-civil do Porto e de Bragança, o de diretor-geral do Ministério da Justiça, o de presidente da Junta de Crédito Público e o de vogal do Tribunal de Contas.
Filiado no Partido Regenerador, foi eleito deputado pela segunda vez em 1875 e passou a integrar a Câmara dos Pares em 1882.
Tomás Ribeiro foi várias vezes ministro: em 1878, foi nomeado ministro da Marinha, num gabinete de Fontes Pereira de Melo, a quem esteve muito ligado; em 1879, assumiu a pasta da Justiça; em 1881, foi ministro do Reino; em 1890, tornou-se responsável pelas Obras Públicas.
Enquanto titular da pasta da Justiça, coube-lhe assinar o importante decreto de 1879 que reconheceu a liberdade de consciência aos cidadãos não-católicos, tanto no casamento como no batismo.
Quando se restabeleceram, em 1895, as relações diplomáticas com o Brasil, Tomás Ribeiro foi nomeado ministro junto do governo brasileiro.

Enquanto estudante em Coimbra, onde conviveu com o grupo de poetas ultrarromânticos ligados à revista O Novo Trovador e se relacionou com António Feliciano de Castilho, Tomás Ribeiro dedicou-se igualmente à criação poética.
Após a sua formatura, publicou um poemeto intitulado Os Meus Trinta Anos. Em 1862 foi admitido na Academia das Ciências de Lisboa. Nesse mesmo ano, publicou o poema D. Jaime ou a Dominação de Castela, com um prefácio de António Feliciano de Castilho, que o tornou célebre e viria a desencadear uma acesa polémica literária.
O êxito de D. Jaime foi secundado pelo do poema A Delfina do Mal (1868) e pelo de coletâneas de poesia como Sons que Passam (1868) e Vésperas (1880). Nos dois volumes das suas crónicas de viagem, Jornadas (1873-1874), resultantes da sua passagem pela Índia, acrescentou às notações de exotismo orientalista uma intenção fortemente patriótica de celebração de "algumas das nossas glórias, tão cobertas por aí da ferrugem dos tempos, das invejas e das ingratidões". Colaborou em periódicos como a Revista Contemporânea de Portugal e Brasil e Artes e Letras e fundou os jornais políticos Repúblicas, O Imparcial e A Opinião, todos de duração efémera.

Apesar da influência de um certo realismo, presente no tom coloquial e no prosaísmo descritivo de alguns dos seus versos, a poética de Tomás Ribeiro, implícita na sua obra e manifesta nos textos de crítica literária que escreveu, a pretexto dos seus livros ou da produção de outros escritores - prefaciou obras de Rodrigues Cordeiro, Maria Amália Vaz de Carvalho e Camilo Castelo Branco, seu amigo e admirador, entre outros -, é ainda romântica: na conceção do poeta como ser solitário e excecional ("Cismar é a minha sina; o êxtase, a minha poesia"); na defesa da inspiração em detrimento das regras ("deixai, deixai que eu ande imune / por todas as paragens do infinito / a sabor dos caprichos do meu estro!"); na apologia da natureza como fonte suprema da intuição artística ("o meu berço alpestre acalentou-me ao som dos cantos livres e augustos da natureza"); na valorização da verdade do sentimento em desfavor da verdade da razão ("virá uma nova escola amparar as conquistas da razão com a elevação do sentimento, porque a natureza sempre triunfa por fim").(Daqui)
 

quinta-feira, 14 de julho de 2022

"Legado" - Poema de Lindolf Bell

 
Gregorio Prieto (1897-1992), Retrato de Juan Chabás (1900-1954), 1922-1924,  
84.5 x 84.6 cm. Óleo sobre lienzo. Museo Gregorio Prieto
 
 

Legado

 
Deixarei por herança
não o poema
mas o corpo do poema
aberto aos quatro ventos

Pois todo poema
é verde e maduro,
em areia movediça
de angústia, solidão
onde me debato
ainda que finja o contrário
em busca da verdade
e seu chão

Deixarei por herança
não o poema
mas o corpo repartido
na viagem inconclusa

Pois todo poema maduro
é um verde poema
e, mesmo acabado,
se estriba na inconclusão
claro, sem esquecer,
a estratagema da paixão.

 
em "As Vivências Elementares"
 São Paulo: Massao Ohno / Roswitha Kempf, 1980.
 
 
Retrato de Lindolf Bell aos 27 anos, em 1965 (Daqui)


"A poesia é o instrumento mais generoso para eliminar a solidão, a indiferença, o desencanto, o cinismo e a discriminação. A solidão vale como espaço para refletir em profundidade sobre nosso destino comum e a ausência de solidariedade que desequilibra o sistema social, acentua privilégios e exclusões. Se o poema, muitas vezes, amadurece sem terras, em solidão, sua existência (resistência) se justifica para lembrar que o ser humano mais uma vez não é ilha, mas partilha." - Lindolf Bell (Daqui)


Gregorio Prieto (1897-1992), Homenaje a Gómez de la Serna (1888​-1963)
 

Ramón Goméz de la Serna


Ramón Goméz de la Serna, ou simplesmente Ramón, como toda a Europa e América Latina artísticas o conheceram nos anos 20 ou 30, nasceu em Madrid em 1888. Aos vinte anos dirige uma revista literária ('Prometeo') que durou até 1912. Interessado por tudo o que é moderno, funda, em 1915, na Calle de Carretas, não muito longe da Puerta del Sol, a tertúlia do 'Café del Pombo' por onde irá passar toda a 'Intelligentsia' espanhola, e não só, atraída pela sua fama de grande mestre do humor e da vanguarda. Tentou criar em Madrid um ambiente cosmopolita e verdadeiramente moderno. 
Viajou muito - viveu em Paris, Nápoles, Genebra, construiu uma moradia no Estoril onde passou largas temporadas, mas é sobretudo Madrid que palpita na sua obra. Obra imensa - de todos os géneros que existiam e que não existiam: romances ('La Viuda Blanca y Negra', 'La Quinta de Palmyra', 'Seis Falsas Novelas', 'La Nardo', 'La Mujer de Ambar'), crónicas ('El Rastro', 'Toda la História de Puerta del Sol', 'La Proclama del Pombo'&), biografias ('Lope Viviente', 'Ramón del Valle Inclán', 'Goya', 'Oscar Wilde', 'Velasquez'&), ensaios ('El Circo', 'Senos'&), autobiografia ('El Libro Mudo', 'Secretos', 'Automoribundia'&) numa lista de duzentos títulos. 
Foi traduzido por toda a Europa. Com Chaplin e Pitigrilli, foi o único estrangeiro admitido na Academia de Humor Francesa. E Valéry Larbaud, que poucas vezes se enganou, dele disse 'Com Proust e Joyce é um dos maiores escritores do século XX'
Em 1936, com o deflagrar da Guerra Civil, parte para Buenos Aires onde conhecera Luisa Sofovitch que o acompanhou até à morte em 1963."

Jorge Silva Melo
(1948- 2022) no prefácio à obra "Greguerías" (Daqui) 
 

quarta-feira, 13 de julho de 2022

"Faz escuro mas eu canto" - Poema de Thiago de Mello


Acácio Lino (Pintor e escultor português, 1878-1956), Chô! Passarada!, 1943,
Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, Águeda


Faz escuro mas eu canto

Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.


Thiago de Mello,

in 'Faz escuro mas eu canto', 1966
Bertrand Brasil - 1999, Rio de Janeiro, pág. 60.


 
Acácio Lino, Amuada, 1947, óleo s/tela, 60 x 90 cm. Museu Amadeo de Souza Cardoso


“Nasci com o ritmo dentro de mim e é da própria vida que nascem os meus poemas. A inspiração vem da vida do homem neste lugar chamado Terra. O que me comove ou me espanta, me dá esperança ou indignação.” - Thiago de Mello (Daqui)
 
 

 
Thiago de Mello (Daqui) 


Biografia de Thiago de Mello
(Barreirinha, 30 de março de 1926 — Manaus, 14 de janeiro de 2022)

Poeta, tradutor, escritor, jornalista, artista gráfico e roteirista, Thiago de Mello é o nome literário de Amadeu Thiago de Mello, nascido a 30 de março de 1926, na pequenina cidade de Barreirinha, fincada à margem direita do Paraná do Ramos, braço mais comprido do Rio Amazonas, no meio do pedaço mais verde do planeta: a Amazónia.

O poeta, ainda criança, mudou-se para capital, Manaus, onde iniciou seus primeiros estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e o segundo grau no então Gyminásio Pedro II. Concluído os estudos preliminares mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Faculdade Nacional de Medicina. Por lídima vocação, ou por tara compulsiva, como ele prefere, abraçou o ofício de poeta abandonando o curso de medicina para se entregar, por inteiro, ao difícil e duvidoso (em termos profissionais) caminho da arte poética. Vivia-se o glamour dos anos 50, num Rio de Janeiro capital do país, ditando para todo Brasil não só as questões de cunho político, mas sobretudo, os eventos artísticos e acontecimentos da produção literária. Hegemonia mantida até hoje mas compartilhada com a cidade de São Paulo e seu efervescente ambiente cultural. 

Em 1951, com o livro Silêncio e Palavra, irrompe vigorosamente no cenário cultural brasileiro e de pronto recebe a melhor acolhida da crítica. Álvaro Lins, Tristão de Ataíde, Manuel Bandeira, Sérgio Milliet e José Lins do Rego, para citar alguns nomes ilustres, viram nele e em sua obra poética duas presenças que, substanciosas e duradouras, enriqueceram a literatura nacional.
"... Thiago de Mello é um poeta de verdade e, coisa rara no momento, tem o que dizer", escreveu Sérgio Milliet.

O correr dos anos só fez confirmar suas qualidades e justificar os elogios com que fora recebido pela intelligentsia brasileira. O amadurecimento permitiu ao poeta mergulhar profundamente as raízes da sensibilidade e da consciência crítica na rica seiva humana de um povo ao mesmo tempo tão explorado, tão sofrido e tão generoso, e sua poesia, sem perder o sóbrio lirismo que a inflamava, ganhou densidade e concentração, pondo-se por inteiro a serviço de relevantes causas sociais.

Faz Escuro, mas eu Canto; A Canção do Amor Armado; Horóscopo para os que estão vivos, Poesia Comprometida com a minha e a tua Vida; Mormaço na Floresta; Num Campo de Margaridas realizam, por isso, a bela síntese do poeta e do homem que jamais se deixou ficar indeciso em cima do muro de confortável neutralidade. O poeta e o partisan eram uma só pessoa, dedicada sem medir esforços ou riscos à luta pela emancipação do homem, tanto dos grilhões que injustas estruturas do poder económico-político lhe impõem quanto das limitações com que individualismo, ignorância ou timidez lhe tolhem os passos.

A biografia de um poeta assim concebido e a tanto cometido não poderia jamais desenvolver-se num plano de tranquila rotina. A de Thiago de Mello teve, por isso mesmo, suas fases sombrias e borrascosas, realçada por arbitrária prisão e longo e doloroso exílio da pátria a que tanto ama e serve.
Essas provações, que enfrentou com a serena firmeza de quem as sabe inevitáveis e delas não foge, enriqueceram-no ainda mais como poeta e ser humano. Alargando sua weltanschauung, permitiram-lhe comprovar o acerto de sua intuição de que o geral passa pelo particular e de que, como dizia seu grande colega Fernando Pessoa, tudo vale a pena/ se a alma não é pequena.

No livro De Uma Vez Por Todas, todas as linhas marcantes de sua poesia, o lirismo, a sensibilidade humana, a alegria de viver, a luta contra a opressão, o amor constante à Amazónia natal se reúnem harmonicamente, num tecido de rara força e beleza. O poeta não escreve seus poemas apenas em busca de elegância formal: neles se joga por inteiro, coração, cabeça e sentimento, e isso lhes dá autenticidade e força interior.

 Poesia:
  • Silêncio e Palavra, Edições Hipocampo, Rio de Janeiro, 1951. Narciso Cego, Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1952. 
  • A Lenda da Rosa, Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1956. 
  • Vento Geral (reunião dos livros anteriores e mais dois inéditos: Tenebrosa Acqua e Ponderações que faz o defunto aos que lhe fazem o velório), Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1960. 
  • Faz Escuro mas eu Canto, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965. 14ª edição, 1993. 
  • A Canção do Amor Armado, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1966. 7ª edição, 1993. 
  • Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1975. 7ª edição, 1991. 
  • Os Estatutos do Homem (com desenhos de Aldemir Martins), Editora Martins Fontes, São Paulo, 1977. 6ª edição, 1991. 
  • Horóscopo para os que estão Vivos, Edição de luxo, ilustrada e editada por Ciro Fernandes, Rio de Janeiro, 1982. 
  • Mormaço na Floresta, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1984. 3ª edição, 1993. 
  • Vento Geral, Poesia 1951-1981, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 1981. 3ª edição, 1990. 
  • Num Campo de Margaridas, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1986. 
  • De uma vez por todas, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1996. 
  • Cantídio, André Provérbios, 1999
Prosa:
  • Notícia da Visitação que fiz no Verão de 1953 ao Rio Amazonas e seus barrancos, Ministério da Educação, 1957. 2ª edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1989. 
  • A Estrela da Manhã, Estudo de um poema de Manuel Bandeira, Ministério da Educação, Rio de Janeiro, 1968. 
  • Arte e Ciência de Empinar Papagaio, BEA, Manaus, 1984, edição de luxo. 2ª edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1985. 
  • Manaus, Amor e Memória, Suframa, Manaus, 1984, edição de luxo. 2ª edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 4a edição, 1989. 
  • Amazonas, Pátria das Águas, Edição de luxo, bilingue (português e inglês), com fotografias de Luiz Cláudio Marigo. Sverner-Bocatto, São Paulo, 1991. 
  • Amazônia, a Menina dos Olhos do Mundo, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1992. 
  • O Povo Sabe o Que Diz, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2ª edição, 1993. 
  • Borges na Luz de Borges, Pontes Editores, São Paulo, 1993.
  • Vamos Festejar de Novo, 2000 (Daqui)

sábado, 9 de julho de 2022

"Solemnia Verba" - Poema de Antero de Quental

 
Elin Danielson-Gambogi (Finnish painter, 1861-1919), Engaged, 1906
Fondazione Cassa di Risparmio, Livorno, Italia


Solemnia Verba 


Disse ao meu coração: «Olha por quantos
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, desta altura fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos...

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E noite, onde foi luz de Primavera!
Olha a teus pés o Mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!»

Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do penar tornado crente,

Respondeu: «Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.»
 
 
 in "Sonetos Completos" 
publicados por J. P. Oliveira Martins, Lopes & C.ª 
 Editores, Porto, 1890.
 
 

 
Figura tutelar da chamada "Geração de 70", Antero Tarquíneo de Quental (1842-1891) é um dos maiores poetas portugueses. Açoreano de nascimento foi recordado pelos intelectuais do seu tempo como um homem de grande estatura moral e espiritual. É com duas obras, uma poética, Odes Modernas, e o ensaio Bom Senso e Bom Gosto, ambos de 1865, que Antero liderou a rutura cultural com os valores passadistas, no caso representados por António Feliciano de Castilho e pela poesia ultra-romântica. É, com Jaime Batalha Reis, um dos organizadores das Conferências do Casino (1871), entrando a seguir numa agitada atividade política relacionada com o iberismo e ao socialismo. A doença que surge em 1875 e que quase o torna inválido, refreia-lhe a atividade e as aspirações. É de 1886 a publicação dos Sonetos Completos, e do último ensaio filosófico, que veio a lume na Revista de Portugal de Eça de Queirós, A Filosofia da Natureza dos Naturalistas. Suicida-se, inesperadamente, em 1891, em Ponta Delgada, sua cidade natal. (Daqui)
 

sexta-feira, 8 de julho de 2022

"Poema Cíclico" - Poema de Aníbal Beça


Thalia Flora-Karavia (Greek, 1871–1960), Cypress House
 
 
 
Poema Cíclico


A trave dos meus olhos
é pólen de crisântemos:
farpas cronológicas
Metro a metro a seta ideográfica
abre aspas ao vento:
mandala vertical

Quem me confere
estas asas nubladas
de arcanjo do limbo?

Ah tempo adiposo
a marca do teu risco
esferográfico
abre mais mais uma estrada
(sem acostamentos)
paralela às estrias do sono.

Eis que a pálpebra de palha
se apresenta:
dos meus olhos saltam
pássaros ariscos

prontos a deflorar begónias
em setembro
e 38 ponteiros
(rubis ciclotímicos do silêncio)
acupunturam poros fóbicos:

Calendas
a fala do espelho
(espectador anónimo)
mostra-me por inteiro:
Vital conselho
entre o sudário que me hospeda
e a angústia que me habita.

A miração flutua narcisicamente
o rasto da sílaba
o grão onomástico sussurra:
Aníbal.

Quão particular este silêncio
(viés oculto)
que me sabe desnudo
despudoramente nu
encalhado num atol:
leito circunscrito
às algas do meu avesso.

Sem embargo
trago sempre no alforje
um fardo de estrelas:
sei-me estivador
desse cais agónico
atarefado Sísifo.
 
 
in 'Filhos da várzea',
Editora Valer, 2ª Edição, 2002
 
 

Filhos da várzea - Editora Valer; 2ª edição (5 fevereiro 2002) 

 
Um dos poetas destacados de sua geração, Aníbal Beça realiza uma poesia bem elaborada e identificada com o universo amazónico. O livro "Filhos da várzea" foi publicado pela primeira vez em 1984 e é considerado um marco na poesia do Amazonas destacando-se pelo rigor da linguagem e conteúdo poético. É a obra que marca o início da fase madura do autor.
 


Aníbal Beça

 
Biografia de Aníbal Beça

Aníbal Beça era amazonense de Manaus, onde nasceu a 13 de setembro de 1946 e faleceu a 25 de agosto de 2009. Era poeta, compositor e jornalista. Desde muito cedo colabora em suplementos literários e em publicações similares nacionais e internacionais.
Dividiu seus primeiros estudos entre colégios de Manaus (Aparecida, Dom Bosco e Brasileiro) e em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul (Colégio São Jacó). Durante sua permanência no Rio Grande do Sul, mais precisamente em Porto Alegre, travou conhecimento com o poeta Mario Quintana, quem lhe deu os primeiros ensinamentos e o estímulo para caminhar pelas veredas da poesia. 

Especialista em tecnologia educacional na área de Comunicação Social (UFRJ), teve passagens, como repórter, redator, colunista, copy desk e editor, em todas as redações dos jornais de Manaus, do início da década de 60 até final da década de 80; foi diretor de produção da Televisão Educativa do Amazonas - TVE e consultor da Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas. Idealizador e Editor-geral do suplemento literário "O Muhra", de circulação bimestral, editado pela referida secretaria. 

Envolvido com teatro, artes plásticas, é na música popular que a sua contribuição se faz mais efetiva como compositor, letrista e produtor de espetáculos e de discos. Desde 1968, quando venceu o I Festival da Canção do Amazonas, Aníbal foi colecionando prémios com mais de 18 primeiros lugares em festivais em sua terra, no Brasil e no exterior. Representou o Brasil no VIII Festival de Joropo de Villa Vicencio, Colômbia (1969).
Foi o único artista amazonense a se classificar e se apresentar no Festival Internacional da Canção FIC, em 1970, com a música "Lundu do Terreiro de Fogo", defendida pela cantora Ângela Maria.
Tem músicas gravadas por vários artistas brasileiros como: As Gatas, Coral JOAB, Felicidade Suzy, Nilson Chaves, Eudes Fraga, Lucinha Cabral, Dominguinhos do Estácio; Bira Hawaí, Aroldo Melodia, Jander, Raízes Caboclas, Mureru, Roberto Dibo, Célio Cruz, Torrinho, Arlindo Junior, Paulo Onça, Paulo André Barata, Almino Henrique, Pedrinho Cavalero, Pedro Callado, Delço Taynara, Grupo Tynbre e outros.
 
Aníbal Beça, além da sua condição artística  foi produtor e animador cultural nato. Foi um profissional que se encaixa no rótulo de multimídia, tal a sua abrangência na área artística.
Sua participação política plasmou-se no âmbito de entidades de classe, como diretor do Sindicato dos Escritores, presidente da ACLIA Associação de Compositores, Letristas e Intérpretes do Amazonas, Presidente do Coletivo Gens da Selva (ONG), Vice-Presidente da UBE-AM União Brasileira de Escritores, secção Amazonas.
Seu trânsito amplo, por diversos setores artísticos, que se estende até à manifestação da arte mais popular brasileira, o carnaval, fez com que fosse lembrado, e merecidamente homenageado, em 99, como tema de enredo "Aníbal Bom à Beça" da Escola de Samba "Sem Compromisso".
Fez parte da Ala dos Compositores das Escolas de Samba Reino Unido da Liberdade e Sem Compromisso, dando a esta última, seu único título pela autoria do enredo e do samba de enredo "Joana Galante - Axé dos Orixás", e classificou a referida escola entre as três primeiras colocações com os samba de enredo: "Hotel Cassina - Apoteose Boémia", "Hoje tem Guarany", "Vento e sol, passa cerol - A Arte de empinar papagaios" ; "Sol de Feira - O pregão da Alegria". 

Seu primeiro livro Convite Frugal, data de 1966. A propósito de sua poesia, o poeta Carlos Drummond de Andrade, teceu, em 31 de julho de 1987 - pouco antes de morrer - o comentário: 
"Li Filhos da Várzea, os poemas-poster e os haicais afetuosamente a mim dedicados. Obrigado por tudo, meu caro poeta. É de coração aberto que lhe desejo a maior recetividade pública e compreensão para a bela poesia que está elaborando e que, espero, marcará seu nome como um dos que engrandeceram o cultivo artístico do verso." 
 
Em 1994, com o livro Suíte para os Habitantes da Noite, sagrou-se vencedor, dentre 7.038 livros de todo o país, do 6º Prémio Nestlé de Literatura Brasileira - categoria poesia. O livro, lançado sob o selo da editora Paz e Terra, saiu em 1995.
Outros livros: Filhos da Várzea, ed. Madrugada, 1984, abrigando o livro Hora Nua; Marupiara - Antologia de Novos Poetas do Amazonas, (organizador) Ed. Governo do Estado do Amazonas, 1985; Quem foi ao vento, perdeu o assento (Teatro) Ed. SEMEC, 1986; Itinerário poético da Noite Desmedida à Mínima Fratura, Ed. Madrugada, 1987; Banda de Asa - poesia reunida - Ed. Sette Letras, 1998; contendo o livro inédito Ter/na colheita.
Foi Membro da UBE , União Brasileira de Escritores, do Coletivo Gens da Selva (ONG) e do Clube da Madrugada, entidade instauradora dos movimentos renovadores no campo literário e artístico do Amazonas.
Em junho de 99, Representou o Brasil no VIII Festival Internacional de Poesia de Medellín, e em agosto/99 no Encontro Internacional de Escritores da Associação Americana para o desenvolvimento cultural, em Bogotá.
Tem participação em diversas antologias: A Nova Poesia Brasileira de Olga Savary; A Poesia do sec. XX - Amazonas de Assis Brasil; Poesia Sempre da Fund. Biblioteca Nacional.; Antologia FUI EU de Eunice Arruda; Saciedade de Poetas Vivos: erótica e de haicais, de Leila Miccollis e Urhacy Faustino. (Daqui)

 
 
Thalia Flora-Karavia, Repos aux Champs
 

Ao passar a chuva
abre o sol timidamente
um claro sorriso.

(Haicai / Haikai / Haiku)
 
 
Thalia Flora-Karavia, Path in the Forest
 
 
De repente
caminham em fila na trilha —
formigas tucandeiras.
 
(Haicai / Haikai / Haiku)