sexta-feira, 8 de julho de 2022

"Poema Cíclico" - Poema de Aníbal Beça


Thalia Flora-Karavia (Greek, 1871–1960), Cypress House
 
 
 
Poema Cíclico


A trave dos meus olhos
é pólen de crisântemos:
farpas cronológicas
Metro a metro a seta ideográfica
abre aspas ao vento:
mandala vertical

Quem me confere
estas asas nubladas
de arcanjo do limbo?

Ah tempo adiposo
a marca do teu risco
esferográfico
abre mais mais uma estrada
(sem acostamentos)
paralela às estrias do sono.

Eis que a pálpebra de palha
se apresenta:
dos meus olhos saltam
pássaros ariscos

prontos a deflorar begónias
em setembro
e 38 ponteiros
(rubis ciclotímicos do silêncio)
acupunturam poros fóbicos:

Calendas
a fala do espelho
(espectador anónimo)
mostra-me por inteiro:
Vital conselho
entre o sudário que me hospeda
e a angústia que me habita.

A miração flutua narcisicamente
o rasto da sílaba
o grão onomástico sussurra:
Aníbal.

Quão particular este silêncio
(viés oculto)
que me sabe desnudo
despudoramente nu
encalhado num atol:
leito circunscrito
às algas do meu avesso.

Sem embargo
trago sempre no alforje
um fardo de estrelas:
sei-me estivador
desse cais agónico
atarefado Sísifo.
 
 
in 'Filhos da várzea',
Editora Valer, 2ª Edição, 2002
 
 

Filhos da várzea - Editora Valer; 2ª edição (5 fevereiro 2002) 

 
Um dos poetas destacados de sua geração, Aníbal Beça realiza uma poesia bem elaborada e identificada com o universo amazónico. O livro "Filhos da várzea" foi publicado pela primeira vez em 1984 e é considerado um marco na poesia do Amazonas destacando-se pelo rigor da linguagem e conteúdo poético. É a obra que marca o início da fase madura do autor.
 


Aníbal Beça

 
Biografia de Aníbal Beça

Aníbal Beça era amazonense de Manaus, onde nasceu a 13 de setembro de 1946 e faleceu a 25 de agosto de 2009. Era poeta, compositor e jornalista. Desde muito cedo colabora em suplementos literários e em publicações similares nacionais e internacionais.
Dividiu seus primeiros estudos entre colégios de Manaus (Aparecida, Dom Bosco e Brasileiro) e em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul (Colégio São Jacó). Durante sua permanência no Rio Grande do Sul, mais precisamente em Porto Alegre, travou conhecimento com o poeta Mario Quintana, quem lhe deu os primeiros ensinamentos e o estímulo para caminhar pelas veredas da poesia. 

Especialista em tecnologia educacional na área de Comunicação Social (UFRJ), teve passagens, como repórter, redator, colunista, copy desk e editor, em todas as redações dos jornais de Manaus, do início da década de 60 até final da década de 80; foi diretor de produção da Televisão Educativa do Amazonas - TVE e consultor da Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas. Idealizador e Editor-geral do suplemento literário "O Muhra", de circulação bimestral, editado pela referida secretaria. 

Envolvido com teatro, artes plásticas, é na música popular que a sua contribuição se faz mais efetiva como compositor, letrista e produtor de espetáculos e de discos. Desde 1968, quando venceu o I Festival da Canção do Amazonas, Aníbal foi colecionando prémios com mais de 18 primeiros lugares em festivais em sua terra, no Brasil e no exterior. Representou o Brasil no VIII Festival de Joropo de Villa Vicencio, Colômbia (1969).
Foi o único artista amazonense a se classificar e se apresentar no Festival Internacional da Canção FIC, em 1970, com a música "Lundu do Terreiro de Fogo", defendida pela cantora Ângela Maria.
Tem músicas gravadas por vários artistas brasileiros como: As Gatas, Coral JOAB, Felicidade Suzy, Nilson Chaves, Eudes Fraga, Lucinha Cabral, Dominguinhos do Estácio; Bira Hawaí, Aroldo Melodia, Jander, Raízes Caboclas, Mureru, Roberto Dibo, Célio Cruz, Torrinho, Arlindo Junior, Paulo Onça, Paulo André Barata, Almino Henrique, Pedrinho Cavalero, Pedro Callado, Delço Taynara, Grupo Tynbre e outros.
 
Aníbal Beça, além da sua condição artística  foi produtor e animador cultural nato. Foi um profissional que se encaixa no rótulo de multimídia, tal a sua abrangência na área artística.
Sua participação política plasmou-se no âmbito de entidades de classe, como diretor do Sindicato dos Escritores, presidente da ACLIA Associação de Compositores, Letristas e Intérpretes do Amazonas, Presidente do Coletivo Gens da Selva (ONG), Vice-Presidente da UBE-AM União Brasileira de Escritores, secção Amazonas.
Seu trânsito amplo, por diversos setores artísticos, que se estende até à manifestação da arte mais popular brasileira, o carnaval, fez com que fosse lembrado, e merecidamente homenageado, em 99, como tema de enredo "Aníbal Bom à Beça" da Escola de Samba "Sem Compromisso".
Fez parte da Ala dos Compositores das Escolas de Samba Reino Unido da Liberdade e Sem Compromisso, dando a esta última, seu único título pela autoria do enredo e do samba de enredo "Joana Galante - Axé dos Orixás", e classificou a referida escola entre as três primeiras colocações com os samba de enredo: "Hotel Cassina - Apoteose Boémia", "Hoje tem Guarany", "Vento e sol, passa cerol - A Arte de empinar papagaios" ; "Sol de Feira - O pregão da Alegria". 

Seu primeiro livro Convite Frugal, data de 1966. A propósito de sua poesia, o poeta Carlos Drummond de Andrade, teceu, em 31 de julho de 1987 - pouco antes de morrer - o comentário: 
"Li Filhos da Várzea, os poemas-poster e os haicais afetuosamente a mim dedicados. Obrigado por tudo, meu caro poeta. É de coração aberto que lhe desejo a maior recetividade pública e compreensão para a bela poesia que está elaborando e que, espero, marcará seu nome como um dos que engrandeceram o cultivo artístico do verso." 
 
Em 1994, com o livro Suíte para os Habitantes da Noite, sagrou-se vencedor, dentre 7.038 livros de todo o país, do 6º Prémio Nestlé de Literatura Brasileira - categoria poesia. O livro, lançado sob o selo da editora Paz e Terra, saiu em 1995.
Outros livros: Filhos da Várzea, ed. Madrugada, 1984, abrigando o livro Hora Nua; Marupiara - Antologia de Novos Poetas do Amazonas, (organizador) Ed. Governo do Estado do Amazonas, 1985; Quem foi ao vento, perdeu o assento (Teatro) Ed. SEMEC, 1986; Itinerário poético da Noite Desmedida à Mínima Fratura, Ed. Madrugada, 1987; Banda de Asa - poesia reunida - Ed. Sette Letras, 1998; contendo o livro inédito Ter/na colheita.
Foi Membro da UBE , União Brasileira de Escritores, do Coletivo Gens da Selva (ONG) e do Clube da Madrugada, entidade instauradora dos movimentos renovadores no campo literário e artístico do Amazonas.
Em junho de 99, Representou o Brasil no VIII Festival Internacional de Poesia de Medellín, e em agosto/99 no Encontro Internacional de Escritores da Associação Americana para o desenvolvimento cultural, em Bogotá.
Tem participação em diversas antologias: A Nova Poesia Brasileira de Olga Savary; A Poesia do sec. XX - Amazonas de Assis Brasil; Poesia Sempre da Fund. Biblioteca Nacional.; Antologia FUI EU de Eunice Arruda; Saciedade de Poetas Vivos: erótica e de haicais, de Leila Miccollis e Urhacy Faustino. (Daqui)

 
 
Thalia Flora-Karavia, Repos aux Champs
 

Ao passar a chuva
abre o sol timidamente
um claro sorriso.

(Haicai / Haikai / Haiku)
 
 
Thalia Flora-Karavia, Path in the Forest
 
 
De repente
caminham em fila na trilha —
formigas tucandeiras.
 
(Haicai / Haikai / Haiku)
 

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