quarta-feira, 6 de julho de 2022

"Onde me levas rio que cantei" - Poema de Eugénio de Andrade


Mota Urgeiro, "Rio Tâmega - Chaves", pintura a óleo com 70X90 cm 
 
 
 
Onde me levas rio que cantei

 
Onde me levas, rio que cantei,
esperança destes olhos que molhei
de pura solidão e desencanto?
Onde me levas?, que me custa tanto.

Não quero que me conduzas ao silêncio
duma noite maior e mais completa,
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.

Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos,
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos, com espasmos.

Canção, vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca.
Há outra face na vida transbordante:
que seja nessa face que me perca. 


Eugénio de Andrade
,
em "As mãos e os frutos" , 1948 


Mota Urgeiro, "Outono em Coimbra", pintura a óleo sobre madeira
 


Mota Urgeiro

Mota Urgeiro nasce na aldeia da Barroca, concelho do Fundão, em 1946. Filho de Maria de Lurdes Mota e de José Urgeiro, Mota Urgeiro é um dos quatro filhos, que cedo descobriu o gosto e fascínio pelas Artes.
Frequentou a Escola Primária da aldeia, de onde saiu para o Seminário do Verbo Divino. O contacto com outros conhecimentos e ideias fez florescer o gosto por atividades mais artísticas. O internato no seminário proporcionava, pois, um ambiente propício à descoberta e prática, tendo sido aos 15 anos que a pintura se revelou parte da sua vida. Passou pela aguarela, mas é na pintura a óleo que consegue transmitir os sentimentos e emoções das paisagens que o inspiram.
Foi, mais tarde, para Lisboa onde trabalhou nos correios e depois num banco português, sem nunca esquecer as suas origens e a inspiração que estas traziam à sua obra. Na verdade, as festas e o dia a dia na aldeia em que vivera em tempos tornou-se um dos focos da sua obra, sendo com muita frequência que retrata paisagens singelas e bucólicas de gente a trabalhar a terra ou o sossego e paz que a natureza lhe transmite. Talvez esta lembrança tenha sido fortalecida pelo reboliço da vida na capital, onde, todavia, tudo acontecia e nada parava. Bem ao contrário da vida no campo, agitada apenas pelas festas e tradições tão enraizadas na aldeia. Em Lisboa, porém, o pintor teve a grande vantagem de outros costumes: o contacto e o acesso a eventos diversos como exposições de arte e a facilidade em visitar locais de grande riqueza artística e cultural, que também tanto o inspiram. Foi em 1972, ainda a viver na cidade de Lisboa, que recebe uma menção honrosa atribuída pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo, antigo Secretariado Nacional de Informação.
Inspirado por muitos artistas portugueses como Silva Porto, Carlos Reis e muitos naturalistas daquela época ou por outros de escola internacional como Sorolla, Daubigny e outros impressionistas, é a espátula e o óleo que dão forma à sua inspiração e a tornam tão próxima da realidade.
No final da década de 70, já casado e com um dos três filhos, decide ir viver para o Algarve, terra natal da sua mulher, onde encontra um ponto de equilíbrio entre o bucólico da aldeia e o frenesim da grande capital. É no Algarve, concelho de Lagoa, onde vive até hoje.
Na sua obra, como um reflexo da sua vida, podemos encontrar a tranquilidade das paisagens naturais e da vida no campo, sobretudo das atividades rurais e ainda rudimentares, e o fascínio dos contrastes citadinos, todos pautados por jogos calados de sombra e de luz.
A sua obra tem sido exposta um pouco por todo o país, desde Lisboa a Coimbra e Lagos, passando por Caldas da Rainha, Leiria e Portimão. (Daqui)

Sem comentários: