sexta-feira, 15 de julho de 2022

"Bênçãos" - Poema de Tomás Ribeiro


Mota Urgeiro (Pintor português, n. 1946), "Vindima no Douro"
 


Bênçãos 


Bem hajas, oh luz do sol,
Dos órfãos agasalho e manto,
Imenso, eterno farol
Deste mar largo de pranto!

Bem hajas, água da fonte,
Que não desprezas ninguém!
Bem haja a urze do monte,
Que é lenha de quem não tem!

Bem hajam rios e relvas,
Paraíso dos pastores!
Bem hajam aves das selvas,
Música dos lavradores!

Bem haja o reino dos céus,
Que aos pobres dá graça e luz!
Bem haja o templo de Deus,
Que tem sacramento e cruz!

Bem haja o cheiro da flor,
Que alegra o lidar campestre;
E o regalo do pastor,
A negra amora silvestre!

Bem haja o repouso à sesta
Do lavrador e da enxada;
E a madressilva modesta,
Que espreita à beira da estrada!

Triste de quem der um ai
Sem achar eco em ninguém!
Felizes os que têm pai,
Mimosos os que têm mãe! 
 

Tomás Ribeiro
(No livro de leitura da 4ª classe do ensino primário - anos 40)
 
 
 
Tomás Ribeiro
 
 
Político e literato português, Tomás António Ribeiro Ferreira nasceu a 1 de julho de 1831, em Parada de Gonta, e morreu a 6 de fevereiro de 1901, em Lisboa.
Oriundo de uma família de lavradores abastados, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra, começando a exercer em Tondela, por onde foi eleito deputado em 1862 e onde viria a presidir à Câmara Municipal. Foi o início de uma série de cargos públicos, série essa que viria a incluir o de secretário-geral da Índia (aí fundando, em Goa, o Instituto Vasco da Gama), o de governador-civil do Porto e de Bragança, o de diretor-geral do Ministério da Justiça, o de presidente da Junta de Crédito Público e o de vogal do Tribunal de Contas.
Filiado no Partido Regenerador, foi eleito deputado pela segunda vez em 1875 e passou a integrar a Câmara dos Pares em 1882.
Tomás Ribeiro foi várias vezes ministro: em 1878, foi nomeado ministro da Marinha, num gabinete de Fontes Pereira de Melo, a quem esteve muito ligado; em 1879, assumiu a pasta da Justiça; em 1881, foi ministro do Reino; em 1890, tornou-se responsável pelas Obras Públicas.
Enquanto titular da pasta da Justiça, coube-lhe assinar o importante decreto de 1879 que reconheceu a liberdade de consciência aos cidadãos não-católicos, tanto no casamento como no batismo.
Quando se restabeleceram, em 1895, as relações diplomáticas com o Brasil, Tomás Ribeiro foi nomeado ministro junto do governo brasileiro.

Enquanto estudante em Coimbra, onde conviveu com o grupo de poetas ultrarromânticos ligados à revista O Novo Trovador e se relacionou com António Feliciano de Castilho, Tomás Ribeiro dedicou-se igualmente à criação poética.
Após a sua formatura, publicou um poemeto intitulado Os Meus Trinta Anos. Em 1862 foi admitido na Academia das Ciências de Lisboa. Nesse mesmo ano, publicou o poema D. Jaime ou a Dominação de Castela, com um prefácio de António Feliciano de Castilho, que o tornou célebre e viria a desencadear uma acesa polémica literária.
O êxito de D. Jaime foi secundado pelo do poema A Delfina do Mal (1868) e pelo de coletâneas de poesia como Sons que Passam (1868) e Vésperas (1880). Nos dois volumes das suas crónicas de viagem, Jornadas (1873-1874), resultantes da sua passagem pela Índia, acrescentou às notações de exotismo orientalista uma intenção fortemente patriótica de celebração de "algumas das nossas glórias, tão cobertas por aí da ferrugem dos tempos, das invejas e das ingratidões". Colaborou em periódicos como a Revista Contemporânea de Portugal e Brasil e Artes e Letras e fundou os jornais políticos Repúblicas, O Imparcial e A Opinião, todos de duração efémera.

Apesar da influência de um certo realismo, presente no tom coloquial e no prosaísmo descritivo de alguns dos seus versos, a poética de Tomás Ribeiro, implícita na sua obra e manifesta nos textos de crítica literária que escreveu, a pretexto dos seus livros ou da produção de outros escritores - prefaciou obras de Rodrigues Cordeiro, Maria Amália Vaz de Carvalho e Camilo Castelo Branco, seu amigo e admirador, entre outros -, é ainda romântica: na conceção do poeta como ser solitário e excecional ("Cismar é a minha sina; o êxtase, a minha poesia"); na defesa da inspiração em detrimento das regras ("deixai, deixai que eu ande imune / por todas as paragens do infinito / a sabor dos caprichos do meu estro!"); na apologia da natureza como fonte suprema da intuição artística ("o meu berço alpestre acalentou-me ao som dos cantos livres e augustos da natureza"); na valorização da verdade do sentimento em desfavor da verdade da razão ("virá uma nova escola amparar as conquistas da razão com a elevação do sentimento, porque a natureza sempre triunfa por fim").(Daqui)
 

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