Acácio Lino (Pintor e escultor português, 1878-1956), Chô! Passarada!, 1943,
Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, Águeda
Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, Águeda
Faz escuro mas eu canto
Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.
Thiago de Mello,
in 'Faz escuro mas eu canto', 1966
Bertrand Brasil - 1999, Rio de Janeiro, pág. 60.
Acácio Lino, Amuada, 1947, óleo s/tela, 60 x 90 cm. Museu Amadeo de Souza Cardoso
“Nasci
com o ritmo dentro de mim e é da própria vida que nascem os meus
poemas. A inspiração vem da vida do homem neste lugar chamado Terra. O
que me comove ou me espanta, me dá esperança ou indignação.” - Thiago de Mello (Daqui)
(Barreirinha, 30 de março de 1926 — Manaus, 14 de janeiro de 2022)
O poeta, ainda criança, mudou-se para capital, Manaus, onde iniciou seus primeiros estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e o segundo grau no então Gyminásio Pedro II. Concluído os estudos preliminares mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Faculdade Nacional de Medicina. Por lídima vocação, ou por tara compulsiva, como ele prefere, abraçou o ofício de poeta abandonando o curso de medicina para se entregar, por inteiro, ao difícil e duvidoso (em termos profissionais) caminho da arte poética. Vivia-se o glamour dos anos 50, num Rio de Janeiro capital do país, ditando para todo Brasil não só as questões de cunho político, mas sobretudo, os eventos artísticos e acontecimentos da produção literária. Hegemonia mantida até hoje mas compartilhada com a cidade de São Paulo e seu efervescente ambiente cultural.
Em 1951, com o livro Silêncio e Palavra, irrompe vigorosamente no cenário cultural brasileiro e de pronto recebe a melhor acolhida da crítica. Álvaro Lins, Tristão de Ataíde, Manuel Bandeira, Sérgio Milliet e José Lins do Rego, para citar alguns nomes ilustres, viram nele e em sua obra poética duas presenças que, substanciosas e duradouras, enriqueceram a literatura nacional.
"... Thiago de Mello é um poeta de verdade e, coisa rara no momento, tem o que dizer", escreveu Sérgio Milliet.
O correr dos anos só fez confirmar suas qualidades e justificar os elogios com que fora recebido pela intelligentsia brasileira. O amadurecimento permitiu ao poeta mergulhar profundamente as raízes da sensibilidade e da consciência crítica na rica seiva humana de um povo ao mesmo tempo tão explorado, tão sofrido e tão generoso, e sua poesia, sem perder o sóbrio lirismo que a inflamava, ganhou densidade e concentração, pondo-se por inteiro a serviço de relevantes causas sociais.
Faz Escuro, mas eu Canto; A Canção do Amor Armado; Horóscopo para os que estão vivos, Poesia Comprometida com a minha e a tua Vida; Mormaço na Floresta; Num Campo de Margaridas realizam, por isso, a bela síntese do poeta e do homem que jamais se deixou ficar indeciso em cima do muro de confortável neutralidade. O poeta e o partisan eram uma só pessoa, dedicada sem medir esforços ou riscos à luta pela emancipação do homem, tanto dos grilhões que injustas estruturas do poder económico-político lhe impõem quanto das limitações com que individualismo, ignorância ou timidez lhe tolhem os passos.
A biografia de um poeta assim concebido e a tanto cometido não poderia jamais desenvolver-se num plano de tranquila rotina. A de Thiago de Mello teve, por isso mesmo, suas fases sombrias e borrascosas, realçada por arbitrária prisão e longo e doloroso exílio da pátria a que tanto ama e serve.
Essas provações, que enfrentou com a serena firmeza de quem as sabe inevitáveis e delas não foge, enriqueceram-no ainda mais como poeta e ser humano. Alargando sua weltanschauung, permitiram-lhe comprovar o acerto de sua intuição de que o geral passa pelo particular e de que, como dizia seu grande colega Fernando Pessoa, tudo vale a pena/ se a alma não é pequena.
No livro De Uma Vez Por Todas, todas as linhas marcantes de sua poesia, o lirismo, a sensibilidade humana, a alegria de viver, a luta contra a opressão, o amor constante à Amazónia natal se reúnem harmonicamente, num tecido de rara força e beleza. O poeta não escreve seus poemas apenas em busca de elegância formal: neles se joga por inteiro, coração, cabeça e sentimento, e isso lhes dá autenticidade e força interior.
Poesia:
- Silêncio e Palavra, Edições Hipocampo, Rio de Janeiro, 1951. Narciso Cego, Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1952.
- A Lenda da Rosa, Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1956.
- Vento Geral (reunião dos livros anteriores e mais dois inéditos: Tenebrosa Acqua e Ponderações que faz o defunto aos que lhe fazem o velório), Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1960.
- Faz Escuro mas eu Canto, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965. 14ª edição, 1993.
- A Canção do Amor Armado, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1966. 7ª edição, 1993.
- Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1975. 7ª edição, 1991.
- Os Estatutos do Homem (com desenhos de Aldemir Martins), Editora Martins Fontes, São Paulo, 1977. 6ª edição, 1991.
- Horóscopo para os que estão Vivos, Edição de luxo, ilustrada e editada por Ciro Fernandes, Rio de Janeiro, 1982.
- Mormaço na Floresta, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1984. 3ª edição, 1993.
- Vento Geral, Poesia 1951-1981, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 1981. 3ª edição, 1990.
- Num Campo de Margaridas, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1986.
- De uma vez por todas, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1996.
- Cantídio, André Provérbios, 1999
Prosa:
- Notícia da Visitação que fiz no Verão de 1953 ao Rio Amazonas e seus barrancos, Ministério da Educação, 1957. 2ª edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1989.
- A Estrela da Manhã, Estudo de um poema de Manuel Bandeira, Ministério da Educação, Rio de Janeiro, 1968.
- Arte e Ciência de Empinar Papagaio, BEA, Manaus, 1984, edição de luxo. 2ª edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1985.
- Manaus, Amor e Memória, Suframa, Manaus, 1984, edição de luxo. 2ª edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 4a edição, 1989.
- Amazonas, Pátria das Águas, Edição de luxo, bilingue (português e inglês), com fotografias de Luiz Cláudio Marigo. Sverner-Bocatto, São Paulo, 1991.
- Amazônia, a Menina dos Olhos do Mundo, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1992.
- O Povo Sabe o Que Diz, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2ª edição, 1993.
- Borges na Luz de Borges, Pontes Editores, São Paulo, 1993.
- Vamos Festejar de Novo, 2000 (Daqui)
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