Louis Janmot (French painter and poet, 1814–1892), Flower of the Fields, 1845,
Oil on wood, Musée des Beaux-Arts de Lyon, Lyon
Dói-me esse rio de já me não amares
E dói-me esse rio de já me não amares
de já me não quereres assim como eu te quero
de não sobressaltares porque sou eu que te espero
em esquinas de lágrima ou sorriso
foi-se o amor chegou o siso
e eu
que não nasci para ter juízo
de já me não quereres assim como eu te quero
de não sobressaltares porque sou eu que te espero
em esquinas de lágrima ou sorriso
foi-se o amor chegou o siso
e eu
que não nasci para ter juízo
E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas está, dê para o que der
e doa a quem doer
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas está, dê para o que der
e doa a quem doer
Passam sanguessugas pelos trilhos da memória
umas são mortas, outras são vivas,
outras são glória
de já não existir e teimar em persistir
e eu vou ao vento, sou palmeira seca,
sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim
sou uns dias teu, outros assim assim
E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas sente, e já pouco quer
para além de seres mulher
umas são mortas, outras são vivas,
outras são glória
de já não existir e teimar em persistir
e eu vou ao vento, sou palmeira seca,
sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim
sou uns dias teu, outros assim assim
E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas sente, e já pouco quer
para além de seres mulher
E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou
mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música
perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa
é coça umbigo, vai ter que parar
Mas dói-me o teu ventre que não afago
como quem não sabe nadar
e hoje é de festa, amanhã é de mar
é de mar
mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música
perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa
é coça umbigo, vai ter que parar
Mas dói-me o teu ventre que não afago
como quem não sabe nadar
e hoje é de festa, amanhã é de mar
é de mar
in Não sei nunca por onde,
Quasi Edições
V.N. de Famalicão, Edições Quasi, 2004.
Capa: Mimesis, sobre pintura de Luísa Correia Pereira. (Daqui)
[Sinopse: Cada nome da tua alma habita tenro cada nome da minha. A meio da noite fico cego, acho-te sol. E dobrado sobre ti pergunto: porquê tanto anil? Porquê sem retrocesso? E como resposta sinto uma pestana tua virar-me o olho do avesso. (daqui)]
Manuel Cintra (1956-2020), autor de mais de vinte livros de poemas, foi também tradutor, jornalista, ator e encenador, sendo, no entanto, a poesia "a sua incontornável e apaixonada estrada", sublinhou a poeta e dramaturga Maria Quintans. "Ele era um grande poeta, mas foi muito marginalizado porque não alinhava com o sistema", disse ainda a escritora.
Manuel Cintra começou a publicar poesia em 1981, com o livro "Do Lado de Dentro", na Editorial Presença, a que se seguiram mais de duas dezenas de obras. "Tangerina" (1990), "Borboleta" (2006), "Alçapão" (2009), "Marie" (2009), "Receber a Poeira" (2014), "Parto" (2014), "Peixa" (2016) são algumas das que publicou.
A editora Guilhotina publicou "Manobra Incompleta" em 2017, reunindo toda a poesia de Manuel Cintra.
"Geralmente escrevo o poema já pronto, quase sem correções. Faço os possíveis por não enlouquecer. Como sabemos, a poesia é uma arma, neste caso visceral. Sempre no limite. Sempre numa nova manobra. A evitar o acidente. Ou a vivê-lo a fundo", costumava dizer o escritor, citado por Maria Quintans.
Além de poeta e tradutor, foi também encenador e ator, tendo participado em várias produções do Teatro da Cornucópia.
Manuel Cintra era filho do linguista Luís Filipe Lindley Cintra e irmão do ator e encenador Luís Miguel Cintra. (Daqui)
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