sábado, 9 de julho de 2022

"Solemnia Verba" - Poema de Antero de Quental

 
Elin Danielson-Gambogi (Finnish painter, 1861-1919), Engaged, 1906
Fondazione Cassa di Risparmio, Livorno, Italia


Solemnia Verba 


Disse ao meu coração: «Olha por quantos
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, desta altura fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos...

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E noite, onde foi luz de Primavera!
Olha a teus pés o Mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!»

Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do penar tornado crente,

Respondeu: «Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.»
 
 
 in "Sonetos Completos" 
publicados por J. P. Oliveira Martins, Lopes & C.ª 
 Editores, Porto, 1890.
 
 

 
Figura tutelar da chamada "Geração de 70", Antero Tarquíneo de Quental (1842-1891) é um dos maiores poetas portugueses. Açoreano de nascimento foi recordado pelos intelectuais do seu tempo como um homem de grande estatura moral e espiritual. É com duas obras, uma poética, Odes Modernas, e o ensaio Bom Senso e Bom Gosto, ambos de 1865, que Antero liderou a rutura cultural com os valores passadistas, no caso representados por António Feliciano de Castilho e pela poesia ultra-romântica. É, com Jaime Batalha Reis, um dos organizadores das Conferências do Casino (1871), entrando a seguir numa agitada atividade política relacionada com o iberismo e ao socialismo. A doença que surge em 1875 e que quase o torna inválido, refreia-lhe a atividade e as aspirações. É de 1886 a publicação dos Sonetos Completos, e do último ensaio filosófico, que veio a lume na Revista de Portugal de Eça de Queirós, A Filosofia da Natureza dos Naturalistas. Suicida-se, inesperadamente, em 1891, em Ponta Delgada, sua cidade natal. (Daqui)
 

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