sábado, 15 de abril de 2023

"Uma chama não chama a mesma chama" - Poema de E. M. de Melo e Castro


Jimmy Ernst (American painter born in Germany, 1920-1984), 
The Elements, 1942

 

Uma chama não chama a mesma chama

uma chama não chama a mesma chama
há uma outra chama que se chama
em cada chama que chama pela chama
que a chama no chamar se incendeia

um nome não nome o mesmo nome
um outro nome nome que nomeia
em cada nome o meio pelo nome
que o nome no nome se incendeia

uma chama um nome a mesma chama
há um outro nome que se chama
em cada nome o chama pelo nome
que a chama no nome se incendeia

um nome uma chama o mesmo nome
há uma outra chama que nomeia
em cada chama o nome que se chama
o nome que na chama se incendeia


E. M. de Melo e Castro
, in 'Versus-in-Versus', 1968

 


E. M. de Melo e Castro (daqui)
 
 
Ernesto Manuel de Melo e Castro (Covilhã, 1932 - São Paulo, 29 de agosto de 2020) foi um engenheiro, poeta, ensaísta, escritor e artista plástico português.  
Formou-se em Engenharia Têxtil pelo Instituto Tecnológico de Bradford, em Inglaterra, tendo, também aí, desempenhado a profissão de técnico têxtil. Doutorou-se em Letras pela Universidade de São Paulo e, para além da colaboração regular em periódicos como, no início da sua carreira poética, Cadernos do Meio-Dia, animou também, com sessões de intervenção teórica, o Grupo de Poesia Experimental e organizou, em colaboração com Maria Alberta Menéres, uma Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa. Em 1966, organizou o segundo caderno antológico de Poesia Experimental, que acolheu textos teóricos e criação literária que visavam a valoração das potencialidades visuais e fónicas do significante linguístico. Autor de um "manifesto" da poesia experimental, a Proposição 2.01 - Poesia Experimental, a sua criação literária desenvolve-se na linha das poéticas de vanguarda. É também autor de várias obras no domínio do Design e da Engenharia Têxtil. (Daqui)
 
 
E. M. de Melo e Castro, Tontura, 1962
Publicado em Ideogramas, Lisboa: Guimarães Editores


Poesia Experimental

Designação de dois cadernos antológicos, o primeiro organizado em 1964, por António Aragão e Herberto Helder, e o segundo saído em 1966, sob a direção dos mesmos e de E. M. de Melo e Castro.
Representativos do experimentalismo na moderna poesia portuguesa, compostos de fascículos soltos, acolhem textos teóricos e criação literária de António Aragão, António Barahona da Fonseca, Salette Tavares, E. M. de Melo e Castro , Alexandre O'Neill e Ângelo de Lima.
A designação da antologia aponta para a valoração das potencialidades do significante linguístico, resultando os textos aí reunidos de experiências operadas sobre o material verbal, sob a forma, por exemplo, de poesia visual ou de poesia fonética.
Na esteira da poesia concreta e apelando para um tipo de leitura relacional, Poesia Experimental declara a "morte do leitor passivo" (Marques, Alberto, Ex. n.° 1, p. 80), e define-se como "Forma específica da atividade criadora do Homem com o objetivo de fazer experiências sobre esse fenómeno ou ato estudando o resultado dessas experiências (MELO E CASTRO, E. M. - A proposição 2.01 - Poesia Experimental, pp. 43-4)." (Daqui)
 
 
 
 E. M. de Melo e Castro, Pêndulo, 1962
Publicado em Ideogramas, Lisboa: Guimarães Editores
 
A definição de poesia experimental remete-nos para a A Proposição 2.01. Poesia Experimental de E. M. de Melo e Castro, publicada em Lisboa, em 1965, enquanto verdadeiro manifesto da poesia experimental enunciando as proposições básicas da poesia experimental, além de textos teóricos complementares e de uma pequena compilação de poemas experimentais. Entre essas proposições, saliente-se algumas especificamente definidoras da poética experimental: a Proposição 2.01, que define a poesia experimental como uma "forma específica da atividade do Homem com o objetivo de fazer experiências sobre esse fenómeno ou ato estudando o resultado dessas experiências." (id. ibi., p. 44); ou a Proposição 13, que explica o "Poema Experimental" como um "Objeto criado para através dele se estudarem e se surpreenderem as fases do processo criador e a sua evolução e projeção no futuro tanto da poesia como do Homem" (id. ibi., p. 51); ou ainda a Proposição 14, que especifica o estatuto do poeta relativamente à criação: "Um poema-experiência é um ato criador porque com ele não se pretende reproduzir nem exemplificar nada. O criador tem apenas como premunição uma atitude de investigação e pesquisa do seu próprio ato livre de criar. A criação é feita livremente estando o seu processo desde o início sob a autovigilância do poeta que assim tem de proceder a um desdobramento criador crítico." (id. ibi., p. 50). A atitude experimental em poesia consiste num "aprofundamento do estudo da possibilidade ou impossibilidade de comunicação entre os homens através dos vários sistemas de sinalização dirigidos especificamente às portas da perceção. A obra de arte necessita de ter existência estruturada nesses sistemas de sinalização. A relação dá-se, portanto, entre quem dela se apercebe e a obra como objeto. O autor, entidade psicológica, fica necessariamente fora do circuito. A obra de arte experimental requer, pois, uma mudança de atitude do seu fruidor, de passiva para ativa. Assim, estabelece-se uma troca de energia entre obra e fruidor, sendo o tipo dessa energia dependente do princípio estrutural em que a obra assenta e da porta da perceção que ela é capaz de impressionar" (id. ibi., p. 51). 
De acordo com o sentido ou sentidos que a poesia quer excitar, distingue vários tipos de poesia: a poesia visual, que tem como antecedentes os caligramas de Appolinaire ou as experiências gráficas do Futurismo e do Concretismo; a poesia auditiva, baseada em experiências com a voz humana e entroncando na tradição de uma poesia rítmica ou melódica, com palavras, sílabas ou sons puros; a poesia táctil, que parte, evidentemente, da colaboração com as artes plásticas e materialidade do poema-objeto; a poesia respiratória, esboçada sobre experiências com o sopro humano; a poesia linguística, cujos pioneiros foram E. E. Cummings, James Joyce ou Ezra Pound, e que inclui não só o poliglotismo como a criação de palavras e línguas novas; a poesia conceptual e matemática, que introduz na obra de arte estruturas numéricas ou métodos permutacionais e combinatórios; a poesia sinestésica, que resulta da fusão de vários tipos de poesia; e a poesia espacial comum a todas as formas de experimentalismo. 
Para E. M. de Melo e Castro, todas as tendências que se vinham verificando na poesia moderna, tal como a procura do rigor na linguagem, o ideal de retorno às origens, as técnicas de despojamento sintático e linguístico, de sobrecarregamento potencial das imagens, entre outras, constituíam fases do estudo sobre o material verbal, integrando uma evolução global do processo poético a caminho dos métodos experimentais. A poesia atual encontraria um denominador comum na "dissociação entre os significados e significação" (id. ibi., p. 87) e na valoração, quase lúdica, do significante: "A rarefação e depuração dos vocábulos, a valorização da página, dos espaços, as dimensões visuais e tácteis, a problemática fonética, as sílabas, as letras, as imagens, as metáforas, as novas equações sintáticas, as construções ambíguas, o encadeamento rítmico dissociado da métrica convencional, etc., tudo fatores da técnica poética que, embora não sejam novos e façam parte do processo poético de todos os tempos, são agora usados sinergicamente criando um campo de ação expansivo e aberto em que os signos funcionam como significantes em si próprios e não como significados" (id. ibi., p. 88).
Entre os nomes mais representativos ou influenciados pela poesia experimental contam-se os de E. M. de Melo e Castro, Ana Hatherly, António Aragão, António Barahona da Fonseca ou Salette Tavares. (Daqui)
 
 
 
E. M. de Melo e Castro, Geografia humana, 1962.
Publicado em Ideogramas, Lisboa: Guimarães Editores
 
 
E. M. de Melo e Castro, Casa sem sol é triste, 1962
 
Publicado em Ideogramas, Lisboa: Guimarães Editores
 
 
E. M. de Melo e Castro, Espinha dorsal, 1962
Publicado em Ideogramas, Lisboa: Guimarães Editores
 
 
  
 E. M. de Melo e Castro, Hipnotismo, 1962
 Publicado em Ideogramas, Lisboa: Guimarães Editores
 
 
E. M. de Melo e Castro, Soneto soma 14x,
do livro Poligonia do Soneto, 1963
 

O soneto "Soma 14X" é composto de números e, nesse sentido, conhecendo algumas da regras compositivas do soneto, e observando, que no caso deste poema, a soma dos números de um verso devam totalizar 14, é possível subtrair-se alguns versos e pedir a alguém que complete os versos faltantes, num raro exercício de análise matemática da forma.
O soneto em questão, apresenta rimas numéricas, assim, no caso da reconstituição é possível, sabendo-se com qual determinado verso rima, já saber de antemão qual o último dos cinco números que compõem o verso. Os outros quatro números do verso, resultaram de uma soma baseada no facto do total do verso dar 14, e de que não há um só verso repetido neste soneto. Observe-se ainda, que o último verso deste soneto, o verso "chave de ouro" dá soma 28 (duas vezes 14), como que a querer dizer que é um verso que vale mais do que os outros.
Numericamente, portanto, é possível neste nosso exercício de reconstrução produzir variantes do soneto, mas que funcionalmente, exerceram o mesmo papel desempenhado pelo original de Meio e Castro, que crítica justamente a forma padrão para o fazer poético.
Cabe observar ainda, que se retirássemos não um verso, mas somente um número de cada verso, a possibilidade de reconstrução integral do soneto em relação ao original, seria de 100% .

Extraído de LUNA, Jayro. Caderno de Anotações. Belo Horizonte/São Paulo: Signos/Editora Oportuno, 2005. p. 74-75
 

 E. M. de Melo e Castro


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