quinta-feira, 13 de abril de 2023

"2° Passeio nos Jardins de Adónis" - Poema de Natália Correia

 


Eva Gonzalès (French Impressionist painter, 1849 –1883), The Donkey Ride, 1880


 2° Passeio nos Jardins de Adónis 

 

Recusa, amigo, da lide o ardil que, fátuo,
Nenhum deus quer ou lembra;
E entremos no jardim como quem no sagrado
De que se ignora entra.

Na fonte, ao tempo alheio, voz de água estremecida,
Gorgoleja o delfim
A ária que reúne o pouco da vida
No esplendor do jardim.

Aos fados que nos fiam o estreito acontecer,
Só na ilusão ilesos,
Sob as tílias amemos: é o estreito dever
De agradarmos aos deuses.

Flores não colhas, porém: sem nexo, se colhidas,
Vão morrer-te nos braços.
Deixa-as serem na haste o hálito da vida
Que te perfuma os passos.

Leves, instantâneas rosas indiferentes às máscaras
Que apodrecem leprosas,
Concedem-nos os deuses para que as nossas almas
Não pesem mais que as rosas.

Num lapso da verdade de que és pálido súbdito
Por decretos ignotos,
O jardim é o instante em que olhamos o mundo
Com magnólias nos olhos.
 

Natália Correia,
in Jornal de Letras, junho/84, Lisboa 
 

Sem comentários: