Eva Gonzalès (French Impressionist painter, 1849 –1883), The Donkey Ride, 1880
2° Passeio nos Jardins de Adónis
Recusa, amigo, da lide o ardil que, fátuo,
Nenhum deus quer ou lembra;
E entremos no jardim como quem no sagrado
De que se ignora entra.
Na fonte, ao tempo alheio, voz de água estremecida,
Gorgoleja o delfim
A ária que reúne o pouco da vida
No esplendor do jardim.
Aos fados que nos fiam o estreito acontecer,
Só na ilusão ilesos,
Sob as tílias amemos: é o estreito dever
De agradarmos aos deuses.
Flores não colhas, porém: sem nexo, se colhidas,
Vão morrer-te nos braços.
Deixa-as serem na haste o hálito da vida
Que te perfuma os passos.
Leves, instantâneas rosas indiferentes às máscaras
Que apodrecem leprosas,
Concedem-nos os deuses para que as nossas almas
Não pesem mais que as rosas.
Num lapso da verdade de que és pálido súbdito
Por decretos ignotos,
O jardim é o instante em que olhamos o mundo
Com magnólias nos olhos.
Natália Correia,
in Jornal de Letras, junho/84, Lisboa
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