sábado, 28 de março de 2015

A Arte inspirada nas Histórias da Bíblia - "A Última Ceia"


Última Ceia


 A Última Ceia é o nome dado à última refeição que, de acordo com os cristãos, Jesus dividiu com seus apóstolos em Jerusalém antes de sua crucificação. Ela é a base escritural para a instituição da Eucaristia, também conhecida como "Comunhão". A Última Ceia foi relatada pelos quatro evangelhos canônicos em Mateus 26:17-30, Marcos 14:12-26, Lucas 22:7-39 e João 13:1 até João 17:26. Além disso, ela aparece também em I Coríntios 11:23-26.3. O evento é comemorado na chamada Quinta-feira Santa.
Na Primeira Epístola aos Coríntios está a primeira menção conhecida à Última Ceia. Os quatro evangelhos canônicos afirmam que a Última Ceia ocorreu perto do final da Semana Santa, após a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e que Jesus e seus discípulos dividiram uma refeição antes que ele fosse crucificado no final da semana. Durante a ceia, Jesus previu sua traição por um dos discípulos ali presente e antecipa que, antes do amanhecer do dia seguinte, o apóstolo Pedro iria negar conhecer Jesus.
Os três evangelhos sinóticos e a Primeira Epístola aos Coríntios incluem um relato da instituição da Eucaristia, na qual Jesus reparte o pão entre os discípulos dizendo: "Este é o meu corpo". O Evangelho de João não inclui esta parte, mas afirma que Jesus lavou os pés dos discípulos, dando-lhes um novo mandamento: "Ame os outros como eu vos amei" e reproduz um detalhado discurso de adeus feito por Jesus, chamando os apóstolos que seguiam seus ensinamentos de "amigos e não servos".
Alguns académicos veem na Última Ceia a fonte das primeiras tradições cristãs sobre a Eucaristia. Outros entendem que o relato é que deriva de uma prática eucarística já existente no século I e descrito por Paulo.
O termo "Última Ceia" não parece no Novo Testamento. Porém, tradicionalmente, muitos cristãos se referem ao episódio da última refeição de Jesus desta forma. É provável que o evento seja o relato de uma última refeição de Jesus junto aos seus primeiros seguidores e tornou-se um ritual de lembrança. Os anglicanos e os presbiterianos utilizam o termo "Ceia do Senhor", defendendo que o termo "última" sugere que esta foi uma entre muitas ceias e não "a" ceia. A Igreja Ortodoxa utiliza ainda o termo "Ceia Mística", que se refere tanto ao episódio quanto à celebração eucarística dentro da liturgia. (Daqui)


Last Supper (Última Ceia), 1562, numa pintura de Juan de Juanes, Prado Museum

  

Arte Cristã


A Última Ceia  é um dos temas mais populares da arte cristã. Representações dela remontam ao cristianismo primitivo e podem ser vistas nas catacumbas de Roma. Artistas bizantinos frequentemente focavam nos apóstolos recebendo a comunhão ao invés de figuras reclinadas ceando. Na época do Renascimento, a Última Ceia era um tópico favorito da arte italiana.
Há três grandes temas nas representações artísticas da Última Ceia. O primeiro é a dramática e dinâmica cena de Jesus anunciando sua traição. O segundo é o momento da instituição da Eucaristia, geralmente solene e mística. O terceiro grande tema é o Discurso de Adeus, no qual Judas Iscariotes já não está mais presente, com obras geralmente melancólicas por conta da iminente despedida de Jesus. Existem outros temas menores, como o lava-pés.
Exemplos bem conhecidos incluem a obra de Leonardo da Vinci, que é considerada a primeira do Alto Renascimento por conta de seu alto nível de harmonia, a obra de Tintoretto, que é diferente por incluir personagens secundários carregando ou levando embora os pratos da mesa e a obra de Salvadore Dali, que combina os típicos temas cristãos com abordagens modernas do surrealismo(Daqui)


Afresco de A Última Ceia, provavelmente a representação mais conhecida da Última Ceia (1495-1498), por Leonardo da Vinci, no Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão


Leonardo da Vinci pintou A Última Ceia, um incrível trabalho, o mais sereno e distante do mundo temporal, durante anos caracterizado por conflitos armados, intrigas, preocupações e emergências. Ele a declarou como concluída, mas eternamente insatisfeito, continuou a trabalhar nela. Foi exposta à vista de todos e contemplada por muitos. Desde então, ele foi considerado, sem discussão, como um dos primeiros mestres da Itália, senão o primeiro. Os artistas vinham de muito longe, para, no refeitório do Convento de Santa Maria delle Grazie, analisar cuidadosamente a pintura, copiando-a e discutindo-a. (Daqui)



(Esta obra é uma representação moderna da famosa A Última Ceia de Leonardo da Vinci).


A Última Ceia, realizada por Salvador Dalí em 1955, é uma famosa pintura a óleo sobre tela que mede 167 cm de altura e 268 de largura. O quadro está na Galeria Nacional de Arte de Washington DC. Essa obra causou polémica quando apresentada ao público, pois a imagem de Dali como artista irreverente e provocador não combinada com o tema religioso.
Alguns críticos a denunciaram como banal, enquanto outros acreditam que Dali conseguiu dar mais vida à imagem tradicional da devoção. Jesus e seus 12 apóstolos estão reunidos numa sala modernista envidraçada. Os apóstolos, com as cabeças baixas, ajoelham em torno de uma grande mesa de pedra, suas formas sólidas contrastam com a transparência de Cristo. Sobre a cena, paira misteriosamente a imagem de um homem com os braços abertos, como se abençoasse o grupo ali reunido, talvez tendo alguma relção ao espírito santo. Dali construiu este quadro surrealista baseando-se nos estudos de Leonardo da Vinci, que pintou a mais famosa das Santas Ceias. (Daqui)

quarta-feira, 25 de março de 2015

"Sobre um Poema" - Poema de Herberto Helder


Wassily Kandinsky, Points, 1920, 110.3 × 91.8 cm, Ohara Museum of Art



Sobre um Poema 


Um poema cresce inseguramente 
na confusão da carne, 
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, 
talvez como sangue 
ou sombra de sangue pelos canais do ser. 

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência 
ou os bagos de uva de onde nascem 
as raízes minúsculas do sol. 
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis 
do nosso amor, 
os rios, a grande paz exterior das coisas, 
as folhas dormindo o silêncio, 
as sementes à beira do vento, 
- a hora teatral da posse. 
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. 

E já nenhum poder destrói o poema. 
Insustentável, único, 
invade as órbitas, a face amorfa das paredes, 
a miséria dos minutos, 
a força sustida das coisas, 
a redonda e livre harmonia do mundo. 

- Em baixo o instrumento perplexo ignora 
a espinha do mistério. 
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Helder 


Herberto Helder de Oliveira (Funchal, São Pedro, 23 de Novembro de 1930 - Cascais, 23 de Março de 2015) foi um poeta português, considerado o "maior poeta português da segunda metade do século XX."

segunda-feira, 23 de março de 2015

"A melhor maneira de viajar é sentir" - Poema de Álvaro de Campos



Sculpture by French sculptor Bruno Catalano at the waterfront in Marseille, France.



A melhor maneira de viajar é sentir


Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. 
Sentir tudo de todas as maneiras. 
Sentir tudo excessivamente, 
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas 
E toda a realidade é um excesso, uma violência, 
Uma alucinação extraordinariamente nítida 
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas, 
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas 
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos. 

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, 
Quanto mais personalidade eu tiver, 
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver, 
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas, 
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento, 
Estiver, sentir, viver, for, 
Mais possuirei a existência total do universo, 
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora. 
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for, 
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo, 
E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco. 

Cada alma é uma escada para Deus, 
Cada alma é um corredor-Universo para Deus, 
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo 
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno. 

Sursum corda! Erguei as almas! Toda a Matéria é Espírito, 
Porque Matéria e Espírito são apenas nomes confusos 
Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho 
E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo! 

Sursum corda! Na noite acordo, o silêncio é grande, 
As coisas, de braços cruzados sobre o peito, reparam 
Com uma tristeza nobre para os meus olhos abertos 
Que as vê como vagos vultos noturnos na noite negra. 
Sursum corda! Acordo na noite e sinto-me diverso. 
Todo o Mundo com a sua forma visível do costume 
Jaz no fundo dum poço e faz um ruído confuso, 
Escuto-o, e no meu coração um grande pasmo soluça. 

Sursum corda! Ó Terra, jardim suspenso, berço 
Que embala a Alma dispersa da humanidade sucessiva! 
Mãe verde e florida todos os anos recente, 
Todos os anos vernal, estival, outonal, hiemal, 
Todos os anos celebrando às mancheias as festas de Adónis 
Num rito anterior a todas as significações, 
Num grande culto em tumulto pelas montanhas e os vales! 
Grande coração pulsando no peito nu dos vulcões, 
Grande voz acordando em cataratas e mares, 
Grande bacante ébria do Movimento e da Mudança, 
Em cio de vegetação e florescência rompendo 
Teu próprio corpo de terra e rochas, teu corpo submisso 
A tua própria vontade transtornadora e eterna! 
Mãe carinhosa e unânime dos ventos, dos mares, dos prados, 
Vertiginosa mãe dos vendavais e ciclones, 
Mãe caprichosa que faz vegetar e secar, 
Que perturba as próprias estações e confunde 
Num beijo imaterial os sóis e as chuvas e os ventos! 

Sursum corda! Reparo para ti e todo eu sou um hino! 
Tudo em mim como um satélite da tua dinâmica íntima 
Volteia serpenteando, ficando como um anel 
Nevoento, de sensações reminiscidas e vagas, 
Em torno ao teu vulto interno, túrgido e fervoroso. 

Ocupa de toda a tua força e de todo o teu poder quente 
Meu coração a ti aberto! 
Como uma espada trespassando meu ser erguido e extático, 
Interseciona com meu sangue, com a minha pele e os meus nervos, 
Teu movimento contínuo, contíguo a ti própria sempre.

Sou um monte confuso de forças cheias de infinito 
Tendendo em todas as direcções para todos os lados do espaço, 
A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une 
E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim 
Não passem de mim, nem quebrem meu ser, não partam meu corpo, 
Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoira 
Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas, 
Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos. 

Tudo o que há dentro de mim tende a voltar a ser tudo. 
Tudo o que há dentro de mim tende a despejar-me no chão, 
No vasto chão supremo que não está em cima nem em baixo 
Mas sob as estrelas e os sóis, sob as almas e os corpos 
Por uma oblíqua posse dos nossos sentidos intelectuais. 

Sou uma chama ascendendo, mas ascendo para baixo e para cima, 
Ascendo para todos os lados ao mesmo tempo, sou um globo 
De chamas explosivas buscando Deus e queimando 
A crosta dos meus sentidos, o muro da minha lógica, 
A minha inteligência limitadora e gelada. 

Sou uma grande máquina movida por grandes correias 
De que só vejo a parte que pega nos meus tambores, 
O resto vai para além dos astros, passa para além dos sóis, 
E nunca parece chegar ao tambor donde parte ... 

Meu corpo é um centro dum volante estupendo e infinito 
Em marcha sempre vertiginosamente em torno de si, 
Cruzando-se em todas as direções com outros volantes, 
Que se entrepenetram e misturam, porque isto não é no espaço 
Mas não sei onde espacial de uma outra maneira-Deus. 

Dentro de mim estão presos e atados ao chão 
Todos os movimentos que compõem o universo, 
A fúria minuciosa e dos átomos, 
A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos, 
A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam, 
E a chuva com pedras atiradas de catapultas 
De enormes exércitos de anões escondidos no céu. 

Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio 
De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh'alma. 
Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia, sacode, 
Freme, treme, espuma, venta, viola, explode, 
Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge, 
Sê com todo o meu corpo todo o universo e a vida, 
Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes, 
Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos, 
Sobrevive-me em minha vida em todas as direções!


Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

domingo, 22 de março de 2015

"Pirata" - Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen




Pirata


Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

In Coral, 1950 


quinta-feira, 12 de março de 2015

"Os livros são janelas" - Texto de Vasco Pinto de Magalhães


Wassily Kandinsky, On White II, 1923
 


Os livros são janelas 


Vi um livro no lixo e arrepiei-me pensando que há livros que nascem mortos. Pode-se viver sem ler? Quem não lê não entra no rio da história e quem lê é como o mar onde desaguam muitos rios. Comprar um livro é sempre como a primeira vez, como quem marca um encontro para receber uma confidência. Uma casa sem livros está desabitada, é uma pensão... Os livros são janelas. Hoje vou abrir uma delas.


(Padre) Vasco Pinto de Magalhães, in "Não Há Soluções, Há Caminhos" 
 

domingo, 8 de março de 2015

"O Homem e a Mulher" - Poema de Victor Hugo


Alfred Stevens (1823-1906), Parisian Lady, 1867
 


O Homem e a Mulher


O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono;
Para a mulher um altar.

O trono exalta; o altar santifica.
O homem é o cérebro; a mulher o coração, o amor.
A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o génio; a mulher o anjo.

O génio é imensurável; o anjo indefinível.
A aspiração do homem é a suprema glória;
A aspiração da mulher, a virtude extrema.
A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.

O homem tem a supremacia; a mulher a preferência.
A supremacia representa força.
A preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher invencível pelas lágrimas.

A razão convence; a lágrima comove.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher de todos os martírios.
O heroísmo enobrece; os martírios sublima.

O homem é o código; a mulher o evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é o templo; a mulher, um sacrário.
Ante o templo, nos descobrimos;

Ante o sacrário ajoelhamo-nos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter cérebro;
Sonhar é ter na fronte uma auréola.

O homem é um oceano; a mulher um lago.
O oceano tem a pérola que embeleza;
O lago tem a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa; a mulher o rouxinol que canta.

Voar é dominar o espaço; cantar é conquistar a alma.
O homem tem um fanal; a consciência;
A mulher tem uma estrela: a esperança.
O fanal guia, a esperança salva.

Enfim...
O homem está colocado onde termina a terra;
A mulher onde começa o céu...


Victor Hugo


Alfred Stevens, The Painter and His Model, 1855


"Não pode haver ligação de almas onde não exista identidade de ideias, de crenças e de costumes."

Eça de Queirós, Cartas Familiares de Paris 


"A mulher mais bonita do mundo" - Poema de José Luís Peixoto


Alfred Stevens (1823-1906), The Bath, 1867



A mulher mais bonita do mundo


 estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.


José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"


Alfred Stevens, In the Studio, 1888 



As mulheres são mais fortes


 Para começar, gosto das mulheres. Acho que elas são mais fortes, mais sensíveis e que têm mais bom senso que os homens. Nem todas as mulheres do mundo são assim, mas digamos que é mais fácil encontrar qualidades humanas nelas do que no género masculino. Todos os poderes políticos, económicos, militares são assunto de homens. Durante séculos, a mulher teve de pedir autorização ao seu marido ou ao seu pai para fazer fosse o que fosse. Como é que pudemos viver assim tanto tempo condenando metade da humanidade à subordinação e à humilhação?

José Saramago, in 'L'Orient le Jour (2007)' 


Alfred Stevens, Elegant Figures in a Salon


O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, tem como origem as manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada da Rússia czarista na Primeira Guerra Mundial. Essas manifestações marcaram o início da Revolução de 1917
Entretanto a ideia de celebrar um dia da mulher já havia surgido desde os primeiros anos do século XX, nos Estados Unidos e na Europa, no contexto das lutas de mulheres por melhores condições de vida e trabalho, bem como pelo direito de voto. 
Nos países ocidentais, a data foi esquecida por longo tempo e somente recuperada pelo movimento feminista, já na década de 1960
Na atualidade, a celebração do Dia Internacional da Mulher perdeu parcialmente o seu sentido original, adquirindo um caráter festivo e comercial. (Daqui)

quinta-feira, 5 de março de 2015

"Loira" - Poema de Cesário Verde


Théophile Alexandre Steinlen, Il n’y est pas, 1901



Loira


Eu descia o Chiado lentamente 
Parando junto às montras dos livreiros 
Quando passaste irónica e insolente, 
Mal pousando no chão os pés ligeiros. 

O céu nublado ameaçava chuva, 
Saía gente fina de uma igreja; 
Destacavam no traje de viúva 
Teus cabelos de um louro de cerveja. 

E a mim, um desgraçado a quem seduzem 
Comparações estranhas, sem razão, 
Lembrou-me este contraste o que produzem 
Os galões sobre os panos de um caixão. 

Eu buscava uma rima bem intensa 
Para findar uns versos com amor; 
Olhaste-me com cega indiferença 
Através do lorgnon provocador. 

Detinham-se a medir tua elegância 
Os dandies com aprumo e galhardia; 
Segui-te humildemente e a distância, 
Não fosses suspeitar que te seguia. 

E pensava de longe, triste e pobre, 
Desciam pela rua umas varinas 
Como podias conservar-te sobre 
O salto exagerado das botinas. 

E tu, sempre febril, sempre inquieta, 
Havia pela rua uns charcos de água 
Ergueste um pouco a saia sobre a anágua 
De um tecido ligeiro e violeta. 

Adorável! Na ideia de que agora 
A branda anágua a levantasse o vento 
Descobrindo uma curva sedutora, 
Cada vez caminhava mais atento. 

Mas súbito parei, sentindo bem 
Ser loucura seguir-te com empenho, 
A ti que és nobre e rica, que és alguém, 
Eu que de nada valho e nada tenho. 

Correu-me pelo corpo um calafrio, 
E tive para o teu perfil ligeiro 
Este olhar resignado do vadio 
Que fita a exposição de um confeiteiro. 

Vi perder-se na turba que passava 
O teu cabelo de ouro que faz mal; 
Não achei essa rima que buscava, 
Mas compus este quadro natural. 


in 'O Livro de Cesário Verde' 



Sarah Brightman


"Quem ama a vida é amado por ela" 


domingo, 1 de março de 2015

"Amar Intensamente" - Texto de Florbela Espanca



Gustave Serrurier-Bovy (1858-1910), Lit et psyché de 1899 
(Art Nouveau) , exposés au Musée d'Orsay


Amar Intensamente


De que vale no mundo ser-se inteligente, ser-se artista, ser-se alguém, quando a felicidade é tão simples! Ela existe mais nos seres claros, simples, compreensíveis e por isso a tua noiva de dantes, vale talvez bem mais que a tua noiva de agora, apesar dos versos e de tudo o mais. Ela não seria exigente, eu sou-o muitíssimo. Preciso de toda a vida, de toda a alma, de todos os pensamentos do homem que me tiver. Preciso que ele viva mais da minha vida que da vida dele. Preciso que ele me compreenda, que me adivinhe. A não ser assim, sou criatura para esquecer com a maior das friezas, das crueldades. Eu tenho já feito sofrer tanto! Tenho sido tão má! Tenho feito mal sem me importar porque quando não gosto, sou como as estátuas que são de mármore e não sentem.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"



Gustave Serrurier-Bovy,  Piano demi-queue Pleyel, 1901
 (Art Nouveau) 


"A chuva, lá fora, trauteia baixinho a sua clara e doce cantiga de Inverno, a sua eterna melodia simples que embala e apazigua. Sinto-me só. Quantas coisas lindas e tristes eu diria agora a alguém que não existe!"

Florbela EspancaDiário do Último Ano



Gustave Serrurier-Bovy, Biombo (Art Nouveau) 


"Dizes tu que os livros te não consolam!? Que te irritam!? Que blasfémia, minha Júlia! Pois há lá melhores amigos!? Os livros, mas livros destes em que a alma dos bons anda sangrando por todas as suas páginas; livros que eu beijo de joelhos, como se enternecidamente beijasse as mãos benditas dos que os escreveram! Lê os versos de António Nobre, o meu santo poeta da Saudade. Lê o «Fel» de José Duro, o malogrado poeta esquecido e desprezado. Lê «Doida de Amor» de Antero de Figueiredo, e depois diz-me se eles te irritam!..."

Florbela Espanca, Correspondência (1916)

"A mente livre está em perigo" - Texto de John Steinbeck, in 'A Leste do Paraíso'





A mente livre está em perigo


A nossa espécie é a única espécie criativa, e tem apenas um único instrumento criativo, a mente e espírito únicos de cada homem. Nunca nada foi criado por dois homens. Não existem boas colaborações, quer em arte, na música, na poesia, na matemática, na filosofia. De cada vez que o milagre da criação acontece, um grupo de pessoas pode construir com base nela e aumentá-la, mas o grupo em si nunca inventa nada. A preciosidade reside na mente solitária de cada homem. 

E agora existem forças que enaltecem o conceito de grupo e que declararam uma guerra de exterminação a essa preciosidade, a mente do homem. Através das mais variadas formas de pressão, repressão, culto, e outros métodos violentos de condicionamento, a mente livre tem sido perseguida, roubada, drogada, exterminada. E este é um rumo de suicídio coletivo que a nossa espécie parece ter tomado. 

E é nisto que eu acredito: que a mente livre e criativa do homem individual é a coisa mais valiosa no mundo. E é por isto que eu estou disposto a lutar: pela liberdade da mente tomar qualquer direção que queira, sem direção. E é contra isto que eu vou lutar com todas as minhas forças: qualquer religião, qualquer governo que limite ou destrua o indivíduo. É isto que eu sou e é esta a minha causa. Posso até compreender que um sistema baseado num padrão tenha que destruir a mente livre, pois esta é a única coisa que pode inspecionar e destruir um sistema deste tipo. Concerteza que compreendo, mas lutarei contra isso por forma a preservar a única coisa que nos separa das restantes espécies. Pois se a mente livre for morta, estaremos perdidos. 

 
 
SINOPSE


Os solos férteis do vale de Salinas, na Califórnia, são o cenário deste grande fresco histórico que acompanha os destinos de duas famílias, os Trask e os Hamilton, desde os dias da Guerra Civil Americana ao pós-Primeira Guerra Mundial.

A inexplicabilidade do amor e as consequências criminosas da sua ausência estão no centro deste romance, publicado originalmente em 1952, onde John Steinbeck apresenta algumas das suas personagens mais cativantes. Enfrentando um percurso pejado de luta e de sofrimento que atravessa gerações, nas suas histórias ouve-se ecoar irremediavelmente a tragédia das palavras bíblicas e assiste-se a uma reencenação da queda de Adão e Eva e da rivalidade destrutiva entre Caim e Abel.

A Leste do Paraíso é uma obra de maturidade e de grande fôlego, uma história brutal e apaixonante, sobre a qual escreveu o próprio autor: «O assunto é o mesmo que cada homem tem utilizado como tema: a existência, o equilíbrio, a batalha e a vitória, na eterna guerra entre a sabedoria e a ignorância, a luz e a treva, o bem e o mal. (daqui)


Four Seasons - Vivaldi