quarta-feira, 30 de maio de 2018

"A luta para a supressão radical das guerras" - Albert Einstein, in 'Como Vejo o Mundo'


Charles Spencelayh (English painter, 1865–1958), Why War?, 1938
 


A luta para a supressão radical das guerras


A minha participação na produção da bomba atómica consistiu numa única ação: assinei uma carta dirigida ao presidente Roosevelt, na qual se sublinhava a necessidade de levar a cabo experiências em grande escala, para investigação das possibilidades de produção duma bomba atómica. 
Tive bem consciência do grande perigo que significava para a Humanidade o êxito desse empreendimento. Mas a probabilidade de que os Alemães trabalhassem no mesmo problema e fossem bem sucedidos, obrigou-me a dar este passo. Não tinha outra solução, embora tivesse sido sempre um pacifista convicto. Foi, portanto, uma reação de legítima defesa. 

Enquanto, porém, as nações não estiverem resolvidas a trabalhar em comum para suprimir a guerra, a resolverem os seus conflitos por decisão pacífica e a protegerem os seus interesses de maneira legal, vêem-se obrigadas a preparar-se para a guerra. Vêem-se, mais, obrigadas a preparar todos os meios, mesmo os mais detestáveis, para não se deixarem ficar para trás, na corrida geral aos armamentos. Este caminho conduz fatalmente à guerra que, nas condições atuais, significa destruição geral.
Nestas condições, a luta contra os meios não tem probabilidades de êxito. Só ainda pode valer a supressão radical das guerras e do perigo de guerra. É para isso que se deve trabalhar e estar resolvido a não se deixar arrastar para atos que sejam contrários a tal fim. É esta uma dura exigência feita ao indivíduo consciente da sua dependência social. Mas não é uma exigência irrealizável. 

Gandhi, o maior génio político dos nossos tempos, indicou o bom caminho e fez ver de que sacrifícios os homens são capazes quando o reconhecem. A sua obra em prol da libertação da Índia é um testemunho vivo de que a vontade, dominada por uma firme convicção, é mais forte que a força material aparentemente invencível.





"Cada guerra é uma destruição do espírito humano."


domingo, 27 de maio de 2018

"Oração para Aviadores" - Poema de Manuel Bandeira

George Horace Davis (British, 1881–1960), Air combat over the Western Front (World War I), 1919 
[Closing up: A bombing formation of british biplanes (DH9a s) closing up to beat off an enemy formation of Fokker triplanes]



Oração para Aviadores


Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.

Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.

Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.

Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.

Santa Clara, clareai.


BANDEIRA, M., Opus 10, 1952.


sábado, 26 de maio de 2018

"A um sonho feito em Fumaça" - Poema de Carla Lima Abreu Cruz


Alexander Deineka (1899 -1969), The Future Pilots, 1937



A um sonho feito em Fumaça...


De início, para mim, nada mais que um folguedo...
que despertava o sorrir na menina da mata
como se fossem vós todos aviões de brinquedo
desenhando nos ares perfeição acrobata.

E quando tuas luzes despontavam no céu
numa última pirueta de habilidade e astúcia,
partiam de novo sem querer meu sorrir
deixando minh´alma com tristeza e angústia.

Volteando no além das montanhas sublimes
na minha vida de campo, bem longe dos mares
nutriu o sonho num coração de menina:
de morrer de amor por um homem dos ares!

Louvado conjunto, perfeito, sublime...
De homens de verde, de sonho e de raça.
Legando a esperança que não mais se extingue:
ter de novo em meu céu a Esquadrilha da Fumaça!!!


in“A um sonho feito em Fumaça”


segunda-feira, 21 de maio de 2018

"Ode ao Destino" - Poema de Jorge de Sena


Marianne von Werefkin, The Family, 1922



Ode ao Destino


Destino: desisti, regresso, aqui me tens. 

Em vão tentei quebrar o círculo mágico 
das tuas coincidências, dos teus sinais, das ameaças, 
do recolher felino das tuas unhas retrácteis 
- ah então, no silêncio tranquilo, eu me encolhia ansioso 
esperando já sentir o próximo golpe inesperado. 

Em vão tentei não conhecer-te, não notar 
como tudo se ordenava, como as pessoas e as coisas chegavam em bandos,
que eu, de soslaio, e disfarçando, observava  
pura conter as palavras, as minhas e as dos outros, 
para dominar a tempo um gesto de amizade inoportuna. 

Eu sabia, sabia, e procurei esconder-te, 
afogar-te em sistemas, em esperanças, em audácias; 
descendo à fé só em mim próprio, até busquei 
sentir-te imenso, exato, magnânimo, 
único mistério de um mundo cujo mistério eras tu. 

Lei universal que a sem-razão constrói, 
de um Deus ínvio caminho, capricho dos Deuses, 
soberana essência do real anterior a tudo, 
Providência, Acaso, falta de vontade minha, 
superstição, metafísica barata, medo infantil, loucura, 
complexos variados mais ou menos freudianos, 
contradição ridícula não superada pelo menino burguês, 
educação falhada, fraqueza de espírito, a solidão da vida, 
existirás ou não, serás tudo isso ou não, só isto ou só aquilo, 
mas desisti, regresso, aqui me tens. 

A humilhação de confessar-te em público, 
nesta época de numerosos sábios e filósofos, 
não é maior que a de viver sem ti. 
A decadência, a desgraça, a abdicação, 
os risos de ironia dos vizinhos 
nesta rua de má-nota em que todos moramos, 
não são piores, ah não, do que no dia a dia sem ti. 
É nesta mesma rua que eu ouço o amor chamar por mim, 
é nela mesma que eu vejo emprestar nações a juros, 
é nela que eu tenho empenhado os meus haveres e os dos outros, 
nela que se exibem os rostos alegres, serenos, graciosos, 
dos que preparam as catástrofes, dos que as gozam, dos que são as vítimas
É nesta mesma rua que eu 
ouço todos os sonhos passar desfeitos. 

Desisti, regresso, aqui me tens, 
coberto de vergonha e de maus versos, 
para continuar lutando, continuar morrendo, 
continuar perdendo-me de tudo e todos, 
mas à tua sombra nenhuma e tutelar. 


Jorge de Sena, in 'Pedra Filosofal' 


sexta-feira, 11 de maio de 2018

"Malaguenha" - Poema de Federico García Lorca


 
 

Malaguenha 


A morte 
entra e sai 
da taberna. 
Passam cavalos negros 
e gente sinistra 
pelos fundos caminhos 
da guitarra. 
E há um cheiro de sal 
e de sangue de fêmea 
nos nardos febris 
da beira-mar. 
A morte 
entra e sai, 
e sai e entra 
a morte 
da taberna. 


Federico García Lorca, in 'Obra poética completa'
[Tradução de William Agel de Mello]


John French Sloan, McSorley's Back Room, 1912, oil on canvas, 66 x 81 cm.


"Teria a impressão de ter cometido um roubo, se passasse um dia sem trabalhar."



John French Sloan, Picture Shop Window, 1907-8.


"As mentes decididas descobrem as oportunidades."

 

John French Sloan, Pigeons, 1910, oil on canvas, 66 x 81 cm.


"A ciência não tem pátria."

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"Cheguei à janela" - Poema de Fernando Pessoa


George Bellows, Cliff Dwellers, 1913, oil on canvas



Cheguei à janela


Cheguei à janela
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.

Ambos fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.

Eu também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.

26-2-1931

Poesias Inéditas (1930-1935)


terça-feira, 8 de maio de 2018

"O ruído vário da rua" - Poema de Fernando Pessoa


George BellowsNew York, 1911



O ruído vário da rua


O ruído vário da rua
Passa alto por mim que sigo.
Vejo: cada coisa é sua.
Oiço: cada som é consigo.

Sou como a praia a que invade
Um mar que torna a descer.
Ah, nisto tudo a verdade
É só eu ter que morrer.

Depois de eu cessar, o ruído.
Não, não ajusto nada
Ao meu conceito perdido
Como uma flor na estrada.

21-2-1931

Poesias Inéditas (1930-1935)


quarta-feira, 2 de maio de 2018

"Hoje desaprendo o que tinha aprendido até hoje" - Poema de Cecília Meireles


Kees van Dongen, The Sphinx, 1920, oil on canvas, 146 x 113 cm,


Hoje desaprendo o que tinha aprendido até hoje


Hoje desaprendo o que tinha aprendido até hoje
e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.
Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.

E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano
permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a reaprender. 


Cecília Meireles, no livro "Cecília de bolso"

terça-feira, 1 de maio de 2018

"Não! Só quero a liberdade!" - Poema de Álvaro de Campos / Fernando Pessoa


Ford Madox Brown (1821-1893), '‘The Hayfield’, 1855–6



Não! Só quero a liberdade!


Não! Só quero a liberdade!
Amor, glória, dinheiro são prisões.
Bonitas salas? Bons estofos? Tapetes moles?
Ah, mas deixem-me sair para ir ter comigo.
Quero respirar o ar sozinho,
Não tenho pulsações em conjunto,
Não sinto em sociedade por quotas,
Não sou senão eu, não nasci senão quem sou, estou cheio de mim.

Onde quero dormir? No quintal...
Nada de paredes — ser o grande entendimento —
Eu e o universo,
E que sossego, que paz não ver antes de dormir o espectro do guarda-fatos
Mas o grande esplendor, negro e fresco de todos os astros juntos,
O grande abismo infinito para cima
A pôr brisas e bondades do alto na caveira tapada de carne que é a minha cara,
Onde só os olhos — outro céu — revelam o grande ser subjetivo.

Não quero! Dêem-me a liberdade!
Quero ser igual a mim mesmo.
Não me capem com ideais!
Não me vistam as camisas-de-forças das maneiras!
Não me façam elogiável ou inteligível!
Não me matem em vida!

Quero saber atirar com essa bola alta à lua
E ouvi-la cair no quintal do lado!
Quero ir deitar-me na relva, pensando "Amanhã vou buscá-la"...
Amanhã vou buscá-la ao quintal ao lado...
Amanhã vou buscá-la ao quintal ao lado...
"Amanhã vou buscá-la ao quintal"
Buscá-la ao quintal
Ao quintal
ao lado...

11-8-1930

Álvaro de Campos,
Heterónimo de Fernando Pessoa