Karl Harald Alfred Broge (Danish painter, 1870–1955),
A young girl seated reading before the window, 1914.
A young girl seated reading before the window, 1914.
O direito de ler em voz alta
Eu pergunto-lhe:
- Quando eras pequena liam-te histórias em voz alta?
Ela responde:
- Nunca. O meu pai andava sempre a viajar e a minha mãe estava sempre muito ocupada.
Eu pergunto:
- Então de onde vem esse teu gosto pela leitura em voz alta?
Ela responde:
- Da escola.
Feliz por ouvir alguém reconhecer algum mérito à escola, exclamo, satisfeito:
- Ah! Estás a ver?
Ela diz-me:
- De modo nenhum. Na escola proibiam-nos que lêssemos em voz alta. O credo da época era a leitura silenciosa. Diretamente da vista ao cérebro. (...) Mas, mal chegava a casa, relia tudo em voz alta.
- Para quê?
- Para me maravilhar. As palavras pronunciadas começavam a ter existência fora de mim, tinham autêntica vida. Além disso, para mim era um ato de amor.
Era o próprio amor. (...) Deitava as minhas bonecas na minha cama, no meu lugar e lia para elas. Cheguei a adormecer no tapete.
- Quando eras pequena liam-te histórias em voz alta?
Ela responde:
- Nunca. O meu pai andava sempre a viajar e a minha mãe estava sempre muito ocupada.
Eu pergunto:
- Então de onde vem esse teu gosto pela leitura em voz alta?
Ela responde:
- Da escola.
Feliz por ouvir alguém reconhecer algum mérito à escola, exclamo, satisfeito:
- Ah! Estás a ver?
Ela diz-me:
- De modo nenhum. Na escola proibiam-nos que lêssemos em voz alta. O credo da época era a leitura silenciosa. Diretamente da vista ao cérebro. (...) Mas, mal chegava a casa, relia tudo em voz alta.
- Para quê?
- Para me maravilhar. As palavras pronunciadas começavam a ter existência fora de mim, tinham autêntica vida. Além disso, para mim era um ato de amor.
Era o próprio amor. (...) Deitava as minhas bonecas na minha cama, no meu lugar e lia para elas. Cheguei a adormecer no tapete.
Daniel Pennac, "Como um Romance" ("Comme un roman"), 1992
Sinopse
É
sobejamente conhecido o desgosto com que os pais preocupados com a
formação dos filhos costumam registar a inapetência destes para a
leitura. Daniel Pennac, romancista, professor e pai de família, descreve
neste ensaio cheio de humor, todas as perplexidades que usualmente
assaltam os diversos intervenientes neste processo de conflitos surdos,
temores, bloqueios e teimosias.
Acima
de tudo, conforme se sublinha no presente livro, a leitura tem de ser
um prazer e os leitores de hoje devem usufruir de alguns direitos
inalienáveis.
A profunda originalidade de Como Um Romance
está na forma ao mesmo tempo muito divertida e muito séria com que o
autor aborda a questão central de que dependem tanto o destino do livro
como o destino da cultura e da educação.
Como Um Romance liderou
durante vários meses a lista dos livros mais vendidos em França e o seu
impacto originou que se falasse mesmo do "fenómeno Pennac".
Karl Harald Alfred Broge (Danish painter, 1870–1955),
Interior with a girl reading, oil on canvas, 41 x 31 cm.
«(…) o melhor que nós lemos, devemo-lo frequentemente a um ser que nos é querido. E é a um ser que nos é querido, que primeiro falaremos. E talvez, muito provavelmente, porque o que é intrínseco tanto ao sentimento como ao desejo de ler, consiste em preferir. Amar é doarmos as nossas preferências àqueles que preferimos. E estas partilhas povoam a invisível cidadela da nossa liberdade. Somos habitados por livros amigos.
Quando um ser querido nos dá um livro a ler, é ele que primeiro procuramos nas linhas, os seus gostos, as razões que o levaram a colocar o livro nas nossas mãos, os sinais de fraternidade. Depois, o texto transporta-nos, e esquecemos quem nos levou a mergulhar nele; é nisto exatamente que reside o poder de uma obra, afastar também essa contingência!
No entanto, os anos passam, e acontece que a evocação do texto recorda-nos a lembrança do outro; alguns títulos transformam-se então em rostos.»
Daniel Pennac, "Como um Romance"
Sem comentários:
Enviar um comentário