Os Ratos
Viviam sempre contentes,
No seu buraco metidos,
Quatro ratinhos valentes,
Quatro ratos destemidos.
Despertaram certo dia
Com vontade de comer,
E logo à mercearia
Dirigiram-se a correr.
O primeiro, o mais ladino,
A uma salsicha saltou,
E um bocado pequenino
Dessa salsicha papou.
Eu choro do rato a sina,
Que a tal salsicha matou,
Por causa da anilina
Com que alguém a colorou.
O segundo, coitadinho,
À farinha se deitou,
E comeu um bocadinho,
Um bocadinho bastou.
Após comer a farinha
Teve ele a mesma sorte,
Pois o alúmen que ela tinha
Conduziu-o assim à morte.
O terceiro, para seu mal,
Gotas de leite sorveu,
Mas o leite tinha cal;
Foi por isto que ele morreu.
O quarto, desmiolado,
A negra morte buscou,
E julgou tê-la encontrado,
Quando o veneno encontrou.
E sorvendo sublimado,
Enquanto este gastava,
(Agora invejo-lhe o fado),
O feliz rato engordava.
É só cá neste terreno,
Que caso assim é passado —
Até o próprio veneno
Já fora falsificado!
Fernando Pessoa, in Poesia do Eu,
Obra Essencial de Fernando Pessoa,
Edição Richard Zenith, Assírio Alvim, 2006
John Sherrin, Christmas Feast with mice and biscuits, Private Collection.
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