O azul
De um infinito azul a serena ironia
Bela indolentemente abala como as flores
O poeta incapaz que maldiz a poesia
No estéril areal de um deserto de Dores.
Em fuga, olhos fechados, sinto-o que espreita,
Com toda a intensidade de um remorso aceso,
A minha alma vazia. Onde fugir? Que estreita
Noite, andrajos, opor a seu feroz desprezo?
Vinde, névoas! Lançai a cerração de sono
Sobre o límpido céu, num farrapo noturno,
Que afogarão os lodos lívidos do outono,
E edificai um grande teto taciturno.
E tu, ó Tédio, sai dos pântanos profundos
Da desmemória, unindo o limo aos juncos suaves,
Para tapar com dedos ágeis esses fundos
Furos de azul que vão fazendo no ar as aves.
Que sem descaso, enfim, as tristes chaminés
Façam subir de fumo uma turva corrente
E apaguem no pavor de seus torvos anéis
O sol que vai morrendo amareladamente!
- O Céu é morto. - Vem e concede, ó matéria,
O olvido do Ideal cruel e do Pecado
A um mártir que adotou o leito da miséria
Ao rebanho feliz dos homens reservado,
Pois quero, desde que meu cérebro vazio,
Como um pote de creme inerme ao pé de um muro,
Já não sabe adornar a ideia-desafio,
Lúgubre bocejar até o final obscuro...
Em vão. O azul triunfa e canta em glória
Dentro dos sinos. Sim, faz-se voz para sus-
Pender-nos no terror de sua vil vitória,
Rompendo o metal vivo em angelus de luz!
Ele rola na bruma, antigo, lentamente
Galga tua agonia e como um gládio a sul-
Cá. Onde fugir? Revolta pérfida e impotente.
O Azul! O Azul! O Azul! O Azul! O Azul! O Azul!
Stéphane Mallarmé, in "Mallarmé".
Organização, tradução e notas de Augusto de Campos,
Décio Pignatari e Haroldo de Campos.
São Paulo: Perspectiva, 1991.
De um infinito azul a serena ironia
Bela indolentemente abala como as flores
O poeta incapaz que maldiz a poesia
No estéril areal de um deserto de Dores.
Em fuga, olhos fechados, sinto-o que espreita,
Com toda a intensidade de um remorso aceso,
A minha alma vazia. Onde fugir? Que estreita
Noite, andrajos, opor a seu feroz desprezo?
Vinde, névoas! Lançai a cerração de sono
Sobre o límpido céu, num farrapo noturno,
Que afogarão os lodos lívidos do outono,
E edificai um grande teto taciturno.
E tu, ó Tédio, sai dos pântanos profundos
Da desmemória, unindo o limo aos juncos suaves,
Para tapar com dedos ágeis esses fundos
Furos de azul que vão fazendo no ar as aves.
Que sem descaso, enfim, as tristes chaminés
Façam subir de fumo uma turva corrente
E apaguem no pavor de seus torvos anéis
O sol que vai morrendo amareladamente!
- O Céu é morto. - Vem e concede, ó matéria,
O olvido do Ideal cruel e do Pecado
A um mártir que adotou o leito da miséria
Ao rebanho feliz dos homens reservado,
Pois quero, desde que meu cérebro vazio,
Como um pote de creme inerme ao pé de um muro,
Já não sabe adornar a ideia-desafio,
Lúgubre bocejar até o final obscuro...
Em vão. O azul triunfa e canta em glória
Dentro dos sinos. Sim, faz-se voz para sus-
Pender-nos no terror de sua vil vitória,
Rompendo o metal vivo em angelus de luz!
Ele rola na bruma, antigo, lentamente
Galga tua agonia e como um gládio a sul-
Cá. Onde fugir? Revolta pérfida e impotente.
O Azul! O Azul! O Azul! O Azul! O Azul! O Azul!
Stéphane Mallarmé, in "Mallarmé".
Organização, tradução e notas de Augusto de Campos,
Décio Pignatari e Haroldo de Campos.
São Paulo: Perspectiva, 1991.
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