František Kupka, Self-portrait with wife, 1908
Pequenos poemas mentais
Mental: nada, ou quase nada sentimental.
I
Pequenos poemas mentais
Mental: nada, ou quase nada sentimental.
I
Quem não sai de sua casa,
não atravessa montes nem vales,
não vê eiras
nem mulheres de infusa,
nem homens de mangual em riste, suados,
quem vive como a aranha no seu redondel
cria mil olhos para nada.
Mil olhos!
Implacáveis.
E hoje diz: odeio.
Ontem diria: amo.
Mas odeia, odeia com indómitos ódios.
E se se aplaca, como acha o tempo pobre!
E a liberdade inútil,
inútil e vã,
riqueza de miseráveis.
II
Como sempre, há de chegar, desde os tempos!
Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas.
Mas que vos reunirá, pensamentos?
Chegais a existir, pensamentos?
É provável, mas desconfiados e inválidos,
Rosnando estúpidos, com cães.
Ó inúteis, aquietai-vos!
Voltai como os cães das quintas
ao ponto da partida, decepcionados.
E enrolai-vos tristonhos, rabugentos, desinteressados.
III
Esse gesto...
Esse desânimo e essa vaidade...
A vaidade ferida comove-me,
comove-me o ser ferido!
A vaidade não é generosa, é egoísta,
Mas chega a ser bela, e curiosa!
E então assim acabrunhada...
Com franqueza, enternece-me.
Subtil
A minha mão que, julgo, ridicularizas,
de que desconheces a suavidade,
cerra-te pacificamente os olhos
e aquieta benignamente o ar.
Paira sobre a tua cabeça, móbil, branda,
na prática de um velho rito,
feminil, piedoso, desconhecido e inconfesso.
IV
Ó luxúria brutal, perversa e felina,
dos outros, alheia,
sem pensamentos nem repouso!
retira-me da frente o venenoso cálice,
a tua peçonha adocicada.
Que a morte, o nirvana, a indiferença
dos longuíssimos anos sem sobressaltos, me retome.
Abro os braços e meço: cá, lá... cá, lá...
solidão, infinita solidão!
E neste movimento, neste balouço, adormeço,
Cá, lá... morte, vida... morte, vida...
Todas as ausências, todas as negações.
V
Os poetas cumprimentam-se, delicados.
Cada um como seu metro, o seu espírito, a sua forma;
as suas credenciais...
Mas são simpáticos os poetas!
Sensíveis, femininos, curiosos.
Envolve-os um mistério.
Não! Esta é a linguagem de toda gente: o mistério...
Que mistério?
Os poetas são apenas reservados, são apenas...
perturbados e capciosos.
VI
Cai um pássaro do ar, devagar, muito devagar.
E as árvores soturnas não se mexem.
Estio!
Não se vêem bulir as árvores, em bloco, ou aos arcos, estampadas...
Elegante Lapa! Sol fosco, paisagem de manhã.
A gente do sítio, pobreza e riqueza, ainda recolhida.
Aqui, uma janela discreta que se abre, preta, cega.
Ali outra fechada.
E esta alternância, bastante irregular, vai-se repetindo, repete-se...
E eu, ai eu! Prisioneira, sempre prisioneira; tão enfadada!
Irene Lisboa
Um dia e outro dia…
1936
Frantisek Kupka, The Book Lover, 1897
"Dia a dia ia-se agravando a minha secreta aversão por tudo aquilo de que se tira proveito. Ler e sonhar, estes narcóticos, eram os meus antídotos, mas as regiões onde são possíveis os atos pareciam-me definitivamente fora de alcance."
Combateu também na Primeira Grande Guerra, onde foi ferido por diversas vezes, o que lhe valeu algumas condecorações por bravura. Finda a guerra, serviu como oficial no exército da República de Weimar, entre 1919 e 1923.
Publicou o seu primeiro livro em 1920, com o título In Stahlgewittern, obra em que analisava o estado de coisas e o destino da nação alemã. Também nessa época começou a contribuir para a imprensa de direita.
Chegou a Berlim no ano de 1927, onde presenciou com agrado a ascensão do Nacional-Socialismo, dando o seu aval ao pensamento nietzscheano e professando doutrinas antissemíticas em publicações nacionalistas. Publicou, por essa altura uma coletânea de ensaios, Das Abenteurliche Herz (1929), Die Totale Mobilmachung (1931) e Der Arbeiter, Herraschaft und Gestalt (1932), obras tidas como de grande qualidade pela crítica, e que refletiam mais uma vez as suas preocupações e esperanças quanto ao seu país.
O destino reservou-lhe porém uma ironia, pois apaixonou-se por uma mulher judia, o que fez com fosse lentamente mitigando o seu antissemitismo. E, em consequência de um incidente com Else Lasker-Schüler que, galardoada com um prémio literário, em 1932, foi arrasada pela imprensa nacional-socialista e espancada até perder os sentidos pelas S. A. [SturmAbteilung], Jünger optou por abandonar Berlim no ano seguinte.
Em 1934 publicou Geheimnisse der Sprache e Bläter und Steine e, após Africanische Spiele (1936), deu ao prelo Auf den Marmorklippen (1939). Esta obra foi considerada como a mais profética alguma vez escrita sobre a Alemanha nacional-socialista, e conta a história de dois irmãos que, regressando de uma guerra, procuram a paz interior, ameaçada porém pelo regime. Circulando largamente, foram no entanto suspensas as suas reedições pelas autoridades, já que o romance aludia muito claramente à situação da Alemanha, e predizia de certa forma a sua desgraça.
Deflagrou a Segunda Guerra Mundial e Jünger serviu na Wehrmacht no posto de capitão, mantendo um diário dos seus dias em França, onde chegou a conhecer personalidades como Pablo Picasso. Nele escreveu a sua certeza na perdição da Alemanha, facto marcado pela morte do seu filho nas fileiras de Itália. Quando a conspiração contra Adolf Hitler foi descoberta e aniquilada, foi apurado que Jünger tinha tido conhecimento dela, sem no entanto ter participado ativamente. Foi por isso demitido das suas funções.
Com a queda de Berlim, Jünger recusou-se a comparecer numa Entnazifizierung kommission [tribunal de "desnazificação"], pelo que as suas obras foram interditas durante cerca de três anos. Ao fim desse período publicou Der Friede (1947), obra em que anunciava o seu afastamento definitivo da política, embora se viesse a tornar grande apoiante da ideia de uma união europeia.
Em 1970 publicou uma obra interessante sobre as suas experiências com estupefacientes, Annäherungen: Drogen und Rausch. Jünger havia consumido cocaína, haxixe, e mesmo éter na década de 20, passando, nos anos 50, aos alucinogéneos, como o LSD e a mescalina.
não atravessa montes nem vales,
não vê eiras
nem mulheres de infusa,
nem homens de mangual em riste, suados,
quem vive como a aranha no seu redondel
cria mil olhos para nada.
Mil olhos!
Implacáveis.
E hoje diz: odeio.
Ontem diria: amo.
Mas odeia, odeia com indómitos ódios.
E se se aplaca, como acha o tempo pobre!
E a liberdade inútil,
inútil e vã,
riqueza de miseráveis.
II
Como sempre, há de chegar, desde os tempos!
Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas.
Mas que vos reunirá, pensamentos?
Chegais a existir, pensamentos?
É provável, mas desconfiados e inválidos,
Rosnando estúpidos, com cães.
Ó inúteis, aquietai-vos!
Voltai como os cães das quintas
ao ponto da partida, decepcionados.
E enrolai-vos tristonhos, rabugentos, desinteressados.
III
Esse gesto...
Esse desânimo e essa vaidade...
A vaidade ferida comove-me,
comove-me o ser ferido!
A vaidade não é generosa, é egoísta,
Mas chega a ser bela, e curiosa!
E então assim acabrunhada...
Com franqueza, enternece-me.
Subtil
A minha mão que, julgo, ridicularizas,
de que desconheces a suavidade,
cerra-te pacificamente os olhos
e aquieta benignamente o ar.
Paira sobre a tua cabeça, móbil, branda,
na prática de um velho rito,
feminil, piedoso, desconhecido e inconfesso.
IV
Ó luxúria brutal, perversa e felina,
dos outros, alheia,
sem pensamentos nem repouso!
retira-me da frente o venenoso cálice,
a tua peçonha adocicada.
Que a morte, o nirvana, a indiferença
dos longuíssimos anos sem sobressaltos, me retome.
Abro os braços e meço: cá, lá... cá, lá...
solidão, infinita solidão!
E neste movimento, neste balouço, adormeço,
Cá, lá... morte, vida... morte, vida...
Todas as ausências, todas as negações.
V
Os poetas cumprimentam-se, delicados.
Cada um como seu metro, o seu espírito, a sua forma;
as suas credenciais...
Mas são simpáticos os poetas!
Sensíveis, femininos, curiosos.
Envolve-os um mistério.
Não! Esta é a linguagem de toda gente: o mistério...
Que mistério?
Os poetas são apenas reservados, são apenas...
perturbados e capciosos.
VI
Cai um pássaro do ar, devagar, muito devagar.
E as árvores soturnas não se mexem.
Estio!
Não se vêem bulir as árvores, em bloco, ou aos arcos, estampadas...
Elegante Lapa! Sol fosco, paisagem de manhã.
A gente do sítio, pobreza e riqueza, ainda recolhida.
Aqui, uma janela discreta que se abre, preta, cega.
Ali outra fechada.
E esta alternância, bastante irregular, vai-se repetindo, repete-se...
E eu, ai eu! Prisioneira, sempre prisioneira; tão enfadada!
Irene Lisboa
Um dia e outro dia…
1936
Frantisek Kupka, The Book Lover, 1897
"Dia a dia ia-se agravando a minha secreta aversão por tudo aquilo de que se tira proveito. Ler e sonhar, estes narcóticos, eram os meus antídotos, mas as regiões onde são possíveis os atos pareciam-me definitivamente fora de alcance."
Escritor e biólogo alemão, Ernst Jünger nasceu a 29 de março de 1895, em Heidelberg. Filho de um farmacêutico, começou os estudos em Hanôver, no ano de 1901, mas fugiu de casa aos dezoito anos de idade, para se alistar na Legião Estrangeira, cumprindo a sua comissão no Norte de África.
Combateu também na Primeira Grande Guerra, onde foi ferido por diversas vezes, o que lhe valeu algumas condecorações por bravura. Finda a guerra, serviu como oficial no exército da República de Weimar, entre 1919 e 1923.
Publicou o seu primeiro livro em 1920, com o título In Stahlgewittern, obra em que analisava o estado de coisas e o destino da nação alemã. Também nessa época começou a contribuir para a imprensa de direita.
Teve possibilidade de prosseguir os seus estudos, frequentando as universidades de Leipzig e de Nápoles, formando-se em Biologia, e tornando-se um reputado entomologista, chegando a catalogar e nomear algumas espécies de insetos.
Chegou a Berlim no ano de 1927, onde presenciou com agrado a ascensão do Nacional-Socialismo, dando o seu aval ao pensamento nietzscheano e professando doutrinas antissemíticas em publicações nacionalistas. Publicou, por essa altura uma coletânea de ensaios, Das Abenteurliche Herz (1929), Die Totale Mobilmachung (1931) e Der Arbeiter, Herraschaft und Gestalt (1932), obras tidas como de grande qualidade pela crítica, e que refletiam mais uma vez as suas preocupações e esperanças quanto ao seu país.
O destino reservou-lhe porém uma ironia, pois apaixonou-se por uma mulher judia, o que fez com fosse lentamente mitigando o seu antissemitismo. E, em consequência de um incidente com Else Lasker-Schüler que, galardoada com um prémio literário, em 1932, foi arrasada pela imprensa nacional-socialista e espancada até perder os sentidos pelas S. A. [SturmAbteilung], Jünger optou por abandonar Berlim no ano seguinte.
Em 1934 publicou Geheimnisse der Sprache e Bläter und Steine e, após Africanische Spiele (1936), deu ao prelo Auf den Marmorklippen (1939). Esta obra foi considerada como a mais profética alguma vez escrita sobre a Alemanha nacional-socialista, e conta a história de dois irmãos que, regressando de uma guerra, procuram a paz interior, ameaçada porém pelo regime. Circulando largamente, foram no entanto suspensas as suas reedições pelas autoridades, já que o romance aludia muito claramente à situação da Alemanha, e predizia de certa forma a sua desgraça.
Deflagrou a Segunda Guerra Mundial e Jünger serviu na Wehrmacht no posto de capitão, mantendo um diário dos seus dias em França, onde chegou a conhecer personalidades como Pablo Picasso. Nele escreveu a sua certeza na perdição da Alemanha, facto marcado pela morte do seu filho nas fileiras de Itália. Quando a conspiração contra Adolf Hitler foi descoberta e aniquilada, foi apurado que Jünger tinha tido conhecimento dela, sem no entanto ter participado ativamente. Foi por isso demitido das suas funções.
Com a queda de Berlim, Jünger recusou-se a comparecer numa Entnazifizierung kommission [tribunal de "desnazificação"], pelo que as suas obras foram interditas durante cerca de três anos. Ao fim desse período publicou Der Friede (1947), obra em que anunciava o seu afastamento definitivo da política, embora se viesse a tornar grande apoiante da ideia de uma união europeia.
Em 1970 publicou uma obra interessante sobre as suas experiências com estupefacientes, Annäherungen: Drogen und Rausch. Jünger havia consumido cocaína, haxixe, e mesmo éter na década de 20, passando, nos anos 50, aos alucinogéneos, como o LSD e a mescalina.
Tido como um dos precursores do chamado 'realismo mágico', Ernst Jünger foi honrado com títulos académicos e galardoado com vários prémios, incluindo o Prémio Goethe, antes de falecer em 1998. (Daqui)
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