quarta-feira, 30 de junho de 2021

"A Casa" - Poema de Yvette Centeno


Dominguez Alvarez, Casario e quatro figuras (c. 1931-1934) 
 

A Casa


Distraídos não víamos
a casa a envelhecer connosco
e no entanto a casa envelhecia:
tinha dores
achaques
tropeções
incómodos pequenos
lâmpada que falhava
e uma ou outra coisa,
vertigem passageira.

Assim corria o tempo
em pequenos derrames
que a todos por dentro
corroíam: a casa e com ela
as portas que rangiam
e umas résteas de luz
já quase a apagar-se.

A casa não andava
a casa já não via,
e nós ainda achávamos
que era coisa ligeira.

Não tem mal, dizíamos,
quando chegasse a hora
umas velas acesas,
candeeiros de avó
sem perigo de incêndio:
a casa envelhecida
sempre estaria ali,
sempre resistiria.

Sem dar por isso
o nosso envelhecer
ali juntos, fechados,
embora já morrendo
seria a última prova
de um grande amor
vivido
o dessa casa antiga
às vezes ainda rindo,
outras vezes zangada,
mas dividindo connosco
o tempo que faltava

Lisboa, 2018


Yvette K. Centeno


 
Dominguez Alvarez, Casario e figuras de um sonho, 1931-34, 
 óleo sobre cartão, 24,5 x31cm
 

A vida é um saque
Que se faz no espaço
Entre o tic e o tac.
 
Millôr Fernandes
(Haicai / Haikai)  
 

sábado, 26 de junho de 2021

"Arte poética" - Poema de Maria do Rosário Pedreira


Pierre-Auguste Renoir, Dance at Le Moulin de la Galette (Bal du moulin de la Galette), 1876. 



Arte poética


Num romance, uma chávena é apenas
uma chávena – que pode derramar
café sobre um poema, se o poeta,
bem entendido, for a personagem.

Num poema, mesmo manchado
de café, a chávena é certamente a
concha de uma mão – por onde eu
bebo o mundo, em maravilha, se tu,
bem entendido, fores o poeta.

No nosso romance, não sou sempre
eu quem leva as chávenas para a mesa
aonde nos sentamos à noite, de mãos
dadas, a dizer que a lata do café chegou
ao fim, mas a pensar que a vida é
que já vai bastante adiantada para os
livros todos que ainda pensamos ler.

No meu poema, não precisamos de café
para nos mantermos acordados: a minha
boca está sempre na concha da tua mão,
todos os dias há páginas nos teus olhos,
escreve-se a vida sem nunca envelhecermos. 
 in Revista Relâmpago nº 22
 

domingo, 13 de junho de 2021

"A meu favor" - Poema de Alexandre O’Neill


Heinrich Campendonk (German, 1889–1957), Young Couple, 1915



A meu favor

 
A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

A meu favor tenho uma rua em transe
Um alto incêndio em nome de nós todos.
No Reino da Dinamarca.
 Lisboa: Guimarães, 1958


 
Heinrich Campendonk, Bucolic Landscape, 1913


"Muito pouco da grande crueldade mostrada pelos homens pode ser atribuída realmente a um instinto cruel. A maior parte dela é resultado da falta de reflexão ou de hábitos herdados."

(Albert Schweitzer
 

Heinrich Campendonk, Mann, Pferd, Kuh, 1918
 
 
"Quanto mais o homem simplifica a sua alimentação e se afasta do regime carnívoro, mais sábia é a sua mente."
 

segunda-feira, 7 de junho de 2021

"Inverno" - Poema de António Feijó


Albino José Moreira (1895-1994, pintor naïf português), Vista Geral de Ponte de Lima, 1984
 

Inverno
(Quadras finais)


Nasci à beira do Rio Lima,
Rio saudoso, todo cristal;
Daí a angústia que me vitima,
Daí deriva todo o meu mal.

É que nas terras que tenho visto,
Por toda a parte por onde andei,
Nunca achei nada mais imprevisto,
Terra mais linda nunca encontrei.

São águas claras sempre cantando,
Verdes colinas, alvor de areia,
Brancas ermidas, fontes chorando
Na tremulina da lua cheia…

É funda a mágoa que me exaspera,
Negra a saudade que me devora…
Anos inteiros sem primavera,
Manhãs escuras sem luz de aurora!

Ó meus amigos, quando eu morrer
Levai meu corpo despedaçado,
Para que eu possa, já sem sofrer,
Dormir na morte mais descansado.

Olhos d’Aquela que eu estremeço,
Se de tão longe pudésseis ver-me!
Olhos divinos que eu nunca esqueço,
Morro de frio, vinde aquecer-me… 
 


[Da longa estadia no Norte da Europa datam estes sentidos versos onde o poeta António Feijó expressa a nostalgia da pátria, com realce para a paisagem da sua  Ribeira Lima, saudade da luz e do calor, das tradições e do encanto da sua distante terra natal.  De manifesta tonalidade confessional, o poema foi adotado por Ponte de Lima para seu Hino oficial. (Daqui)]

António Feijó
António Feijó


Poeta e diplomata português, António Joaquim de Castro Feijó nasceu 1 de Junho de 1859, em Ponte de Lima, e morreu a 21 de junho de 1917, em Estocolmo.
Deixou uma obra reveladora de tendências diversas, entre o Parnasianismo, o Romantismo, o Decadentismo e o Simbolismo, e influências ecléticas, que vão de  Leconte de Lisle, Théodore de Banville e Gautier a Vítor Hugo, de Leopardi a Baudelaire, de Guerra Junqueiro a João Penha.
Em 1883, forma-se em Direito na Universidade de Coimbra, onde tem por companheiros Luís de Magalhães, Manuel da Silva Gaio e Luís de Castro Osório, com quem viria a fundar, em 1880, a Revista Científica e Literária de Coimbra.
De finais dos anos 70 até início da década de 90, colaborará em vários periódicos, como a Revista Literária do Porto, Novidades, Revista de Coimbra, Museu Ilustrado, O Instituto, Arte.
Em 1882, publica o seu primeiro volume de poesias, Transfigurações, marcadas pela temática filosófica e pelo tom épico, que revelam um pessimismo e uma acusação nítida das imperfeições morais e sociais que o rodeiam. Seguem-se Líricas e Bucólicas (1884) e À Janela do Ocidente (1885), reveladoras de um lirismo mais depurado.
Em 1886, ingressa na carreira diplomática, sendo primeiro cônsul no Brasil e depois ministro de Portugal em Estocolmo. Aí viria a desposar uma jovem sueca, Mercedes Lewin, cuja morte prematura influenciaria uma certa temática fúnebre patente na sua obra.
No Cancioneiro Chinês (1890), coleção de poesias adaptadas a partir de uma versão francesa, revela o gosto pelo exotismo orientalista.
Em Bailatas, obra publicada em 1907 sob o pseudónimo de Inácio de Abreu e Lima, parece ter a intenção de parodiar o Decadentismo, mas a verdade é que muitas dessas poesias atingem consonância com a própria sensibilidade simbolista.
As suas últimas obras, particularmente a coletânea póstuma Sol de inverno, editada em 1922, espelham o lirismo sóbrio, o simbolismo depurado, os motivos melancólicos, outonais, e os temas da saudade e da morte, que são algumas das características da obra de António Feijó. (Daqui)
 

domingo, 6 de junho de 2021

"Onde Estive?" - Poema de Merícia de Lemos



Vincent van Gogh (1853–1890), Marguerite Gachet in the Garden, 1890
Musée d'Orsay, Paris
 


Onde Estive?


Andei esquecida da morte
anos e anos
numa graça de amor
numa harmonia de fontes cantar
e que mais canta

Andei esquecida da morte
dias e noites
o tempo mais não é que sol e sombra

Andei esquecida da morte
o coração tornado nova estrela

Andei a viver!


Merícia de Lemos, in Tangentes
(Escritora moçambicana, 1913-1996)


 
 

Lado a lado
as árvores se olham
e se desfolham.


 (Haicai / Haikai / Haiku)

terça-feira, 1 de junho de 2021

"O Direito das Crianças" - Poema de Ruth Rocha

 
Mary Cassatt (1844 – 1926, American painter), Breakfast in Bed, 1897



O Direito das Crianças


Toda criança do mundo
Deve ser bem protegida
Contra os rigores do tempo
Contra os rigores da vida.

Criança tem que ter nome
Criança tem que ter lar
Ter saúde e não ter fome
Ter segurança e estudar.

Não é questão de querer
Nem questão de concordar
Os direitos das crianças
Todos tem de respeitar.

Direito de perguntar…
Ter alguém pra responder.
A criança tem direito
De querer tudo saber.

A criança tem direito
Até de ser diferente.
E tem que ser bem aceite
Seja sadia ou doente.

Tem direito à atenção
Direito de não ter medos
Direito a livros e a pão
Direito de ter brinquedos.

Mas a criança também
Tem o direito de sorrir.
Correr na beira do mar,
Ter lápis de colorir…

Ver uma estrela cadente,
Filme que tem robô,
Ganhar um lindo presente,
Ouvir histórias do avô.

Descer no escorregador,
Fazer bolha de sabão,
Sorvete, se faz calor,
Brincar de adivinhação.

Morango com chantilly,
Ver mágico de cartola,
O canto do bem-te-vi,
Bola, bola, bola bola!

Lamber fundo de panela
Ser tratada com afeição
Ser alegre e tagarela
Poder também dizer não!

Carrinho, jogos, bonecas,
Montar um jogo de armar,
Amarelinha, petecas,
E uma corda de pular.

Um passeio de canoa,
Pão lambuzado de mel,
Ficar um pouquinho à toa…
Contar estrelas no céu…

Ficar lendo revistinha,
Um amigo inteligente,
Pipa na ponta da linha,
Um bom dum cachorro quente.

Festejar o aniversário,
Com bala, bolo e balão!
Brincar com muitos amigos,
Dar uns pulos no colchão.

Livros com muita figura,
Fazer viagem de trem,
Um pouquinho de aventura…
Alguém para querer bem…

Festinha de São João,
Com fogueira e com bombinha,
Pé de moleque e rojão,
Com quadrilha e bandeirinha.

Andar debaixo de chuva,
Ouvir música e dançar.
Ver carreiro de saúva,
Sentir o cheiro do mar.

Pisar descalça no barro,
Comer frutas no pomar,
Ver casa de joão-de-barro,
Noite de muito luar.

Ter tempo pra fazer nada,
Ter quem penteie os cabelos,
Ficar um tempo calada…
Falar pelos cotovelos.

E quando a noite chegar,
Um bom banho, bem quentinho,
Sensação de bem estar…
de preferência com colinho.

Uma caminha macia,
Uma canção de ninar,
Uma história bem bonita,
Então, dormir e sonhar…

Embora eu não seja rei,
Decreto, neste país,
Que toda, toda criança
Tem direito a ser feliz! 


Ruth Rocha
 
 
Ruth Rocha (Daqui)


Ruth Rocha nasceu em 2 de março de 1931, em São Paulo. Segunda filha do doutor Álvaro e da dona Esther, ouviu da mãe as primeiras histórias, em geral anedotas de família. Depois foi a vez de Vovô Ioiô incendiar a cabeça da neta com os contos clássicos dos irmãos Grimm, de Hans Christian Andersen, de Charles Perrault, adaptados oralmente pelo avô baiano ao universo popular brasileiro. Mas foi a leitura de As reinações de Narizinho e Memórias de Emília, de Monteiro Lobato, que escancarou de vez as portas da literatura para a futura autora de Marcelo, marmelo, martelo.

Adolescente, Ruth descobriu a Biblioteca Circulante no centro da cidade Foi um deslumbramento. Seus autores preferidos eram Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Machado de Assis e Guimarães Rosa. Lembra que, aos 13 anos, escreveu um trabalho sobre A cidade e as serras, de Eça de Queirós, que ajudou a acentuar, e muito, sua paixão pelo universo ficcional.

Formada em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, foi aluna do autor de Raízes do Brasil, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, com quem viajou, junto com outros estudantes, para Ouro Preto.

Na faculdade conheceu Eduardo Rocha (o “Rocha” da Ruth vem daí), com quem se casou. Viveram juntos por 56 anos, até o falecimento dele, em 2012. Tiveram uma filha, Mariana, inspiração para as primeiras criações da escritora.

Entre 1957 e 1972 foi orientadora educacional do Colégio Rio Branco. Nessa época começou a escrever sobre educação para a revista Cláudia. Sua visão moderna sobre o tema, bem como o estilo claro e próprio, chamaram a atenção de uma amiga, Sonia Robato, que dirigia a Recreio, revista voltada para o público infantil. Certo dia, Sonia fez um convite-desafio para Ruth: em tom de brincadeira, trancou a amiga numa sala, dizendo que só saísse de lá com uma história pronta. Assim nasceu Romeu e Julieta, a primeira de uma série de narrativas originais e divertidas, todas publicadas na Recreio, que mais tarde Ruth veio a dirigir.

A partir de 1973 trabalhou como editora e, em seguida, como coordenadora do departamento de publicações infanto-juvenis da editora Abril.

Palavras, muitas palavras, seu primeiro livro, saiu em 1976. Seu estilo direto, gracioso e coloquial, altamente expressivo e muito libertador, ajudou — juntamente com o trabalho de outros autores — a mudar para sempre a cara da literatura escrita para crianças no Brasil. Agora, os pequenos leitores eram tratados com respeito e inteligência, sem lições de moral nem chatices de qualquer espécie, numa relação de igual para igual, e nunca de cima para baixo. Além disso, em plena ditadura militar, a obra de Ruth ousava respirar liberdade e encorajava o leitor a enxergar a realidade, sem abrir mão da fantasia.

Depois vieram Marcelo, Marmelo, Martelo — seu best-seller e um dos maiores sucessos editoriais do país, com mais de setenta edições e vinte milhões de exemplares vendidos —, O reizinho mandão — incluído na “Lista de Honra” do prémio internacional Hans Christian Anderson —, Nicolau tinha uma ideia, Dois idiotas sentados cada qual no seu barril e Uma história de rabos presos, entre muitos outros.

Em mais de cinquenta anos dedicados à literatura, a escritora tem mais duzentos títulos publicados e já foi traduzida para vinte e cinco idiomas. Também assina a tradução de uma centena de títulos infanto-juvenis, adaptou a Ilíada e a Odisseia, de Homero, e é co-autora de livros didáticos, como Pessoinhas, parceria com Anna Flora, e da coleção O Homem e a Comunicação, parceria com Otávio Roth.

Defensora dos direitos das crianças, sua versão, também em parceria com Otávio Roth, para a Declaração Universal dos Direitos Humanos teve lançamento na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, em 1988.

Recebeu prémios da Academia Brasileira de Letras, da Associação Paulista dos Críticos de Arte, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, além do prémio Santista, da Fundação Bunge, o prémio de Cultura da Fundação Conrad Wessel, a Comenda da Ordem do Mérito Cultural e oito prémios Jabuti, da Câmera Brasileira de Letras.

A menina que um dia decidiu ler todos os livros hoje tem várias bibliotecas com seu nome — no interior de São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília.

Em 2008, Ruth Rocha foi eleita membro da Academia Paulista de Letras.

Apostando todas as fichas na irreverência, na independência, na poesia e no bom humor, seus textos fazem com que as crianças questionem o mundo e a si mesmas e ensinam os adultos a ouvirem o que elas dizem ou estão tentando dizer. No fundo, o que seus livros revelam é o profundo respeito e o infinito amor de Ruth Rocha pela infância, isto é, pela vida em seu estado mais latente. Pois, como ela mesma diz num de seus belos poemas, “toda criança do mundo mora no meu coração”. (Daqui)
 
 
Mary Cassatt, Little Girl in a Blue Armchair, 1878
National Gallery of Art, Washington D.C.
 
 

Toda criança do mundo


Seja pobre, seja rica,
Seja grandona ou nanica,
Mulata, ruiva, amarela,
Seja bonitinha ou feia
De trança ou touca de meia
Use sapato ou chinela...

Seja branca ou seja preta
De seda ou de camiseta
Com diploma ou sem escola
Triste, alegre ou boazinha
Que goste de amarelinha
Ou goste de jogar bola...

Seja indiazinha do mato
Não goste de usar sapato
Caeté ou cariri
Caipira ou da cidade
Diga mentira ou verdade
Em português ou tupi.

More em casa ou num barraco
Coma na mão ou no prato
Viva lá no fim do mundo
Durma na cama ou no chão
Toda criança do mundo
Mora no meu coração. 
 
 


Mary Cassatt, Children in a Garden (The Nurse), 1878,  
 
 

Dia da Criança


O Dia Mundial da Criança foi estabelecido oficialmente em 1950 na sequência do congresso da Federação Democrática Internacional das Mulheres, realizado em 1949, em Paris. 
 
Portugal, à semelhança de vários países, adotou este dia para celebrar o Dia da Criança com o objetivo de sensibilizar toda a comunidade para os direitos das crianças e para a necessidade de promover uma melhoria das suas condições de vida, tendo em vista o seu pleno desenvolvimento.

Por vezes é difícil distinguir este dia, 1 de junho, do dia 20 de novembro, considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Universal da Criança, dia em que se celebram dois marcos importantes. A 20 de novembro, de 1959, foi aprovada a Declaração dos Direitos da Criança. Nesse mesmo dia, mas em 1989, foi adotada, também pela Assembleia Geral da ONU, a Convenção dos Direitos da Criança, que Portugal ratificou no dia 21 de setembro de 1990.

Não existe uniformização de data para a celebração dos direitos das crianças, contudo, o seu objetivo será sempre o mais nobre: promover os direitos e o bem-estar de todas as crianças, onde quer que estejam. (Daqui)
 

 
Mary Cassatt, In the Garden, 1903-1904, Detroit Institute of Arts
 

Os Direitos das Crianças na União Europeia
(A evolução da proteção dos direitos das crianças na UE.)

Até ao ano 2000 a legislação europeia relativa às crianças tinha como objetivo tratar apenas aspetos generalistas e em domínios específicos (ex. proteção aos consumidores, livre circulação de pessoas).

As primeiras disposições específicas sobre os Direitos das Crianças surgem em 2000 com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE (CDFUE) que para além de consagrar:

  • o direito a frequentar gratuitamente o ensino obrigatório (artigo 14.º, n.º 2);
  • a proibição da discriminação em razão da idade (artigo 21.º); 
  • a proibição da exploração do trabalho infantil (artigo 32.º);

dedica um artigo completo aos Direitos das Crianças, o artigo 24º que estipula que: 

  1. “As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade.”
  2. “Todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”
  3. “Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, exceto se isso for contrário aos seus interesses.”

Este artigo é inspirado na Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas a 20 de novembro de 1989, e assinada por todos os 27 Estados-Membros. A Convenção encontra-se em vigor desde 2 de setembro de 1990. 

Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 2009, a CDFUE ganhou o mesmo valor jurídico que os Tratados. O Tratado de Lisboa dota a UE de maior capacidade para promover os direitos da criança, permitindo avançar com legislação e orientações específicas. Com as alterações decorrentes o Tratado de Lisboa, o Tratado da UE:

  • institui a proteção dos direitos da criança como um objetivo (artigo 3.º, n.º3, do TUE);
  • destaca a proteção dos direitos crianças como um aspeto fundamental da política externa da UE (artigo 3, n.º5, do TUE). 

Estratégia da União Europeia sobre os Direitos da Criança

Perante os novos desafios, a 24 de março de 2021 a União Europeia adotou a Estratégia sobre os Direitos da Criança com o objetivo de colocar as crianças e os seus interesses no centro das suas políticas. Esta estratégia visa reunir toda a legislação, políticas e financiamentos novos e existentes num quadro abrangente.

A estratégia, que contou com a participação de mais de 10.000 crianças da União Europeia, propõe um conjunto de ações em sete eixos:

  1. Participação na vida política e democrática: uma UE que capacita as crianças a serem cidadãos ativos e membros de sociedades democráticas.
  2. Inclusão socioeconómica, saúde e educação: uma UE que combate a pobreza infantil, promove uma sociedade, sistemas de saúde e educação inclusivos e amigos da criança.
  3. Combater a violência contra as crianças e garantir a proteção das crianças: uma UE que ajuda as crianças a crescerem livres da violência.
  4. Justiça amiga da criança: uma UE onde o sistema de justiça defende os direitos e as necessidades das crianças.
  5. Sociedade digital e de informação: uma UE onde as crianças possam navegar em segurança no ambiente digital e aproveitar as suas oportunidades.
  6. A dimensão global: uma UE que apoia, protege e capacita as crianças globalmente, inclusive durante crises e conflitos.
  7. Incorporar a perspetiva da criança em todas as ações da UE.

Pela mesma ocasião a Comissão Europeia propôs uma Recomendação do Conselho relativa à criação de uma Garantia Europeia para a Infância com o objetivo de promover a igualdade de oportunidades para as crianças em risco de pobreza ou exclusão social. (Daqui)