segunda-feira, 7 de junho de 2021

"Inverno" - Poema de António Feijó


Albino José Moreira (1895-1994, pintor naïf português), Vista Geral de Ponte de Lima, 1984
 

Inverno
(Quadras finais)


Nasci à beira do Rio Lima,
Rio saudoso, todo cristal;
Daí a angústia que me vitima,
Daí deriva todo o meu mal.

É que nas terras que tenho visto,
Por toda a parte por onde andei,
Nunca achei nada mais imprevisto,
Terra mais linda nunca encontrei.

São águas claras sempre cantando,
Verdes colinas, alvor de areia,
Brancas ermidas, fontes chorando
Na tremulina da lua cheia…

É funda a mágoa que me exaspera,
Negra a saudade que me devora…
Anos inteiros sem primavera,
Manhãs escuras sem luz de aurora!

Ó meus amigos, quando eu morrer
Levai meu corpo despedaçado,
Para que eu possa, já sem sofrer,
Dormir na morte mais descansado.

Olhos d’Aquela que eu estremeço,
Se de tão longe pudésseis ver-me!
Olhos divinos que eu nunca esqueço,
Morro de frio, vinde aquecer-me… 
 


[Da longa estadia no Norte da Europa datam estes sentidos versos onde o poeta António Feijó expressa a nostalgia da pátria, com realce para a paisagem da sua  Ribeira Lima, saudade da luz e do calor, das tradições e do encanto da sua distante terra natal.  De manifesta tonalidade confessional, o poema foi adotado por Ponte de Lima para seu Hino oficial. (Daqui)]

António Feijó
António Feijó


Poeta e diplomata português, António Joaquim de Castro Feijó nasceu 1 de Junho de 1859, em Ponte de Lima, e morreu a 21 de junho de 1917, em Estocolmo.
Deixou uma obra reveladora de tendências diversas, entre o Parnasianismo, o Romantismo, o Decadentismo e o Simbolismo, e influências ecléticas, que vão de  Leconte de Lisle, Théodore de Banville e Gautier a Vítor Hugo, de Leopardi a Baudelaire, de Guerra Junqueiro a João Penha.
Em 1883, forma-se em Direito na Universidade de Coimbra, onde tem por companheiros Luís de Magalhães, Manuel da Silva Gaio e Luís de Castro Osório, com quem viria a fundar, em 1880, a Revista Científica e Literária de Coimbra.
De finais dos anos 70 até início da década de 90, colaborará em vários periódicos, como a Revista Literária do Porto, Novidades, Revista de Coimbra, Museu Ilustrado, O Instituto, Arte.
Em 1882, publica o seu primeiro volume de poesias, Transfigurações, marcadas pela temática filosófica e pelo tom épico, que revelam um pessimismo e uma acusação nítida das imperfeições morais e sociais que o rodeiam. Seguem-se Líricas e Bucólicas (1884) e À Janela do Ocidente (1885), reveladoras de um lirismo mais depurado.
Em 1886, ingressa na carreira diplomática, sendo primeiro cônsul no Brasil e depois ministro de Portugal em Estocolmo. Aí viria a desposar uma jovem sueca, Mercedes Lewin, cuja morte prematura influenciaria uma certa temática fúnebre patente na sua obra.
No Cancioneiro Chinês (1890), coleção de poesias adaptadas a partir de uma versão francesa, revela o gosto pelo exotismo orientalista.
Em Bailatas, obra publicada em 1907 sob o pseudónimo de Inácio de Abreu e Lima, parece ter a intenção de parodiar o Decadentismo, mas a verdade é que muitas dessas poesias atingem consonância com a própria sensibilidade simbolista.
As suas últimas obras, particularmente a coletânea póstuma Sol de inverno, editada em 1922, espelham o lirismo sóbrio, o simbolismo depurado, os motivos melancólicos, outonais, e os temas da saudade e da morte, que são algumas das características da obra de António Feijó. (Daqui)
 

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