Edmund C. Tarbell, Portrait of a Boy Reading, 1913
Cartas de Meu Avô
A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Chora monotonamente.
E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.
Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.
Cartas de antes do noivado…
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.
Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala…
A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.
A paixão, medrosa dantes
Cresceu, dominou-o todo.
E as confissões hesitantes
Mudaram logo de modo.
Depois o espinho do ciúme…
A dor… a visão da morte…
Mas, calmado o vento, o lume
Brilhou, mais puro e mais forte.
E eu bendigo, envergonhado,
Esse amor, avô do meu…
Do meu – fruto sem cuidado
Que, ainda verde, apodreceu.
O meu semblante está enxuto
Mas a alma, em gotas mansas,
Chora, abismada no luto
Das minhas desesperanças…
E a noite vem, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em pingos glaciais,
Cai melancolicamente.
E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.
in Cinza das Horas, 1917
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