terça-feira, 19 de janeiro de 2021

"A voz que nos rasgou por dentro" - Poema de Nuno Júdice

William-Adolphe Bouguereau, The Elder Sister,1869, 130.2 × 97.2 cm. 



A voz que nos rasgou por dentro

 
De onde vem – a voz que
nos rasgou por dentro, que
trouxe consigo a chuva negra
do outono, que fugiu por
entre névoas e campos
devorados pela erva?

Esteve aqui – aqui dentro
de nós, como se sempre aqui
tivesse estado; e não a
ouvimos, como se não nos
falasse desde sempre,
aqui, dentro de nós.

E agora que a queremos ouvir,
como se a tivéssemos re-
conhecido outrora, onde está? A voz
que dança de noite, no Inverno,
sem luz nem eco, enquanto
segura pela mão o fio
obscuro do horizonte.

Diz: “ Não chores o que te espera,
nem desças já pela margem
do rio derradeiro. Respira,
numa breve inspiração, o cheiro
da resina, nos bosques, e
o sopro húmido dos versos.”

Como se a ouvíssemos.
in "Meditação sobre Ruínas", pág.87/88


William-Adolphe Bouguereau, O caranguejo, 1869
 
 
"Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão – 
Antes que das coisas celestiais."
 
 
 

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