quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

"Dorme, meu amor" - Poema de Maria do Rosário Pedreira

 
Philip Wilson Steer (British, 1860-1942), The Muslin Dress, 1910



Dorme, meu amor


Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais
este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega – o pior já passou
há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão
desvia os passos do medo. Dorme, meu amor –
a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste
e pode levantar-se como um pássaro assim que
adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra
não hão de derrubar-me – eu já morri muitas vezes
e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos
agora e sossega – a porta está trancada; e os fantasmas
da casa que o jardim devorou andam perdidos
nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme,
meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e
nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já
olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,
de guarda aos pesadelos – a noite é um poema
que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.


Maria do Rosário Pedreira
,
Do livro «O Canto do Vento nos Ciprestes»,  Gótica, 2001 
 
 

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