segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

"Os estivadores" - Poema de Ruy Belo



Ivar Kamke (Swedish, 1882-1936), "Dockworkers on a North Sea Wharf", c. 1909, oil on canvas
 


Os estivadores


Só eles suam mas só eles sabem
o preço de estar vivo sobre a terra
Só nessas mãos enormes é que cabem
as coisas mais reais que a vida encerra

Outros rirão e outros sonharão
podem outros roubar-lhes a alegria
mas a um deles é que chamo irmão
na vida que em seus gestos principia

Onde outrora houve o deus e houve a ninfa
eles são a moderna divindade
e o que antes era pura linfa
é o que sobra agora da cidade

Vede como alheios a tudo o resto
compram com o suor a claridade
e rasgam com a decisão do gesto
o muro oposto pela gravidade

Ode marítima é que chamo à ode
escrita ali sobre a pedra do cais
A natureza é certo muito pode
mas um homem de pé pode bem mais
"Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, págs. 151 e 152 
 Editorial Presença Lda., 1984
 

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