domingo, 17 de janeiro de 2021

"Excelsior" - Poema de João de Barros


Claude Monet  (1840–1926), Sunset on the Seine at Lavacourt, Winter Effect, 1880
 


Excelsior

“In memoriam’ à Maria, que soube amar a Vida.”

A tua ânsia,
O teu desejo de partir é, nos teus olhos,
Como, um barco a fugir entre espumas e escolhos
Para a livre distância!

Oh! a evasão
Por uma noite de invernia
Quando o vento sacode e fustiga a energia,
E as nobres aves migradoras vão
- Buscando regiões de calmaria –
Entre o Céu em tormenta e as ondas em cachão!
Depois... a Vida
- Ser muito amada, ser desiludida,
Amar, sofrer, odiar.
Na vertigem do amor aprender a chorar;
Matar com beijos a quimera apetecida...
E na hora maior, e no instante mais puro
Despedaçar, contra o Mistério do Futuro,
A ambição – insofrida!
Mas, calmo e forte,
Mais firme que a desgraça e mais certo que a Morte,
Mais alto que o Destino,
Desfraldar sobre o mundo o orgulho de criar, o impulso de vencer,
- E brandindo-os nas mãos como fachos a arder
Entre a névoa cerrada,
Deixar curvar o seu clarão divino
Para a lama da estradas!

Ah! Todos nós
— Nós que vivemos para além da própria Vida —
Temos o mesmo gesto, a mesma inquieta voz!
Alma de Luz – em febre e amor é consumida ...
E moribundo já, quanta ilusão transida
Vem aquecer-se ainda em nós!...

Assim – resplende. Assim fulgura – e parte
Segue, cantando, o teu desejo, a tua Arte,
Vai, minha Irmã!
A dor é bela, é sempre grande o sofrimento,
Só o tédio é banal, só a mentira é vã...
Veste de esforço o mais amado pensamento.
Deixa o Passado. Exalta o sonho do momento,
E, sem receio, parte!

— Hesitas ao saber que é tão sozinho
O rumo em que se perde a tua mocidade?
Olhas, chorosa e triste de saudade,
Esses que ficam, desdenhando, sem coragem
A audaciosa viagem?
Deixa-os zombar, deixa-os ficar, e desdenhar!
O seu gesto, repara, é covarde e mesquinho,
Têm almas, bem sei, mas só para esquecê-las...
E não vêem sequer que o pó do teu caminho
É poeira de estrelas!... 
 
 
João de Barros (1881-1960)
poema extraído da obra de Fontes de Alencar: Anotações de Poesia
no Centenário da Revista Americana (1909-1919)
Brasília: Thesaurus, 2010.

 [O confronto entre o texto do poema publicado na revista e o que se acha no livro revela variantes versíficas.] 
 

 Lee Campbell, Sunset, 2013 
 
 
Entre uma estrela 
e um vagalume 
o sol se põe.  
 
 
 

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