quarta-feira, 31 de outubro de 2012

"Ode para o futuro" - Poema de Jorge de Sena


Eugène Delacroix, A Paz descendo sobre a Terra
 
 

Ode para o futuro


Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éramos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.

Uma angústia delida, melancólica,
sobre ela sonhareis.

E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárnio, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
- apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.

E, em segredo, saudosos, enlevados,
falareis de nós - de nós! - como de um sonho.


Jorge de Sena


Jorge de Sena
 

Jorge Cândido de Sena (Lisboa, 2 de Novembro de 1919 — Santa Barbara, Califórnia, 4 de Junho de 1978) foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português.
Foi autor de uma obra marcada sobretudo pela reflexão humanista acerca da liberdade do Homem. "Pensador que sente e sentidor que pensa" (Eugénio Lisboa), os seus poemas partem geralmente de um objeto para fixar uma meditação sobre o "eu" e o seu lugar no mundo. Depois de concluir os estudos liceais, ingressou na Escola Naval, curso que não concluiu por impedimentos vários, vindo a formar-se em Engenharia Civil na Universidade do Porto. Ainda durante os estudos universitários, publicou, sob o pseudónimo Teles de Abreu, as suas primeiras composições poéticas em periódicos como Presença e travou conhecimento com o grupo de poetas que viria a reunir-se em torno de Cadernos de Poesia, convivendo, entre outros, com José Blanc de Portugal, Ruy Cinatti, Alberto Serpa e Casais Monteiro. O seu nome surgiria, com efeito, associado a essa publicação que, em 1940, sob o lema de "Poesia é só uma" pretendia distinguir-se pelo ecletismo e pelo diálogo entre várias tendências e gerações poéticas, vindo a codirigir as suas 2.ª e 3.ª séries e subscrevendo uma conceção de poesia que "com todos os seus ingredientes, recursos, apelos aos sentidos, resulta de um compromisso firmado entre um ser humano e o seu tempo, entre uma personalidade e uma sua consciência sensível do mundo, que mutuamente se definem". É, aliás, no âmbito das edições de Cadernos de Poesia que, em 1942, é publicada a sua primeira obra poética: Peregrinação. Ainda durante os anos 40, colaborou com Aventura (1942-43), Litoral (1944), Portucale (2.ª série, 1946), Seara Nova (nas páginas da qual trava, em 1949, polémica com os surrealistas), mantendo ainda colaboração regular com Diário Popular e encetando uma atividade de não somenos importância na sua atividade literária como tradutor de poesia (entre outras obras, saliente-se, na sua bibliografia, 90 e Mais Quatro Poemas de Constantino Cavafy (Porto, 1970), Poesia de Vinte e Seis Séculos: I - de Arquiloco a Calderón, II - de Bashó a Nietzsche (Porto, 1972), Poesia do Século XX (Porto, 1978). A partir de meados dos anos 40 intensificou, paralelamente à atividade profissional como engenheiro da Junta Autónoma de Estradas, a sua atividade de conferencista, proferindo comunicações que incidem frequentemente sobre dois dos seus temas diletos: Camões e Fernando Pessoa (de quem editará, em 1947, as Páginas de Doutrina Estética). Durante os anos 50, afirmou-se como uma das presenças mais influentes e complexas da cultura e literatura portuguesas; é durante essa década que publica algumas das suas mais conhecidas obras poéticas (Metamorfoses, Evidências, Fidelidade); que publica a sua primeira tentativa dramática, a tragédia O Indesejado; que colabora com publicações como Gazeta Musical e de Todas as Artes, Árvore, Notícias do Bloqueio, Cadernos do Meio-Dia; e que organiza a terceira série da antologia Líricas Portuguesas.




A sua postura humanista e o espírito de inconformismo contra a ditadura fascista levaram-no, em 1959, após o envolvimento numa tentativa falhada de golpe de Estado militar contra o regime salazarista, a optar por um exílio voluntário no Brasil, onde viria a exercer funções de docência nos domínios da Literatura Portuguesa e da Teoria da Literatura, nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Assis e de Araraquara, em S. Paulo. Publicou, então, uma série de obras ensaísticas como Da Poesia Portuguesa e desenvolveu uma intensa atividade como congressista, não deixando ainda de, como redator no jornal Portugal Democrático, participar em ações de denúncia da ditadura a partir do exterior. Em 1961, publicou o primeiro volume da sua obra poética completa, encerrando a que tem sido encarada como uma primeira fase poética. No ano anterior publicara o seu primeiro livro de ficção, a coletânea de contos Andanças do Demónio. Face aos obstáculos que sistematicamente eram levantados à sua progressão na carreira académica (primeiro, a sua naturalidade, depois a inadequação curricular entre a sua formação e a lecionação), em 1965 transferiu-se para a Universidade do Wisconsin, Madison, nos Estados Unidos da América, em cujo departamento de Espanhol e Português seria nomeado professor catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira; em 1970, transferiu-se para a Universidade de Califórnia, em Santa Bárbara, onde viria a ser nomeado, dois anos depois, chefe do departamento de Literatura Comparada e, em 1975, chefe do Departamento de Espanhol e Português. Entretanto, participou em inúmeros congressos internacionais; tornou-se membro da Modern Languages Association e da Renaissance Society of America; e empreendeu várias deslocações à Europa, nunca interrompendo a edição quer de títulos de teoria e história literária e estudos literários clássicos, modernos e contemporâneos, quer a obra poética pessoal, publicando, antes e depois da primeira visita autorizada a Portugal em nove anos de exílio, entre 1968 e 1969, os livros de poesia Arte de Música e Peregrinatio ad Loca Infeta. Após o 25 de abril, recebeu várias homenagens públicas em Portugal, sendo condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique e, a título póstumo, com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago e Espada. No ano da sua morte, 1978, vieram a público, revistos pelo autor, os volumes Poesia II e Poesia III, a que se seguiriam, postumamente, os volumes 40 Anos de Servidão e Post-Scriptum II. A obra de Jorge de Sena ocupa uma posição singular na literatura contemporânea nacional e internacional, dado o facto de, enquanto mediadora de uma história literária e cultural com que o autor estabelece um diálogo existencial e textual, se apresentar, segundo o prisma por que for encarada, simultaneamente como clássica, moderna, socialmente empenhada, confessional e surrealizante. Apreciando o conjunto da poesia de Jorge de Sena, no fim dos anos 50, António Ramos Rosa observa como "surrealismo e classicismo" nela se defrontam, "numa extrema tensão, para se fundirem, apesar de aparentemente irreconciliáveis, numa expressão poética de uma grande elegância prosódica, muitas vezes lapidar e finamente musical, e sempre de um conteúdo intelectual, sensível ou afetivo, extremamente rico e depurado", dando corpo a uma poesia complexa que "é, ao mesmo tempo, um exercício espiritual, e um exercício de linguagem, uma poesia de conhecimento e de interrogação filosófica ou metafísica, mas sempre da mais alta intimidade reflexiva que a alma humana possa ter consigo mesma e, ao mesmo tempo, uma poesia mais direta, que corajosamente afronta alguns problemas cruciais da condição humana presente. (ROSA, António Ramos in Cadernos do Meio-Dia, fevereiro de 1959, cit. in SENA, Jorge de - Obra Poética I, 3.ª ed., Lisboa, Ed. 70, 1988, p. 224). A obra poética de Sena, fundindo classicismo e modernismo, realiza a evolução possível na poesia pós-Pessoa, ao superar o subjetivismo que Pessoa anulou com a invenção heteronímica, através da projeção dos sentimentos do sujeito sobre uma superfície objetiva onde aqueles se cristalizam sem emanarem de uma identidade precisa (cf. MAGALHÃES, Joaquim Manuel - Os Dois Crepúsculos, Lisboa, A Regra do Jogo, Lisboa, 1981, pp. 55-56), ou, por outras palavras, "O homem investido pela história e pelo mundo, o homem mediado pela vida exterior tanto como pelo conhecimento que a cultura significa, [informa] em suma um Sena que é mais importante para Sena que ele mesmo enquanto subjetividade privada". Naquele que é um dos mais exaustivos estudos sobre a poesia de Jorge de Sena, Luís Adriano Carlos defende que a "visão poética seniana [incorpora] de forma singular não só uma visão estética mas também uma visão filosófica, uma visão histórica e uma visão tipológica", estabelecendo nomeadamente ligações intertextuais com um campo textual filosófico que introduz "na "razão poética" uma razão dialética - e uma razão fenomenológica, reintegradas numa razão existencial", apresentando, assim, a sua obra poética como "simultânea e correlativamente "objeto histórico" e "objeto fenomenológico" (CARLOS, Luís Adriano - Poética e Poesia de Jorge de Sena, antinomias, tensões, metamorfoses, 2 vols., Porto, Faculdade de Letras, 1993, p. 11, vol. I, p. 13). Em 1979, foi publicado o seu único e inacabado romance, Sinais de Fogo, que tem como objeto a aprendizagem (sexual, poética, política) de um protagonista, pelo olhar do qual é reconstituída uma sociedade portuguesa, provinciana e burguesa, que tem como pano de fundo histórico a guerra civil espanhola.

Jorge de Sena. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-10-31]


Pinturas de Eugène Delacroix
Eugène Delacroix, Louis d'Orleans devoilant une maitresse
 

Eugène Delacroix, Mademoiselle Rose 


Eugène Delacroix, Head of a woman


 Eugène Delacroix, Frightened Horse  


Eugène Delacroix, The Natchez, 1835
 

Eugène Delacroix, Flowers, 1833
 

Eugène Delacroix, Young tiger playing with its mother



Carminho - Alma 2012 - Album Completo



Maria do Carmo de Carvalho Rebelo de Andrade (Lisboa, 20 de Agosto de 1984), conhecida como Carminho, é uma fadista portuguesa. Nasceu numa família de músicos, sendo a sua mãe, Teresa Siqueira, e o seu irmão, Francisco Andrade, também cantores.
Apesar de ter começado a cantar desde criança, só aos 22 anos decidiu fazer carreira musical depois de uma longa viagem pelo mundo que demorou 11 meses que a ajudou a tomar essa decisão. Diz que não precisou de coragem e explica simplesmente que é feliz a cantar o fado.
Tem passado por várias casas de fado como A Taverna do Embuçado, Petisqueira de Alcântara e Mesa de Frades. Esteve na Suíça, numa quinzena temática portuguesa e com esse grupo, Tertúlia de Fado Tradicional gravou quatro canções ("Toca Pr'á Unha", "O Vento Agitou O Trigo", "Fado Pombalinho" e "O Fado da Mouraria") do CD "Saudades do Fado", editado em 2003
Carminho participou no filme "Fados" de Carlos Saura de 2007. O disco com a banda sonora inclui a faixa "Casa de Fados" com a participação de Vicente da Câmara, Maria da Nazaré, Ana Sofia Varela, Carminho, Ricardo Ribeiro e Pedro Moutinho
Em Maio de 2008 participou num concerto de Tiago Bettencourt, também actuou na Casa da Música, na Expo Zaragoza 2008 e foi convidada para o espectáculo comemorativo dos 45 anos de carreira de Carlos do Carmo, no Pavilhão Atlântico. Nesse mesmo ano interpretou "Gritava contra o silêncio", excerto de um conto de Sophia de Mello Breyner Andersen, no primeiro disco de inéditos de João Gil
O disco de estreia, "Fado", produzido por Diogo Clemente  foi editado a 1 de Junho de 2009. 
Participa na campanha de 2011 do Pirilampo Mágico gravando o single "Ser Feliz" com Ney Matogrosso. É um dos vários nomes convidados para o disco "Os Fados e as Canções do Alvim" de Fernando Alvim. 
Colabora também com Pablo Alborán no tema "Perdonáme" que foi um grande sucesso em Espanha e Portugal.
Em Março de 2012 lançou o seu segundo disco intitulado "Alma". A edição brasileira irá incluir duetos com Chico Buarque ("Carolina"), Milton Nascimento ("Cais") e Nana Caymmi ("Contrato de Separação")


"A Cegueira da Governação" - Texto de António Vieira


Eugène Grasset, Three Women and Three Wolves, 1900
 


A Cegueira da Governação


«Príncipes, Reis, Imperadores, Monarcas do Mundo: vedes a ruína dos vossos Reinos, vedes as aflições e misérias dos vossos vassalos, vedes as violências, vedes as opressões, vedes os tributos, vedes as pobrezas, vedes as fomes, vedes as guerras, vedes as mortes, vedes os cativeiros, vedes a assolação de tudo? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Príncipes, Eclesiásticos, grandes, maiores, supremos, e vós, ó Prelados, que estais em seu lugar: vedes as calamidades universais e particulares da Igreja, vedes os destroços da Fé, vedes o descaimento da Religião, vedes o desprezo das Leis Divinas, vedes o abuso do costumes, vedes os pecados públicos, vedes os escândalos, vedes as simonias, vedes os sacrilégios, vedes a falta da doutrina sã, vedes a condenação e perda de tantas almas, dentro e fora da Cristandade? Ou o vedes ou não o vedes. Se o vedes, como não o remediais, e se o não remediais, como o vedes? Estais cegos.»


Padre António Vieira, in Sermões, séc. XVII


Retrato do Padre António Vieira, de autor desconhecido
 do início do século XVIII.


António Vieira (Lisboa, 6 de fevereiro de 1608 — Salvador (Bahia), 18 de julho de 1697) foi um religioso, filósofo, escritor e orador português da Companhia de Jesus
Um dos mais influentes personagens do século XVII em termos de política e oratória, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu infatigavelmente os direitos humanos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização e fazendo a sua evangelização. Era por eles chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi). 
António Vieira defendeu também os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais), e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição. 
Na literatura, seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e português. As universidades frequentemente exigem sua leitura.
Deixou uma obra complexa que exprime as suas opiniões políticas, não sendo propriamente um escritor, mas sim um orador. Além dos Sermões redigiu o Clavis Prophetarum, livro de profecias que nunca concluiu. Entre os inúmeros sermões, alguns dos mais célebres: o "Sermão da Quinta Dominga da Quaresma", o "Sermão da Sexagésima", o "Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda", o "Sermão do Bom Ladrão","Sermão de Santo António aos Peixes" entre outros. 
Vieira deixou para trás cerca de 700 cartas e 200 sermões, além de tratados proféticos, relações etc.


Eugène Grasset, por Nadar
 

Eugène Grasset, nascido em Lausana, Suiça em 25 de maio de 1845 e falecido em Sceaux,  París em 23 de outubro de 1917, foi um escultor, pintor e ilustrador franco-suiço de la Belle Époque e pioneiro do Modernismo. 
Grasset estudou na Escola Politécnica de sua cidade até se interessar pela arte, quando trabalhava como assistente num escritório de arquitetura. Foi para o Egito estudar pintura e gravura e inspirar-se nos milenares hieróglifos das tumbas dos antigos faraós. 
De volta à Europa, foi tragado pelo turbilhão artístico da época: como todo jovem criador, acabou no centro do Universo de seu tempo: Paris. Lá, misturou-se com gente como Alphonse Mucha e passou a ser um dos pais do movimento Art nouveau, que de certa forma ditou grande parte das tendências da arte menos revolucionária do século XX. Prova disso são os edifícios que existem até hoje, inspirados no movimento (sobretudo seu famoso epígono, o art déco)


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière",  Janvier 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière Février", 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière", Mars 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière", Avril 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière", Mai 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière", Juin 1896


Eugène Grasset, Calendrier, "La Belle Jardinière", Juillet 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière", Août 1896


Eugène Grasset,  Calendrier "La Belle Jardinière", Septembre 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière", Octobre 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière",  Novembre 1896


Eugène Grasset, Calendrier "La Belle Jardinière", Décembre 1896


Rão Kyao - Bombaím
 
 
"Para fazer uma obra de arte não basta ter talento, não basta ter força,  
é preciso também viver um grande amor." 

Wolfgang Amadeus Mozart 
 
 
 
Broche Marguerite (maison Vever et Eugène Grasset)
 Musée des Arts Décoratifs
 
 

domingo, 28 de outubro de 2012

"Febre" - Poema de Al Berto


Cruzeiro Seixas, 1977, Sem título -  Pintor Surrealista Português


febre

sopra um vento pelo peito do mareante – vento
cinzento capaz de apagar os gestos que restam e
de limpar os passos incertos pelas ruas do cais

vento
um vento que te sacode as veias os tendões
faz vibrar os músculos e a mastreação – como a árvore
que se desprende das entranhas do mar

corre
corre um vento pelas fissuras da pele – vento
de pó enferrujado abrindo feridas nos animais vivos
colados à memória onde
uma serpente mergulhou no sangue e
desata a fulgurar

sopra um vento pelo peito do mareante
desperta a florescência pálida do plâncton – varre
a noite e lava as mãos dos condenados à morte

corre um vento
vento de febre – sismo de orquídeas que acalma
quando acendes a luz e abres as asas
vibras e
levantas voo

Al Berto


Al Berto - Alberto Raposo Pidwell Tavares (1948 - 1997) 



BIOGRAFIA  
de 
Al Berto 

Al Berto - Alberto Raposo Pidwell Tavares nasce em Coimbra a 11 de Janeiro de 1948. No ano seguinte já está em Sines, onde passa parte da infância e adolescência. Poucos conhecem o seu lado escultórico, mas os amigos de infância ainda recordam os "bonecos" em argila que esculpia em casa, muito antes da António Arroio. Teve sempre um ar extremamente irreverente para o seu tempo. Filho de família da alta burguesia de origem britânica extraordinariamente conservadora, na sua adolescência, traja de modo displicente de calças de ganga e ténis rotos, para escândalo geral. Terá sido a primeira afirmação da sua diferença intelectual. Al Berto frequentou diversos cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde se exilou em 1967. A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura. 
Estreou-se com o título «À Procura do Vento num Jardim d'Agosto», 1977. A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário. Está presente, frequentemente, uma particular atenção ao quotidiano como lugar de objectos e de pessoas, de passagem e de permanência, de ligação entre um tempo histórico e um tempo individual. Posteriormente, os seus textos passam a apresentar um carácter fragmentário, numa ambiguidade entre a poesia e a prosa («Lunário», 1988; e «O Anjo Mudo», 1993). Foi distinguido em 1988 com Prémio Pen Club de Poesia pela obra «O Medo». 

"A eternidade é uma permanência da força que está dentro de nós" 

"Todos os meus livros tiveram um carácter de urgência", disse Al Berto ao jornal "Expresso" um mês antes de falecer.

«Aterrador foi ter-me apercebido o que havia neste livro de premonitório («Horto de Incêndio»). A eternidade não é lerem-me dentro de 50 ou 60 anos ou ficar na história da literatura portuguesa. Só espero que meia dúzia de doidos me leiam agora e isso os toque.» 

"Sinto-me como se tivesse cegado por excesso de olhar o mundo", em «O Medo» 

Al Berto morre de linfoma em Lisboa a 13 de Junho de 1997.


BIBLIOGRAFIA - A OBRA de AL BERTO 
 
«À Procura do Vento num Jardim d'Agosto». Lisboa: 1977. 
«Meu Fruto de Morder, Todas as Horas». Lisboa: 1980. 
«Trabalhos do Olhar». Lisboa: Contexto, 1982. 
«O Último Habitante». Lisboa, 1983. 
«Salsugem». Lisboa: Contexto, 1984. 
«A Seguir o Deserto». Lisboa: & etc., 1984. 
«Três Cartas da Memória das Índias». Lisboa: 1985. 
«Uma Existência de Papel». Porto: Gota d'Água, 1985. 
«O Medo» (Trabalho Poético 1974-1986). Lisboa: Contexto, 1987. 
«O Livro dos Regressos». Lisboa: Frenesi, 1989. 
«A Secreta Vida das Imagens». Lisboa: Contexto, 1991. 
«Canto do Amigo Morto». Lisboa: 1991. 
«Luminoso Afogado». Lisboa: Salamandra / Casa Fernando Pessoa, 1995. 
«Horto de Incêndio». Lisboa: Assírio & Alvim, 1997. 
«O Medo». Lisboa: Assíro & Alvim, 1998. 
Deixou incompletos textos para uma ópera, para um livro de fotografia sobre Portugal e uma «falsa autobiografia», como o próprio autor a intitulava. 
«Lunário». Lisboa: Contexto, 1988. 
«O Anjo Mudo». Lisboa: Contexto, 1993
Origem: http://nescritas.com/
 

- Vida e Obra de Cruzeiro Seixas -
 
Cruzeiro Seixas - Dormitório


Cruzeiro Seixas - O Segredo, 1959, técnica mista sobre papel
 

Cruzeiro Seixas
 (nascido na Amadora a 3 de Dezembro de 1920),  um dos nomes fundamentais do  Surrealismo em Portugal, é autor de um vasto trabalho no campo do desenho e pintura, mas também na poesia, escultura e objetos/escultura. 
Em meados da década de 1940 aproxima-se do neorrealismo, de que se afasta quando adere aos princípios do surrealismo
Juntamente com Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Carlos Calvet, Pedro Oom e Mário-Henrique Leiria, entre outros, integra o grupo Grupo Surrealista de Lisboa, resultante da cisão do recém formado movimento surrealista português. 
 
 

- Vida e Obra de D'Assumpção -
 
Pintura de D'Assumpção


D'Assumpção, Sem título, 1950


D'Assumpção,  Abstracção, 1960


Pintura de D'Assumpção


Pintura de D'Assumpção


Pintura de D'Assumpção


Pintura de D'Assumpção


Pintura de D'Assumpção


Pintura de D'Assumpção


Manuel Trindade D’Assumpção (Lisboa, 24 de Abril de 1926 - Lisboa, 21 de Julho de 1969) foi um pintor surrealista português.
Em 1934 parte para Portalegre, juntamente com a irmã e a madrasta. Inicia os seus estudos de pintura e fotografia com o pai, Luís D’Assumpção, e com Miguel Barrias, um pintor expressionista de talento. 
Em 1947, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, partiu para Paris onde se tornou discípulo de Fernand Léger, tendo depois estudado História da Arte com Jean Cassou no Louvre. Conheceu Atlan e Hains, pintores líricos, e António Maria Lisboa, que se tornou a sua única amizade definitiva e tutelar e de quem pintou um retrato. A morte do poeta, em 1953, causou-lhe grande impressão. 
Isolou-se em Portalegre, onde realizou para um café local um quadro, "Último Bailado" - Homenagem a Paul Éluard (1955), depois de numerosos quadros surrealistas, que desapareceram. Em 1958, regressa a Lisboa, disposto a expor, como acontece no Salão de Outono da S.N.B.A., onde, ao apresentar o quadro intitulado Génesis, que o critico José Augusto França elogiou num artigo no Diário de Noticias, atraiu as atenções do público mais esclarecido, conquistando rapidamente um núcleo de admiradores. Ainda no mesmo ano é premiado em Vila Real, sendo-lhe adquirido um quadro para o Museu de Arte Contemporânea. 
A sua pintura desta época apresenta grandes arquitecturas abstractas retalhadas, onde os contrastes de cores e de valores luminosos sugerem dinamicamente uma profundidade pura. Trata-se, numa primeira aproximação, de uma pintura cujo espaço ambíguo está próximo do da pintura da Escola de Paris, nomeadamente a de Alfred Mannessier e a de Bertholle, não sendo porém alheia à ambição surrealista de um Paalen. Em breve esta ambição do surreal leva D’Assumpção a conjugar estas arquitecturas com grandes figuras transparentes de intenção cabalística ou com sugestões de esferas e planos dinâmicos, em alusão simbólica ao cosmos. Alguns títulos são indicativos desta ambição poética: Génesis (1958), Mística (1958), Espaço-Deus (l960), etc. 
Em várias declarações, o próprio D’Assumpção não se considerava um artista, mas um médium. Em 1950, escreveu: "Quem disser que eu sou um artista está enganado. A pintura que faço não é minha, mas obra de um enorme Deus, que eu não vejo e que raramente cai em mim."  Mais tarde, dizia aos seus amigos: "Pense bem, não é artista quem quer, embora todos tenham a liberdade de o querer; só é artista quem é." 
Inegavelmente bem apetrechado tecnicamente e vivendo quotidianamente o desespero da sua ambição criadora, D’Assumpção impressionou fortemente alguns pintores e poetas, mas o seu convívio difícil aumentou a sua solidão. Suicidou-se em 1969 com 43 anos de idade.
Em Portugal, encontra-se representado no Museu Municipal de Portalegre, Museu Nacional de Arte Contemporânea, Fundação Calouste Gulbenkian, Biblioteca-Museu Municipal de Albano Sardoeira, em Amarante, e Biblioteca da Câmara Municipal de Matosinhos. (Daqui)
 
 

- Vida e Obra de António Pedro -

Obra de António Pedro - Pintor surrealista português
 
 

 Obra de António Pedro
 
 
António Pedro da Costa (Cidade da Praia, 9 de Dezembro de 1909 — Caminha, Moledo, 17 de Agosto de 1966) foi um ator, encenador, escritor, poeta, jornalista, pintor, artista plástico, antiquário e coleccionador de arte português.
António Pedro viveu em Paris entre 1934 e 1935 onde chegou a estudar no Instituto de Arte e Arqueologia da Universidade de Sorbonne. 
Surrealismo surge nos horizontes culturais portugueses a partir de 1936 em grande parte pela sua mão, em experiências literárias «automáticas» que realiza com alguns amigos. 
Em 1940 realiza, com António Dacosta e Pamela Boden (Casa Repe, Lisboa) aquela que é considerada a primeira exposição surrealista em Portugal,
Entre 1944 e 1945 vive e trabalha em Londres na British Broadcasting Corporation (B.B.C.), tendo feito parte do grupo surrealista de Londres.
Precursor do movimento surrealista português, fez parte do Grupo Surrealista de Lisboa, criado em 1947 por Cândido Costa Pinto (expulso ainda na fase inicial de formação do grupo), Marcelino Vespeira, Fernando Azevedo e Mário Cesarini, entre outros, tendo participado na I Exposição Surrealista em Lisboa (1949).
Com uma forte ligação ao teatro, foi diretor do Teatro Apolo (Lisboa) em 1949 e diretor, figurinista e
encenador do Teatro Experimental do Porto entre 1953 e 1961. 
Entre 1944 e 1945, foi crítico de arte e cronista da BBC em Londres. 
Grande parte da sua obra como pintor perdeu-se em 1944 aquando dum incêndio no seu atelier. (Daqui)


Bond - 'Explosive'

"Autobiografia" - Texto de Maria Alberta Menéres


Maria Alberta Menéres


Autobiografia 

Prometi, é verdade. Prometi escrever aqui para o Jornal de Letras a minha Autobiografia. Foi um convite que muito me sensibilizou e mesmo entusiasmou. Mas logo a seguir me afligiu. E depois me apavorou. Telefonei então - tarde e a más horas, reconheço, só para dizer que não ia corresponder a tal convite, porque de repente reparei que havia peripécias da minha vida, tão incríveis que ninguém ia acreditar que fossem reais! Não consegui provar que esta fosse uma grande razão para desistir, e por isso aqui estou, incautamente contando algumas verdades da minha vida. 

- Nasci no dia 25 de Agosto de 1930, em Vila Nova de Gaia. Naquele tempo, era muito habitual nascer em casa, com assistência de um médico de família. Lembro-me perfeitamente de nascer. Lembro-me de ter sido o meu pai quem me recebeu nos seus braços e me levou para um sofá amarelo que estava ali no quarto deles. Primeiro, fiquei sossegada, mas de repente comecei a espernear e ouvi claramente a minha mãe dar um grande grito: «Ai, a menina!». O meu pai correu e conseguiu apanhar-me já no ar, entre o sofá e o chão. - Durante largos anos, aquela sensação de cair, desse dia, fez com que, volta não volta, eu passasse a acordar de noite e sempre à mesma hora do meu nascimento, arrepiada pelo meu próprio grito. Um dia, esse grito acabou, sem qualquer razão. Mas não acabou na minha memória, todo o tempo que vivo (a cores, e com o entendimento de uma especial situação). Sempre pensei que este fosse um caso único no mundo, mas um dia li numa revista médica cujo nome não guardei, que há mais casos destes no mundo, embora sejam muitíssimo raros. Entretanto, nasceram as minhas duas irmãs mais novas, mais «normais» ... 

- Quando eu tinha seis anos, morreu o meu avô Materno, Artur Rovisco, que era médico e veterinário, e que andava a cavalo, pelos campos, a curar pessoas e animais. Primo (como irmão) de Rovisco Pais, era um avô encantador, casado com a minha avó Adelina. Por morte desse meu avô, que deixou duas herdades ribatejanas à minha mãe, saímos definitivamente de Vila Nova de Gaia e fomos viver lá para o campo, onde fiz a primeira e ingénua aprendizagem do que é viver longe de qualquer civilização, à distância de dez quilómetros da aldeia que ficava mais perto! Foi um tempo maravilhoso e inesquecível, em que aprendi a trepar às árvores num instantinho, a visitar as tocas das raposas e a ser amiga dos seus filhotes; a ajudar as galinhas a fugir dos milhafres, e os patos a não serem tão patarecos ... ; e a andar a cavalo sem sela, só agarrada às suas crinas; e a perder-me de propósito ... o que passou a ser a grande aflição dos meus pais e de todos os trabalhadores de lá… Mas eu adorava perder-me por aquelas solidões todas, até que um dia, sob uma violenta trovoada, e já sem perceber o caminho para casa, encontrei um velho camponês que me disse: - «A menina deixe o cavalo ir para onde ele quiser, que ele é que sabe o caminho para a cocheira dele! Largue-lhe as rédeas!» E assim foi. Quando cheguei a casa, estava tudo em pânico por não me encontrarem em lado nenhum, e por saberem que os cavalos não gostam lá muito de trovoadas! Aprendi a ir buscar água à Fonte dos Marmeleiros, em cântaros enfiados nas cangalhas que iam em cima dos burros; a fugir dos enxames de abelhas; a não ter medo dos relâmpagos e dos trovões - enfim, a saber fazer parte da natureza em toda a sua força e esplendor. E lia, lia muito. Lia tudo o que apanhava à mão. E comecei a escrever - à minha moda. 

Esta primeira aprendizagem de um tempo de liberdade e de descoberta, foi o grande primeiro impulso da minha vontade de ser escritora. Entretanto, o meu avô paterno enviava-me, de Vila Nova de Gaia, livros fantásticos como por exemplo, todos os Clássicos da Sá da Costa, entre os quais a Ilíada e a Odisseia! E também me enviava livros do Brasil, onde tinham casado a sua mãe e o seu pai e meu bisavô Clemente Menéres, antes de este ter comprado as terras transmontanas do Romeu. Desses livros todos, destaco alguns de Monteiro Lobato e a célebre colecção de uma revista mensal para jovens, chamada O Tico Tico, de que ainda hoje conservo todos os números, religiosamente! Mas ali, no meio do campo ribatejano, não havia ninguém que nos desse uma normal instrução, e então os meus pais levaram-nos, primeiro a mim e, nos anos seguintes, as minhas irmãs, para um Colégio interno, em Lisboa - primeiro, um de Franciscanas Missionárias, e depois para outro que era das Irmãs Doroteias no qual, como ninguém me vencia nos saltos em altura, inventei que voava e, para não me esquecer, «programei» o espectáculo dos meus voos para as quintas-feiras, às cinco horas da tarde! Foi um horror, porque todas as quintas-feiras, às cinco horas da tarde, eu tinha de me esconder, para, logo que passassem uns minutos, aparecer e fingir que estava muito desolada por já ter passado o tempo dos meus voos! E isto durou uns dois anos ... 

Só que um dia de festa grande lá no Colégio, aconteceu que era uma quinta-feira e era quase cinco horas, estando o Colégio todo reunido num grande Salão. Não me consegui escapar!!! Toda a gente gritava para eu voar, e então, muito afoita, trepei para o alto de um enorme quadro de mogno que ali estava e, em frente de todo o Colégio, lancei-me no espaço, a voar! A minha ideia era que, com o impulso que dei, firmando o pé na parede que tinha atrás de mim, e fazendo-me muito levezinha, conseguisse chegar ao fundo do Salão ... mas o pior é que, mal me lancei no ar, fez-se ouvir a estridente campainha das cinco horas do Colégio, e eu só tive tempo de gritar «diabo de campainha!!!» e, levemente aterrei no chão de mármore encerado. Senti logo que tinha partido um pé, mas não dei parte de fraca ... Houve um grito geral: «Ela já estava a voar! Ela estava a voar!!! Se não fosse a campainha, tinha dado a volta à sala! !!» Eu sorria, e não disse nada que tinha magoado um pé, que afinal estava mesmo partido. Estive quase um mês na enfermaria do Colégio, onde recebi muitas visitas sempre e me fartei de dar autógrafos ... E difícil de acreditar, mas ainda hoje, lá de vez em quando, encontro pessoas que não conheço e ouviram falar das minhas aventuras, e me perguntam: «Você é a Alberta que voa?!» É claro que digo logo que sim, e tudo acaba numa grande e cúmplice risota!!! 

Foi desta e de muitas outras aventuras assim loucas que se fez a minha infância. E motivos para escrever para os mais novos, principalmente, nunca mais acabam. Até porque eu acredito, ao fim e ao cabo, que «todas as coisas têm uma história para contar». Agora, assim de repente, é que reparo que me esqueci de dizer como foi que comecei a entender mais claramente que gostava de ser escritora! Tinha começado o tempo das férias de Verão e eu estava quase a fazer 10 anos. Nunca ninguém deve ter entrado na praia de Vila do Conde, como eu entrei: de Dicionário debaixo do braço, toda contente! Era uma paixão bem recente: «Que maravilha existir um livro que explicasse o que queriam dizer todas as palavras do mundo!» (pensava eu). Assim, já poderia ser escritora! E logo que eu e a família nos instalámos na barraca de praia onde íamos passar a manhã, eu sentei-me lá na frente, junto ao mar, e «sentei» também o Dicionário ao meu lado, em cima da toalha de praia. Pedi à minha mãe que me desse um caderninho que ela trazia muitas vezes com ela, e um lápis. Pronto! Já podia ser escritora. E, a escolher e a escrever uma palavra aqui e outra além, com os sentidos que de repente me apareciam mesmo mágicos, escrevi a primeira quadra da minha vida, que era assim: “Num sibilar longínquo o mar rugia a chorar: é que um segredo iníquo o fazia meditar!" E fiquei fascinada: que bonita! Não sabia nada o que queriam dizer, estas palavras, mas era muito bonito o que tinha escrito! ... (pensava eu) Agora, reparando bem: um sibilar é sempre baixinho, secreto, nunca pode ser longínquo ... E o mar, como seria rugir a chorar, se até estava tão mansinho naquele dia?! E o que seria um segredo iníquo, que eu nem sabia bem o que queria dizer, mas certamente não era coisa que permitisse muitas meditações ... Eu queria lá saber destas impossibilidades! Só pensava que era tão bom poder escrever assim coisas tão misteriosas e tão belas! (E não me calava, com esta descoberta.) Nunca mais parei de escrever. Já sem a necessidade de consultar o Dicionário - mas sempre admirada pela nossa capacidade humana de admirar e de sentir. De momento, continuo a andar de Escola em Escola, e de Câmara Municipal em Câmara Municipal, conversando com os professores e os alunos e levando a todos a minha ideia de que é bom viver num mundo que está cheio de histórias contadas e por contar, e que as podemos descobrir ao longo de toda a nossa vida - sempre diferentes, conforme os olhos que as vêem e o coração que as sente. Não há receitas para estas descobertas, mas apenas estratégias sensíveis que, se nós as quisermos descobrir, veremos como poderão dar mais sentido e beleza à nossa vida de todos os dias. 

Maria Alberta Menéres, Jornal de Letras 2006


Maria Alberta Menéres e a filha Eugénia de Melo e Castro

A cantora Eugénia de Melo e Castro canta os poemas da sua mãe, a escritora Maria Alberta Menéres, que foram transformados em canções infantis. Os 14 poemas musicados foram retirados do primeiro livro de poesia infantil de Maria Alberta Menéres – Conversas com Versos, um best seller infantil sem precedentes, escrito e editado em 1968. O livro, com diversas reedições, está  integrado na Biblioteca Maria Alberta Menéres, editada pela ASA.


Invention of Love (2010) - Animated Short Film 


"Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos." 

(Manoel de Barros)


sábado, 27 de outubro de 2012

"Timidez" - Poema de Maria Alberta Menéres


Tullia Masinari - Jogar às escondidas na rua



TIMIDEZ 


O bicho-de-conta 
Faz de conta, faz 
Que é cabeça tonta 
Mas lá bem no fundo 
Não é mau rapaz. 

Se a gente lhe toca, 
Logo se disfarça: 
Veste-se de bola. 
Por mais que se faça 
Não se desenrola. 

Lá dentro escondendo 
Patinhas e rosto 
É todo um segredo: 
Se eu fosse menino 
Comigo brincava 
Sem medo, sem medo. 


Maria Alberta Menéres, 
Conversas com Versos, 2005





A editora Asa publicou com regularidade, a obra completa de Maria Alberta Menéres, quer em prosa, quer em verso, dedicado às crianças. A poetisa, que é figura de destaque da chamada geração de 50, havendo, até, colaborado nas folhas de poesia Távola Redonda, tem composto, como os seus pares Matilde Rosa Araújo, Fernando de Paços, Eugénio de Andrade, Rosa Lobato Faria, Sidónio Muralha, versos destinados ao leitor infanto-juvenil. Os temas são extremamente variados, desde os animais, plantas, objectos, sentimentos. São cinquenta e nove poemas cheios de graça, de lirismo e de beleza, a divertirem e a educarem a sensibilidade dos mais novos. Vale a pena citar outro poema escolhido à toa, nestas páginas primorosamente ilustradas por Rui Castro: Intitula-se Romance


"Havia um peixe no ar, 
um papagaio no mar, 
uma lâmpada no olhar, 
um cogumelo a chorar.

- Mãe, em que história seria? 

A princesa na floresta 
bebia orvalho e cantava, 
de sua boca tombando 
o que de sonho tombava. 

- Mãe, em que história eu fugia? 

Doze anões e uma antiga 
branca de neve, quem sabe? 
Havia um gato de botas
onde o meu pé já não cabe. 

- Mãe, em que história aparecia? 

Ah, montanhas de cristal 
onde um cavalo espantava
e um espelho que tudo via 
mil respostas me não dava. 

- Mãe, em que história eu dormia?



Ilustrações de Tullia Masinari
Ilustração de Tullia Masinari


(...) Enquanto a leitura for para nós a iniciadora cujas chaves mágicas nos abrem no fundo de nós próprios a porta das habitações onde não teríamos conseguido penetrar, o papel dela na nossa vida será salutar. (...)

Marcel Proust 



Tullia Masinari - Saltar à corda


“Use a sua luz, mas diminua o seu brilho.” 



Tullia Masinari - Saltar ao eixo


“Grandes realizações são possíveis quando se dá atenção aos pequenos começos.” 

(Lao Zi)


Tullia Masinari - Jogo da cabra cega


“Saber e não fazer, ainda não é saber.” 

(Lao Zi)


Tullia Masinari - Jogo corrida de sacos


“A atividade vence o frio. A quietude vence o calor.” 

(Lao Zi)


Tullia Masinari - Jogar ao berlinde


“Amar não é apoderar-se do outro para completar-se, mas dar-se ao outro para completá-lo.” 

(Lao Zi) 


Tullia Masinari - Jogar a bola


"Aquilo que ouço, esqueço; 
aquilo que vejo, lembro, 
aquilo que faço, entendo."

(Lao Zi)


Tullia Masinari - Jogo da Bandeira


"Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina!"

(Lao Zi)


Tullia Masinari


"Sempre tive pena de mim por não ter sapatos. 
Um dia, encontrei um homem que não tinha pés." 

(Lao Zi)


Tullia Masinari 


"Se estiveres no caminho certo, avança;
 se estiveres no errado, recua."

(Lao Zi)


Tullia Masinari 


"Se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por um dia. Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida."

(Lao Zi)



Tullia Masinari 


"A bondade em palavras cria confiança; 
a bondade em pensamento cria profundidade;
 a bondade em dádiva cria amor."

 (Lao Zi)


Tullia Masinari 


"Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência.
 Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão."

(Lao Zi)


Tullia Masinari 


"O sábio não se exibe e vejam como é notado. 
Renuncia a si mesmo e jamais é esquecido."

 (Lao Zi)


Tullia Masinari -  Le dune di Dunhuang - deserto del Gobi Cina


"Lança o saber e não terás tristeza." 

(Lao Zi)


Tullia Masinari 


"O homem realmente culto não se envergonha de fazer perguntas também aos menos instruídos." 



Lao Zi (também conhecido como Lao-Tzu e Lao-Tze) foi um importante filósofo da China antiga, conhecido como o autor do "Tao Te Ching", a obra basilar da filosofia taoísta.


Tullia Masinari 


"As paixões ensinaram a razão aos homens." 

(William Shakespeare) 


Tullia Masinari 


"Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar." 

(Friedrich Nietzsche)


Tullia Masinari 


"As «histórias» dos meus livros são desde há muito dadas por manchas como uma pintura." 

(Vergílio Ferreira)



Dueto de Eugénia com Chico Buarque
Retirado do CD "DESCONSTRUÇÃO"