Marcel Duchamp, Fonte (urinol), 1917
Maravilhosa invenção!
Ao fundo, e como um altar-mor, era o gabinete de trabalho de Jacinto. A sua cadeira, grave e abacial, de couro, com brasões, datava do século XIV, e em torno dela pendiam numerosos tubos acústicos, que, sobre os panejamentos de seda cor de musgo e cor de hera, pareciam serpentes adormecidas e suspensas num velho muro de quinta. Nunca recordo sem assombro a sua mesa, recoberta toda de sagazes e subtis instrumentos para cortar papel, numerar páginas, colar estampilhas, aguçar lápis, raspar emendas, imprimir datas, derreter lacre, cintar documentos, carimbar contas! Uns de níquel, outros de aço, rebrilhantes e frios, todos eram de um manejo laborioso e lento: alguns, com as molas rígidas, as pontas vivas, brilhavam e feriam: e nas largas folhas de papel Whatman em que ele escrevia, e que custavam quinhentos réis, eu por vezes surpreendi gotas de sangue do meu amigo. Mas a todos ele considerava indispensáveis para compor as suas cartas (Jacinto não compunha obras), assim como os trinta e cinco dicionários, e os manuais, e as enciclopédias, e os guias, e os directórios, atulhando uma estante isolada, esguia, em forma de torre, que silenciosamente girava sobre o seu pedestal, e que eu denominara o Farol. O que, porém, mais completamente imprimia àquele gabinete um portentoso carácter de civilização eram, sobre as suas peanhas de carvalho, os grandes aparelhos, facilitadores do pensamento — a máquina de escrever, os autocopistas, o telégrafo Morse, o fonógrafo, o telefone, o teatrofone, outros ainda, todos com metais luzidios, todos com longos fios. Constantemente sons curtos e secos retiniam no ar morno daquele santuário. Tique, tique, tique! Dlim, dlim, dlim! Craque, craque, craque! Trrre, Trrre, Trrre!... Era o meu amigo comunicando. Todos esses fios mergulhados em forças universais transmitiam forças universais. E elas nem sempre, desgraçadamente, se conservavam domadas e disciplinadas! Jacinto recolhera no fonógrafo a voz do conselheiro Pinto Porto, uma voz oracular e rotunda, no momento de exclamar com respeito, com autoridade:
— Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?
Eça de Queirós, Civilização, 1892.
Vida e Obra de Marcel Duchamp
Marcel Duchamp, 1913, Roda de Bicicleta. Dadaismo
Marcel Duchamp foi um importante pintor, escultor e poeta francês. Nasceu em
28 de julho de 1887 na cidade francesa de Blainville-Crevon e faleceu em
2 de outubro de 1968, na cidade de Nova Iorque. É um dos grandes
representantes do
movimento artístico conhecido como dadaísmo.
Marcel Duchamp
Marcel Duchamp, aos 14 anos de idade, pintou suas primeiras obras com grande influência impressionista. Aos 16 anos de idade deixou a casa da família e foi morar em Paris com
seu irmão. Nesta época, tentou entrar na Escola de Belas Artes, porém
foi reprovado no exame. Foi então estudar artes na Academia Julian.
Entre 1906 e 1907 fez vários trabalhos de conotação humorística. Em
1907, cinco de seus trabalhos foram selecionados para o Primeiro Salão
de Artistas Humoristas.
A partir de 1911 começou a pintar telas com influência cubista. É
desta fase a obra Sonata. Ainda neste ano cria sua primeira obra
inovadora, com influência cubista, Retrato de jogadores de xadrez.
Em 1913 criou o ready-made (manifestação artística que rompe com o
tradicional e pega objetos práticos para transforma-los em obras de
arte). Maior exemplo é a obra Fonte, criada em 1917, a partir de um
urinol. Porém, sua primeira obra ready-made, Roda de bicicleta sobre um
banquinho, foi criada em 1913.
Em 1915, foi morar na cidade de Nova Iorque. Em 1916, surgiu o dadaísmo e Duchamp passou a fazer parte do grupo de artistas dadaístas de Nova Iorque.
Em 1920, viajou para Paris e entrou em contato com artistas dadaístas europeus, entre eles André Breton.
Marcel Duchamp
No começo da década de 1920, participou de vários torneios de xadrez, outra área que demonstrava grande interesse, além das artes plásticas. Em 1927 casou-se com Lydie Sarrazin-Levassor. Porém divorciou-se no ano seguinte. Em 1933 participou de seu último torneio de xadrez. Em 1955, Duchamp nacionalizou-se estadunidense.
Marcel Duchamp playing chess in 1952.
(Kay Bell Reynal photo in the Smithsonian Institution Archives of American Art.)
Marcel Duchamp foi um dos precursores da arte conceitual e introduziu a ideia de ready made como objeto de arte. Quando tirava uma peça de seu ambiente natural - como fez com uma roda de bicicleta e um banquinho de madeira ou até com uma louça de sanitário masculino (urinol) - e dava aos objetos a envergadura de um objeto de arte, o que desejava era instigar o pensamento, provocar um raciocínio, destruir a quietude das coisas aceites e estabelecidas. Ele contribuiu para o infindável debate entre o que é e o que não é arte.
Marcel Duchamp, 1919, L.H.O.O.Q.
(Lápis sobre uma gravura de Mona Lisa de Leonardo da Vinci)
Quando pintou bigodes na Mona Lisa de Leonardo da Vinci, colocava nitidamente o seu desprezo pela arte clássica. Colocar a Mona Lisa e um urinol no mesmo patamar é uma provocação. Duchamp foi um provocador. Com o
seu posicionamento, Duchamp não buscava o belo nem a aprovação
do público. Ele procurava o âmago das emoções humanas, as reações
instintivas. Disse na época:“Transformar todas as pequenas manifestações
externas de energia, em excesso ou desperdiçadas, como por exemplo,
o crescimento dos cabelos ou das unhas, a queda da urina ou das
fezes, os movimentos impulsivos do medo, do assombro, do riso, a
queda da lágrima, os gestos da mãos, o olhar frio, o ronco ao se
dormir, a ejaculação, o vómito, o desmaio, etc".
Marcel Duchamp, Bottlerack, 1914
O que o artista propunha era uma arte conceitual, na qual a ideia era mais importante que a execução da obra pelas mãos do artista. Daí a sua série ready-made (o transporte de um elemento da vida quotidiana, a priori não reconhecido como artístico, para o campo das artes), objetos industriais que ele expunha como obra de arte. Ele pretendia despertar uma nova maneira de ver o mundo e as coisas.
Marcel Duchamp, A grande imagem de vidro, 1915-1923
A obra de Duchamp deixou um legado importante para as experimentações artísticas subsequentes, tais como o Dadaísmo, o Surrealismo, o Expressionismo Abstrato, a Arte Conceitual, entre outros.
Marcel Duchamp, Nude Descending a Staircase,
No. 2 (1912). Oil on canvas.
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