sábado, 10 de agosto de 2024

"Os Velhos" - Poema de Carlos Drummond de Andrade


Charles Spencelayh (English genre painter and portraitist in the Academic style, 1865–1958),
Grandfather's and grandmother's treasures, 1945.
 


Os Velhos
 

Todos nasceram velhos — desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre — sempre
assim como estão hoje
e não deixarão nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do Juízo Final. 

Os mais velhos têm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
não menos de 50 — enormidade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proíbe. Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal?
Quem infringiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida? 

Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarão
comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de monossílabos, resmungos,
tosse conclusiva. 

Nem me veem passar. Não me dão confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados,
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milénios. 

Sigo, seco e só, atravessando
a floresta de velhos. 
 
 
Carlos Drummond de Andrade
, in 'Boitempo II'
São Paulo: Record, 1986.
 
 
Charles Spencelayh, Visitors Expected, s.d.
 
 
Charles Spencelayh, The Old Copyist, s.d.
 
 
Charles Spencelayh, The Latest News, s.d.
 
 
Charles Spencelayh, His Birthday, 1925.
 
 
 
Charles Spencelayh, Solitaire, s.d.
 
 
"Não honrar a velhice é demolir, de manhã, a casa onde vamos dormir à noite." 
 
"Ne pas honorer la vieillesse, c'est démolir le matin la maison où l'on doit coucher le soir."
 
Jean-Baptiste Alphonse Karr, "Une poignée de vérités: Mélanges philosophiques"‎
- Página 534, - Didier, 1853 - 344 páginas. 
 

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