No mundo há muitas armadilhas
No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha.
Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Troia
há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
(e depois foi traído, preso, enforcado).
No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca.
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?
Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga.
A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.
Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e aguentarás até o fim.
O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje.
A estrela mente
o mar sofisma. De facto,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los.
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.”
Ferreira Gullar, Dentro da Noite Veloz, 1975.
Ferreira Gullar, "Dentro da Noite Veloz"
Companhia das Letras, 2018
Companhia das Letras, 2018
Resumo
Lançado em 1975, este volume de poemas de Ferreira Gullar é marcado pela intensa carga política.
Ao aliar excecional qualidade literária e aguda preocupação com as questões sociais, Dentro da noite veloz é um livro altamente engajado. Em poemas célebres como "Não há vagas" e "Homem comum", Ferreira Gullar, em tom questionador e inquieto, denuncia a realidade cruel e desigual do país.
No prefácio a esta edição, Armando Freitas Filho aponta: "É isso que este livro imenso nos mostra: a vida, a aventura, o perigo do universo que nos convida para a peripécia existencial de cada um de nós. Ninguém melhor que Ferreira Gullar para nos fazer viver e morrer, com sua experiência humana e destemida que passa dentro dessa noite feroz e veloz, sempre a postos para uma nova e — se necessário for — combativa manhã". (daqui)
Ao aliar excecional qualidade literária e aguda preocupação com as questões sociais, Dentro da noite veloz é um livro altamente engajado. Em poemas célebres como "Não há vagas" e "Homem comum", Ferreira Gullar, em tom questionador e inquieto, denuncia a realidade cruel e desigual do país.
No prefácio a esta edição, Armando Freitas Filho aponta: "É isso que este livro imenso nos mostra: a vida, a aventura, o perigo do universo que nos convida para a peripécia existencial de cada um de nós. Ninguém melhor que Ferreira Gullar para nos fazer viver e morrer, com sua experiência humana e destemida que passa dentro dessa noite feroz e veloz, sempre a postos para uma nova e — se necessário for — combativa manhã". (daqui)
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