quinta-feira, 8 de agosto de 2024

"Aproximação do Terror" - Poema de Murilo Mendes

 
 
Rafael Romero de Torres (Pintor espanhol, 1865 - 1898), Los últimos sacramentos"
também conhecido como "El albañil herido", 1890.
Museo de Bellas Artes de Córdoba.
 

Aproximação do Terror

1

Dos braços do poeta
Pende a ópera do mundo
(Tempo, cirurgião do mundo):

O abismo bate palmas,
A noite aponta o revólver.
Ouço a multidão, o coro do universo,
O trote das estrelas
Já nos subúrbios da caneta:
As rosas perderam a fala.
Entrega-se a morte a domicílio.
Dos braços...
Pende a ópera do mundo.

2

Tenho que dar de comer ao poema.
Novas perturbações me alimentam:
Nem tudo o que penso agora
Posso dizer por papel e tinta.
O poeta já nasce conscrito,
Atento às fascinantes inclinações do erro,
Já nasce com as cicatrizes da liberdade.

O ouvido soprando sua trompa
Percebe a galope
A marcha do número 666.

Palpo as Quimeras,
O tremor
E os jasmins da palavra «jamais».

3

Dos telhados abstratos
Vejo os limites da pele,
Assisto crescerem os cabelos dos minutos
No instante da eternidade.
Vejo ouvindo, ouço vendo.

Considero as tatuagens dos peixes,
O astro monossecular.
Os rochedos colocam-se máscaras contra pássaros asfixiantes,
A grande Babilónia ergue o corpo de dólares.
Ruído surdo, o tempo oco a tombar...
A espiral das gerações cresce. 


Murilo Mendes
, in Poesia Completa,
Rio de Janeiro, 1994.


Rafael Romero de Torres, Sin trabajo!, 1888. (Realismo social)


"Um homem desejoso de trabalhar, e que não consegue encontrar trabalho, talvez seja o espetáculo mais triste que a desigualdade ostenta ao cimo da terra."
 
(Thomas Carlyle)
 

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