quinta-feira, 31 de julho de 2014

"Intangível" - Poema de Charles Baudelaire


Joaquín Sorolla y Bastida, Cafe in Paris,1885


Intangível


Quero-te como quero à abóbada noturna, 
Ó vazo de tristeza, ó grande taciturna! 
E tanto mais te quero, ó minha bem amada, 
Por te ver a fugir, mostrado-te empenhada 
Em fazer aumentar, irónica, a distância 

Que me separa a mim da celestial estância. 
Bem a quero atingir, a abóbada estrelada, 
Mas, se julgo alcançar, vejo-a mais afastada! 
Pois se eu adoro até - ferro monstro, acredita! - 
O teu frio desdém, que te faz mais bonita! 


Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães 


Galeria de Joaquín Sorolla y Bastida
Joaquín Sorolla y Bastida, The Happy Day, 1892


Joaquín Sorolla y Bastida, The First Child, 1890


Joaquín Sorolla y Bastida, Kissing the Relic


Joaquín Sorolla y Bastida, The Suckling Child, 1894


Joaquín Sorolla y Bastida, Blessing the Boat,1895


Joaquín Sorolla y Bastida, Entrance to Central Park


"A mais nobre paixão humana é aquela que ama a imagem da beleza em vez da realidade material. O maior prazer está na contemplação." 



segunda-feira, 28 de julho de 2014

"O Relógio" - Poema de Gonçalves Crespo


Giuseppe De Nittis, In the Lamplight, 1880
 


O Relógio


Ebúrneo é o mostrador: as horas são de prata
Lê-se a firma Bruguet por baixo do gracioso
Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata:
Nela o esmalte produz um quadro delicioso.

Repara: eis um salão: casquilho malicioso
Das festas cortesãs o mimo, a flor, a nata,
Junto a um cravo sonoro a alegre voz desata.
Uma fidalga o escuta ébria de amor e gozo.

Rasga-se ampla a janela; ao longe o olhar descobre
O correto jardim e o parque extenso e nobre.
As nuvens no alto céu flutuam como espumas,

Da paisagem no fundo, em lago transparente,
Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,
Um cisne à luz do sol estende as níveas plumas. 


Gonçalves Crespo, in 'Nocturnos'
 
 

Giuseppe De Nittis, Return from the Races, 1875
 

"O homem que não amou apaixonadamente, ignora a metade mais formosa da existência."

(Stendhal) 
 

Giuseppe De Nittis, The Races at Longchamps from the Grandstand,1883
 

"Renúncia" - Poema de Virgínia Vitorino


Sir Oswald Hornby Joseph Birley (English portrait painter, 1880 - 1952)
Miss Muriel Gore in a fortuny dress, 1919



Renúncia


Fui nova, mas fui triste; só eu sei
como passou por mim a mocidade!
Cantar era o dever da minha idade…
Devia ter cantado, e não cantei!

Fui bela. Fui amada. E desprezei…
Não quis beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade…
Devia ter amado, e não amei!

Ai de mim! Nem saudades, nem desejos;
nem cinzas mortas, nem calor de beijos…
— Eu nada soube, nada quis prender!

E o que me resta? Uma amargura infinda:
ver que é, para morrer, tão cedo ainda,
e que é tão tarde já para viver!


Virgínia Vitorino




Virgínia Vitorino
[Alcobaça, 1895 -
Lisboa 1967] 


Poetisa e autora teatral, a sua estreia literária verificou-se em 1921, com um livro de sonetos de inspiração e fatura românticas, Namorados, que conheceu um fulgurante êxito comercial, traduzido em 14 eds. consecutivas, e a que se seguiram dois outros livros de versos de idênticas características, Apaixonadamente, em 1923, e Renúncia, em 1926.
Para o teatro escreveu sete peças, seis das quais a companhia de Amélia Rey Colaço, levou à cena, no Teatro Nacional, entre 1939 e 1944, recebidas com entusiasmo por um público de extracção burguesa, sensível ao seu entrecho sentimental, habilmente doseado com laivos de ténue crítica social e afirmações de fervor nacionalista: Degredados (1930), de tema colonial, A Volta (1931), Fascinação (1932), Manuela (1934), Camaradas... (1937) e Vendaval (1944); de colaboração com Tomás Ribeiro Colaço escreveu ainda a comédia A Estrangeirinha, representada em 1932, mas, ao contrário das anteriores, inédita em livro.
Traduziu peças de A. Obey, D. Amiel, L. Zihaly, irmãos Quintero e C. G. Viola. No teatro radiofónico, usou o pseudónimo de Maria João do Vale.
Quando se estreou como poetisa, Júlio Dantas enalteceu-a. Já em nossos dias, António Salvado, na Antologia da Poesia Feminina Portuguesa (1972), diz que Virgínia Vitorino escreveu «alguns dos mais interessantes sonetos da poesia portuguesa de amor»

in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994


Sir Oswald Hornby Joseph Birley, Marye Frances Pole Carew (1903-1987)
 

"A velhice chega quando se começa a dizer: 
'Nunca me senti tão jovem'."


(Jules Renard)


Jules Renard 

Pierre-Jules Renard (22 de Fevereiro de 1864 em Châlons du Maine, Mayenne, França - 22 de Maio de 1910, em Paris, França) foi um escritor. Foi co-fundador do Mercure de France, a sua amizade com Edmond Rostand despertou o seu interesse pelo teatro (Le Pain de Ménage) (1898) Plaisir de Rompre (1897).
As suas narrações incluem descrições naturalistas da Normandia e análises realistas dos ciclos intelectuais e burgueses da cidade de Paris. Outra obras importantes foram: Poil de Carotte (1894), em que narra a marginalização a que é submetida uma criança ruiva.
Moralista amargo, nas suas obras procede por justaposição de imagens, breves e incisivas. Publicou o romance Poil de Carotte em 1894, que adaptou ao teatro em 1900. Os inúmeros volumes do seu Diário (1887-1910) caracterizam-se por um invariável estilo lacónico. A sua dramaturgia é considerada a mais representativa do teatro naturalista: Le Plaisir de rompre (1897), Le Pain de ménage (1898) e La Bigote (1909).

quinta-feira, 24 de julho de 2014

"Esta Palavra Saudade" - Poema de Gonçalves Crespo


The Kiss (1859), de Francesco Hayez, (pintor italiano, 1791–1881),
 Pinacoteca di Brera, Milan. (Exemplar de Pintura romântica.)

 

Esta Palavra Saudade


Junto de um catre vil, grosseiro e feio,
por uma noite de luar saudoso,
Camões, pendida a fronte sobre o seio,
cisma, embebido num pesar lutuoso...

Eis que na rua um cântico amoroso
subitâneo se ouviu da noite em meio:
Já se abrem as adufas com receio...
Noites de amores! Que trovar mimoso!

Camões acorda e à gelosia assoma;
e aquele canto, como um antigo aroma,
ressuscita-lhe os risos do passado.

Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante,
no azul viu perpassar, claro e distante,
de Natércia gentil o vulto amado...
in 'Nocturnos'



Galeria de Francesco Hayez


Francesco Hayez, Autorretrato, 1862


Francesco Hayez (Veneza, 10 de Fevereiro de 1791 — Milão, 21 de Dezembro de 1882) foi um pintor italiano, considerado o máximo expoente do romanticismo histórico. Originário de uma família humilde, o pai Giovanni, era de origem francesa, embora sua mãe, Chiara Torcella, ser natural de Murano.
O pequeno Francesco, último de cinco filhos, foi afilhado por uma tia materna que havia casado com Giovanni Binasco, armador e comerciante de arte, proprietário de uma discreta colecção de pintura. Já de pequeno mostrou predisposição pelo desenho, por isso seu tio confiou a um restaurador para que lhe ensinasse o ofício. Posteriormente foi discípulo do pintor Francisco Magiotto, com quem permaneceu durante três anos. Fez o seu primeiro curso do nu em 1803 e em 1806 foi admitido nos cursos de pintura da Nova Academia de Belas Artes, onde foi discípulo de Theodore Matteini.
En 1809 ganhou um concurso da Academia de Veneza para ser aluno da Academia de San Luca próxima de Roma. Por isso, mudou-se para a capital italiana onde passou a ser discípulo de Canova que foi seu guia e protetor durante os anos que passou em Roma.
Ele permaneceu em Roma até 1814, quando mudou-se para Nápoles onde foi encarregado por Joachim Murat de pintar "Ulisses no tribunal de Alcinous".
Em 1850 foi designado para diretor da Academia di Brera.


Significado de Romanticismo

s.m. Italianismo utilizado por Stendhal (1823) para designar o movimento romântico, antes de consagrar-se o termo romantismo.
Romantismo exagerado.



Francesco Hayez, María Magdalena (1825)


Francesco Hayez, Reclining Odalisque (1839)


Francesco Hayez, Odalisque (1867)


Jarro de flores sobre a Janela de um harém (1881), de Francesco Hayez


As Tardes sicilianas de Francesco Hayez (Roma, Gall.Naz.d'Arte Moderna) 


Destruição do Templo de Jerusalém de Francesco Hayez


Francesco Hayez, The Refugees of Parga, 1831


Conselho dos Dez assistindo à decapitação de Marino Faliero, quadro de Francesco Hayez


"Os homens só se compreendem uns aos outros na medida em que os animam as mesmas paixões."

quarta-feira, 23 de julho de 2014

"O Amor o que é?" - Poema de José Jorge Letria

  
George Bernard O'Neill (1828-1917), A Joyful Welcome, 1901



O Amor o que é?


O amor é
um nome de mulher
na boca de um homem.

O amor é
uma flor perfeita
na lapela de um homem só. 

O amor é
um continente sem fronteiras
para que tudo aconteça. 

O amor é
a alegria do corpo
sem vergonha de amar. 

O amor é
dividir somente
o que se pode partilhar. 

O amor é
uma cidade azul
no dorso de uma nuvem. 

O amor é
um rapaz loucamente
apaixonado por uma rapariga. 

O amor é
tão fácil e tão simples
que até se torna difícil. 

O amor é
tudo aquilo que um dia
ganhamos coragem para ser. 

O amor é
gostarmos de nós
e sabermos porquê. 


José Jorge Letria, 
In O Amor o que é?


José Jorge Letria


José Jorge Letria
é um poeta, dramaturgo, ficcionista e ensaísta português nascido a 8 de junho de 1951, em Cascais. Dedicou-se desde muito cedo ao jornalismo, tendo trabalhado também como guionista e autor de programas de televisão. Foi membro da Direção da Sociedade Portuguesa de Autores e vereador da Cultura na Câmara Municipal de Cascais.
Colaborou em várias publicações - das quais se destacam, entre outras, Colóquio/Letras, Hífen, Vértice, Boca Bilíngue, Palimpsesto e Plural - tendo desempenhado, por exemplo, funções de subchefe de redação do Jornal de Letras ou de correspondente em Portugal de Delibros (Espanha).
O nome de José Jorge Letria está ligado, na criação poética e no ensaio, à canção de intervenção, tendo estado envolvido, por essa via, ao lado de José Afonso ou de Ary dos Santos, no processo revolucionário que conduziu ao 25 de abril. Embora nesse momento a arte poética exigida pelas circunstâncias históricas acentuasse a exaltação e o combate, já aí a sua obra afirmava um investimento em imagens e metáforas e uma vocação para o trabalho da língua (patente desde logo nos jogos de palavras de que parte muitas das vezes para a construção dos títulos das obras poéticas) que viriam a caracterizar as publicações seguintes.
Da sua obra literária, largamente premiada, destaca-se a poesia, que se encontra em grande parte compilada em O Fantasma da Obra (1973-1993), de 1993.
No ano de 2001, em Barcelona, foi-lhe entregue o Prémio Aula de Poesia. Seis anos depois, foi o primeiro escritor a ser galardoado com o Prémio de Poesia Nuno Júdice, instituído em Aveiro.

José Jorge Letria. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-07-23].


George Bernard O'Neill, The Sword Dance


"Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos." 

(Anaïs Nin)


George Bernard O'Neill, The Broken Engagement, 1860


"Ajusto-me a mim, não ao mundo."

(Anaïs Nin)


George Bernard O'Neill, Grandfather's Advice


"O único transformador, o único alquimista que muda tudo em ouro, é o amor. O único antídoto contra a morte, a idade, a vida vulgar, é o amor." 

(Anaïs Nin)


Portrait of Anaïs Nin, c. 1920


Anaïs Nin (21 de fevereiro de 1903 - 14 de janeiro de 1977) era uma autora francesa. Anaïs Nin tornou-se famosa pela publicação de diários pessoais, que medem um período de quarenta anos, começando quando tinha doze anos. Foi amante de Henry Miller e só permitiu que seus diários fossem publicados após a morte de seu marido Hugh Guiler.
Seus romances e narrativas, impregnados de conteúdo erótico foram profundamente influenciados pela obra de James Joyce e a psicanálise. Dentre suas obras destaca-se Delta de Vênus (1977), traduzido para todas as línguas ocidentais, aclamado pela crítica americana e europeia. 
Foi realizado no cinema em 1990 um filme, Henry & June, dirigido por Philip Kaufman, que falava do período que Anaïs Nin conheceu Henry Miller. Anaïs Nin foi interpretada pela atriz portuguesa Maria de Medeiros.
 

terça-feira, 22 de julho de 2014

"De ti só quero o cheiro dos lilases" - Poema de Rosa Lobato de Faria


George Cochran Lambdin, Roses and Azaleas, 1880



De ti só quero o cheiro dos lilases


De ti só quero o cheiro dos lilases
e a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
e a tua voz de sombras e matizes

De ti só quero o riso que não ouço
quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
vampira que já sou da tua luz

De ti só quero as rosas amarelas
que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
da casa abandonada dos meus dias

De ti só quero o eco do teu nome
e um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
mendiga que já sou da tua pele.


Rosa Lobato de Faria,
 in A Noite Inteira já não chega 


George Cochran Lambdin, Still Life with Straw Hat


"Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinteressada delas. Eu sou ao contrário: o tempo passa e a afeição vai crescendo, morrendo apenas quando a ingratidão e a maldade a fizerem morrer." 

Florbela EspancaCorrespondência (1916)


sábado, 19 de julho de 2014

"Soneto da Nudez" - Poema de Gonçalves Crespo


Giuseppe De Nittis, Nude with Red Stockings, 1879, Pastel
 


Soneto da Nudez


Há um misto de azul e trevas agitadas
Nesse felino olhar de lúbrica bacante.
Quando lhe cai aos pés a roupa flutuante,
Contemplo, mudo e absorto, as formas recatadas.

Nessa mulher esplende um poema deslumbrante
De volúpia e langor; em noites tresloucadas
Que suave não é nas rosas perfumadas
De seus lábios beber o aroma inebriante!

Fascina, quando a vejo à noite seminua,
Postas as mãos no seio, onde o desejo estua,
A boca descerrada, amortecido o olhar...

Fascina, mas sua alma é lodo, onde não pousa
Um raio dessa aurora, o amor, sublime cousa!
Raio de luz perdido em tormentoso mar!


Gonçalves Crespo,
 in 'Antologia Poética'


Giuseppe De Nittis, A Lady from Naples, 1879


"Uma mulher nua seria menos perigosa do que é uma saia habilmente exibida, que cobre tudo e, ao mesmo tempo, deixa tudo à vista." 
 
(Honoré de Balzac)
Os Segredos da Princesa de Cardigan


Giuseppe De Nittis, Back From Dance, 1870 


"O amor é a poesia dos sentidos. Ou é sublime, ou não existe. Quando existe, existe para sempre e vai crescendo dia a dia."

 (Honoré de Balzac)


Honoré de Balzac em 1842
Pintura realizada após daguerreótipo de 1842


Honoré de Balzac, escritor francês, nasceu a 20 de maio de 1799, em Tours, e morreu a 18 de agosto de 1850, na Rua Fortunée (hoje Rua de Balzac), em Paris. Quando Balzac nasceu, o pai tinha 53 anos e a mãe 21. Foi mandado para o colégio entre os oito e os catorze anos. Com a queda do governo napoleónico a família mudou-se de Tours para Paris, local onde Balzac frequentou mais dois anos de escola e passou os três anos seguintes a trabalhar no escritório de um advogado. A personalidade de Balzac ficaria marcada pela ausência de afeto maternal. Todo o seu trabalho literário se desenvolveu no ambiente de uma família burguesa representativa da mutação dos tempos. O Antigo Regime tinha sido derrubado com a Revolução Francesa.

Honoré de Balzac decidiu aos vinte anos dedicar-se à literatura. Como escritor de Cromwell (1819) e outras trágicas peças não foi além de um insucesso absoluto. De seguida escreveu romances sob pseudónimos. Como as suas obras tinham pouco êxito, lança-se nos negócios em 1825. Associa-se a um livreiro e torna-se impressor, mas em 1828 acaba por arruinar a família. Esta experiência dolorosa vai influir na obra literária. Em 1829, a publicação de duas obras deram o mote para o início do sucesso da sua carreira: les Chouans, um romance de amor que conta a história da insurreição dos camponeses de Breton contra a França revolucionária de 1799, e la Physiologie du mariage, um ensaio humorístico e satírico. Um ano depois publica Scènes de la vie privée, obra que veio aumentar a sua reputação. Estas histórias contadas por Balzac eram, na sua maior parte, estudos psicológicos baseados em conflitos entre pais e filhos. É um escritor que observa muito detalhadamente a fachada social. É como um cientista, deve muito ao positivismo de Comte (observação e experiência). Escreve o que pensa da sociedade, mas de um modo desapaixonado.

Balzac passou a maioria do seu tempo em Paris. Frequentou os salões parisienses e investiu esforços para se tornar uma figura deslumbrante da cidade das luzes. Estava ávido de fama, fortuna e amor. Encetou um conjunto de relações amorosas com mulheres da aristocracia do seu tempo. Entre 1828 e 1834 teve uma existência verdadeiramente tumultuosa. A ostentação da vida social que cultivava era um modo de se descontrair da sua enorme capacidade de trabalho, cerca de 14 a 16 horas por dia, tempo passado a escrever com uma pena de ganso e vestido com uma toga branca, quase monástica, e sempre acompanhado pelo café, o seu vício. Estes anos foram também de intensa atividade jornalística. Entre 1832 e 1835 produziu mais de vinte trabalhos dos quais se destacam: le Médecin de campagne (1833), Eugénie Grandet (1833, Eugénia Grandet), l'Illustre Gaudissart (1833) e Père Goriot (1835, Pai Goriot) uma das suas obras-primas. Neste romance reaparecem pela primeira vez personagens de romances anteriores. Tenta construir um universo coerente de seres e situações que formem um todo.
 O ano de 1834 marca o clímax na carreira do escritor, quando decidiu publicar uma série de livros onde retrataria a sociedade do seu tempo dividida em três categorias de romances: em Etudes analytiques retrata os princípios que governam a vida e a sociedade, em Etudes philosophiques revela as causas do determinismo da ação humana e em Etudes de murs mostra os efeitos dessas causas e divide-as em seis scènes - privadas, provinciais, parisienses, políticas, militares e rurais. Este projeto resultou num total de 12 volumes escritos entre 1834/37. Em 1840 juntou todos os volumes e mais alguns escritos posteriores, reunindo-os numa obra que intitulou la Comédie humaine (A Comédia Humana). A edição definitiva, de 24 volumes, só foi editada entre 1869 e 1876.

No período entre 1836 e 1839 escreveu le Cabinet des Antiques (1839) e as primeiras duas partes de Illusions perdues, considerada uma obra-prima, que só ficou concluída em 1843. Este livro conta a história de um jovem provinciano que vem para Paris e que, ao confrontar-se com uma nova realidade, abala as suas ideias românticas. Não há tema mais balzaquiano do que o de um jovem provinciano ambicioso que luta no mundo competitivo e adverso da grande cidade de Paris. Balzac admira estes indivíduos e tem especial atração pelo tema que coloca em conflito o indivíduo com a sociedade. As personagens balzaquianas são continuamente afetadas pelas pressões derivadas das dificuldades materiais e das ambições sociais. 
Ainda durante a década de trinta escreveu alguns romances relacionados com psicologia, mística e temas eróticos. A variedade de temas transformou Balzac no supremo observador e cronista da sociedade francesa contemporânea. Os seus romances são inigualáveis quer na vitalidade e na diversidade narrativas, quer no interesse obsessivo pelas várias vertentes da vida, o contraste entre os hábitos e costumes da cidade e da província, a indústria, o comércio, a arte, a literatura, a cultura, a intriga política, o amor romântico, os escândalos na aristocracia e na alta burguesia. A maioria destes assuntos estavam ainda por explorar na ficção francesa.

A história que Balzac se propôs escrever é sobretudo uma história da sociedade burguesa, não negligenciando o indivíduo nos seus silêncios e nas suas elipses. Balzac tinha um extraordinário poder de observação, memória fotográfica e capacidade intuitiva para perceber as atitudes dos outros, os seus sentimentos e motivações. O romance balzaquiano faz com que o leitor descubra a alma e os sofrimentos incógnitos, em particular os sofrimentos de abandono e de humilhação. Os seus romances são interditos a leitores unidimensionais.

Honoré de Balzac. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-07-19].



Giuseppe De Nittis, Snow Effects, 1880

sexta-feira, 18 de julho de 2014

"No Meu País" - Poema de Sebastião Alba





No Meu País



No meu país
dardejado de sol e da caca dos gaios
só há estâncias
(de veraneio) na poesia.
Nossos lábios
a um metro e sessenta e tal
do chão amarelecido
dos símbolos
abrem para fora
por dois gomos de frio.
Nossos lábios outonais, digo,
outonais doze meses.
No entanto
à flor da possível
geografia
um frémito cinde
as estações do ano.
 in 'O Ritmo do Presságio'


Conjunto azulejar azul e branco composto por motivo de dezasseis peças.
 Igreja Matriz de Argoncilhe.
 

O Azulejo em Portugal
 
Painel de azulejos da autoria de Jorge Colaço (1922) ilustrando uma cena da Batalha de Aljubarrota
  que em 1385 opôs os exércitos Português e Castelhano
Em exposição no Parque Eduardo VII, em Lisboa.
 
 
A partir dos finais do século XV, princípios do XVI, quando a decoração ornamental muçulmana teve um papel importante na arte portuguesa, foi estimulado o desenvolvimento do azulejo. Eram feitas encomendas de azulejos às cerâmicas mouriscas de Sevilha e então dominava o gosto por superfícies completamente cobertas com azulejos, que permitiam uma melhor compreensão da organização geométrica das formas. 
 
Na segunda metade do século XVI chegam a Portugal azulejos vindos das oficinas flamengas e espanholas de Talavera e Sevilha. Por influência destes centros, Portugal aprendeu o método de fabrico e pintura de faianças (de origem italiana), o uso de composições figuradas e a divulgação da última decoração renascentista que exerceu a sua influência durante o século XVII. 
 
Do Oriente chegou o sentido do brilho, exuberância e fantasia de motivos ornamentais, especialmente através dos tecidos, e o uso das cores intensas. 
 
Da China veio o azul da porcelana, que na segunda metade do século XVII deu ao azulejo composições já sem caráter repetitivo, cheias de dinamismo, de formas em movimento. 
 
Nos finais do século XVII, princípios do século XVIII, Portugal importou da Holanda grandes quantidades de azulejo, absorvendo a pureza e o refinamento dos materiais, assim como a ideia de especialização de pintores.
 
 No reinado de D. João V (1706-1750), os azulejos sofrem a influência da talha, utilizando os mesmos motivos numa tendência para que as superfícies inteiras de parede fossem revestidas, criando assim um impacto espetacular característico do Barroco. Por seu lado, as gravuras estrangeiras que circulavam no país inspiraram as composições dos painéis figurativos.
 
Após o terramoto de 1755, a frágil situação económica e a necessidade de reconstruir Lisboa levou a uma conceção utilitária e prática do azulejo, usado como um complemento de fatores estéticos. Assim continuou até finais do século XVIII, o que conduziu a uma grande quebra ao nível da ornamentação.
 
Com o regresso do Brasil, após as invasões francesas, a corte portuguesa oitocentista trouxe consigo a ideia de usar o azulejo como material de revestimento das fachadas dos edifícios, dada a dualidade deste material. Por outro lado, a Revolução Industrial implicou uma certa industrialização do azulejo. 
 
Contudo, o azulejo não se limita em si mesmo a receber influências. O azulejo impõe-se pela sua força como um elemento complementar de uma estrutura arquitetónica. Portugal, ao utilizar azulejos estrangeiros, deu-lhes sempre uma utilização completamente diferente daquela que era tradicional nos países de origem.

As formas variadas de combinar os padrões e frisos hispano-mouriscos foram alcançadas de forma a assegurar ritmos e movimentos inesperados. Os azulejos feitos na segunda metade do século XVI, segundo as técnicas de pintura italiana e flamenga, mostram principalmente uma preocupação com os elementos estéticos e pictóricos.

Até ao fim do século XVII, padrões multicolores foram usados como uma decoração a sugerir linhas diagonais, desempenhando um papel importante e dinâmico na arquitetura. Os ritmos de diagonal não se harmonizavam bem com as linhas predominantemente verticais e horizontais da arquitetura. Deste modo, o azulejo altera de certa forma o caráter dos espaços fechados. É ainda neste período que as composições figuradas se desenvolvem e rapidamente cobrem as superfícies das paredes. É também nesta altura que se adota o azul feito do cobalto. 
 
A especificidade pictórica dos azulejos sugerem a dimensão de um espaço maior através da perspetiva. A ligeira variação na cor (provocada pelo fogo, segundo as técnicas artesanais), a cintilação, o ligeiro reflexo e o volume resultante da ondulação da superfície dos azulejos são elementos que faltam aos azulejos industriais. Estes adaptam-se melhor aos revestimentos de edifícios, onde o mais relevante é a luminosidade das cores.

O azulejo serviu também a Contrarreforma, que o utilizou para dar forma a um programa estético e religioso, influenciando o espírito dos crentes por meio de um espetáculo persuasivo. Com a ocupação espanhola e durante as guerras da Restauração, o azulejo viu o seu uso restringido aos edifícios religiosos. No entanto, com o governo do Conde da Ericeira e a construção de sumptuosas arquiteturas, assistiu-se a uma fase de expansão e modernização do azulejo no século XVII. Nesta altura surge uma renovação de padrões, técnicas e estilos. 
 
Durante o reinado de D. João V, o azulejo é largamente utilizado nas igrejas, palácios e casas pertencentes à burguesia, quer no interior, quer nos jardins. Esta grande utilização do azulejo contribuiu também para uma diminuição da qualidade e criatividade dos pintores. 
 
Com a implantação do regime liberal em 1834, o azulejo foi um acessório importante para o revestimento dos frontispícios e entradas de edifícios e, igualmente, de algumas lojas comerciais (padarias, tabernas).

Na primeira metade do século XX, o azulejo caracterizou-se, por um lado, pela exuberância e grande intensidade de cor dos seus frisos, composições e painéis de Arte Nova. Por outro lado, havia uma produção de azulejos de tendência nacionalista.
 
A implantação do Estado Novo e a definição do estilo de arquitetura de Salazar, por volta de 1946, levou à criação de um estilo nacionalista que rejeitou o azulejo. Nessa altura, ele é substituído pelo mármore. O azulejo voltaria a conquistar a sua dignidade pela mão dos artistas plásticos ligados à oposição a Salazar.

azulejo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-07-18].

 
 
Painel rococó no jardim do Palácio Nacional de Queluz.
 

"Os azulejos relatam um mundo fabuloso que se oferece aos nossos olhos: um macaco a tocar flauta, uma mulher comendo uvas, (...), amantes namorando, um leão domado, uma moreia com pintas de leopardo." - John Berger


[John Peter Berger (5 de novembro de 1926, Highams Park, Londres) é um crítico de arte, romancista, pintor e escritor inglês. Entre suas obras mais conhecidas estão o romance G., vencedor do Booker Prize de 1972 e o ensaio introdutório em crítica de arte Ways of Seeing, escrito como acompanhamento da significativa série homónima da BBC, e frequentemente usado como texto universitário.]


 

"Na Aldeia" - Poema de Gonçalves Crespo


Giuseppe De Nittis, Breakfast in the Garden, 1883, óleo sobre tela, Barletta De Nittis Art Gallery


Na Aldeia

A Cristóvão Aires

Duas horas da tarde. Um sol ardente
Nos colmos dardejando, e nos eirados.
Sobreleva aos sussurros abafados
O grito das bigornas estridente.

A taberna é vazia; mansamente
Treme o loureiro nos umbrais pintados;
Zumbem à porta insetos variegados,
Envolvidos do sol na luz tremente.

Fia à soleira uma velhinha: o filho
No céu mal acordou da aurora o brilho
Saiu para os cansaços da lavoura.

A nora lava na ribeira, e os netos
Ao longe correm seminus, inquietos,
No mar ondeante da seara loura.


Gonçalves Crespo, 
in 'Nocturnos'

 
 
Gonçalves Crespo
(1846-1883)


Poeta, tradutor e deputado, considerado o iniciador do Parnasianismo português, António Cândido Gonçalves Crespo nasceu no Rio de Janeiro, filho de mãe mestiça, vindo para Portugal aos catorze anos, por razões de saúde.
Depois de estudar no Porto, cidade onde o seu pai exercia a magistratura judicial, ingressa na Universidade de Coimbra, formando-se em Direito em 1875.
Colabora na revista A Folha (1868-1873), de João Penha, órgão do Parnasianismo português, mas também em muitos outros jornais e revistas como a República das Letras (1875), A Renascença (1878-1881), Artes e Letras (1872-1875), Ocidente (1878-1891) e O Cenáculo (1875).
Em Lisboa, frequenta o salão literário da poetisa Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921), com quem virá a casar.
Os seus dois volumes de poesias, Miniaturas e Noturnos, publicados em 1871 e 1882, revelam influências variadas, que vão de Gautier a Leconte de Lisle, de Verlaine a Mallarmé, passando por Baudelaire. 

Gonçalves Crespo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-07-17].


 

Parnasianismo

Corrente literária surgida em França, com a publicação em 1866 da revista Parnasse Contemporain, que se propunha valorizar a componente estética da poesia (o chamado ideal de arte pela arte) e reagir contra o sentimentalismo da poesia romântica, e cujos principais representantes foram Théophile Gautier, Leconte de Lisle e Théodore Banville.

Em Portugal, podemos relacionar com o Parnasianismo um grupo de poetas aglutinados em torno da revista A Folha, publicada entre 1868 e 1873, dos quais se destacaram João Penha (1838-1919), diretor desse órgão, António Feijó (1859-1917) e Gonçalves Crespo (1846-1883), havendo, contudo, laivos de Parnasianismo em muitos outros poetas como Gomes Leal (1848-1921) e Cesário Verde (1855-1886). 
Os parnasianos propunham uma poesia descritiva, pictural, plástica, com uma versificação perfeita e musical.

Parnasianismo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-07-18


Galeria de Giuseppe de Nittis
Giuseppe De Nittis, Self-Portrait, 1884


Giuseppe de Nittis, Siesta


Giuseppe de Nittis, Rue de Paris with Carriages 


Giuseppe de Nittis, Woman on the Beach


Giuseppe de Nittis, Poplars


Giuseppe de Nittis, Siesta


Giuseppe de Nittis, Westminster, 1878


“Quando o acusador é também o juiz triunfa a força, não o direito”.

Públio Siro
 (85a.C. - 43a.C.),
 escritor latino da Roma antiga