sábado, 12 de julho de 2014

"Noite Apressada" - Poema de David Mourão Ferreira


Camille Pissarro, Boulevard Montmartre la nuit, 1898



Noite Apressada 


Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.

Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!


David Mourão-Ferreira, 
in "À Guitarra e à Viola"


David Mourão-Ferreira


David Mourão-Ferreira, escritor português, nasceu em Lisboa, em 1927 e morreu, também nesta cidade, em 1996. Licenciou-se em Filologia Românica em Lisboa, onde chegou a ser professor catedrático, organizando e regendo, entre outras, a cadeira de Teoria da Literatura. Foi secretário de Estado da Cultura, entre 1976 e 1979; diretor do diário A Capital; diretor do Boletim Cultural do Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian, entre 1984 e 1996; diretor da revista Colóquio/Letras; presidente da Associação Portuguesa de Escritores (1984-86) e vice-Presidente da Association Internationale des Critiques Littéraires. A sua obra reparte-se pela poesia; pela crítica literária, como Os Ócios do Ofício, Vinte Poetas Contemporâneos, Hospital das Letras ou Lâmpadas no Escuro (de Herculano a Torga); pelo ensaio; pela tradução; pelo teatro; pelo romance; e também pelo jornalismo. Embora os seus primeiros poemas datem de meados dos anos 40, a sua atividade poética começou a ganhar relevo quando foi codiretor, a par com António Manuel Couto Viana e Luís de Macedo, da revista Távola Redonda (1950-1954), que, sem apresentar programa ou manifesto, se orientava para uma alternativa poética à poesia social, baseada na "revalorização do lirismo", exigindo ao poeta "autenticidade e um mínimo de consciência técnica, a criação em liberdade e, também, a diligência e capacidade de admirar, criticamente, os grandes poetas portugueses de gerações anteriores a 1950. Sem reservas ideológicas ou preconceitos de ordem estética" (VIANA, António Manuel Couto - "Breve Historial" in As Folhas Poesia Távola Redonda, Boletim Cultural da F. C. G., VI série, n.º 11, outubro de 1988), atributos a que acresciam como exigências a reação contra a "imediatez da inspiração e contra o impuro aproveitamento da poesia para fins sociais", através do equilíbrio "entre os motivos e a técnica, entre os temas e as formas" (cf. MOURÃO-FERREIRA, David - "Notícia sobre a Távola Redonda" in Estrada Larga 3, p. 392). Foi no primeiro volume da Coleção de Poesia das Edições "Távola Redonda" que publicou a sua primeira obra poética, A Secreta Viagem, onde se encontram reunidos alguns dos traços que distinguiriam a sua poética posterior, nomeadamente a preferência pela temática amorosa, o rigor formal, a continuidade e renovação da lírica tradicional como, por exemplo, a de inspiração camoniana, ou a abertura a experiências poéticas estrangeiras. No poema "Dos Anos Quarenta", relembra leituras nessa etapa de iniciação poética: Proust, Thomas Mann, Rilke, Apollinaire, a "constelação pessoana", Álvaro de Campos, "E Régio Miguéis Nemésio", bem como as circunstâncias que rodearam essa descoberta, como o "despertar do deus Eros", a guerra, a queda dos fascismos e a perseverança da ditadura salazarista.
Da sua obra poética, cuja poesia se distingue pelo lirismo culto, depurado e subtil, destacam-se os seguintes livros: A Secreta Viagem, Do Tempo ao Coração, Cancioneiro do Natal, Matura Idade e Ode à Música.
A obra de David Mourão-Ferreira foi várias vezes reconhecida com prémios literários, como, por exemplo: Prémio de Poesia Delfim Guimarães, 1954, para Tempestade de verão; Prémio Ricardo Malheiros, 1960, para Gaivotas em Terra; Prémio Nacional de Poesia, 1971, para Cancioneiro de Natal; Prémio da Crítica da Associação Internacional dos Críticos Literários para As Quatro Estações; e, para Um Amor Feliz, os prémios de Narrativa do Pen Clube Português, D. Dinis, de Ficção do Município de Lisboa e o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores. Ao autor foi ainda atribuído, em 1996, o Prémio de Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.

David Mourão-Ferreira. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-07-12].


 
Vida e Obra de Camille Pissarro
Camille Pissarro, Self-portrait, 1873


Jacob Abraham Camille Pissarro (Charlotte Amalie, na ilha de São Tomás nas Índias Ocidentais Dinamarquesas, hoje Ilhas Virgens Americanas, 10 de Julho de 1830 — Paris, 13 de Novembro de 1903) foi um pintor francês, co-fundador do impressionismo, e o único que participou nas oito exposições do grupo (1874-1886).


 Camille Pissarro, Self-portrait, 1898


Seu pai, Abraham Frederic Gabriel Pissarro, era português criptojudeu de Bragança, que, no final do século XVIII, quando ainda pequeno, emigrara com a sua família para Bordéus, onde na altura existia uma comunidade significativa de judeus portugueses refugiados da Inquisição. A mãe dele era crioula e tinha o nome Rachel Manzano-Pomie.


Camille Pissarro, Self-portrait, 1903, Tate Gallery, London


Camille Pissarro, Two Women Chatting by the Sea, St. Thomas, 1856


Com 11 anos Camille Pissarro foi enviado a Paris para estudar num colégio interno. Voltou para a ilha São Tomás, a fim de tomar conta do negócio da família. Algum tempo depois, a sua paixão pela pintura fê-lo mudar de vida: fez em 1852 amizade com o pintor dinamarquês, Fritz Melbye e a oportunidade de concretizar seu sonho surgiu com um convite para acompanhar uma expedição do Fritz Melbye, enviado pelo governo das Antilhas Dinamarquesas, para estudar a fauna e a flora da Venezuela, onde passou dois anos.


Camille Pissarro et sa femme Julie Vellay,  en 1877, à Pontoise


Pissarro conquistou sua liberdade aos 23 anos. Em 1855, ele já estava em Paris com ajuda de Melbye, tentando iniciar sua carreira. O jovem antilhano fascinou-se com as telas de Camille Corot e travou amizade com Paul Cézanne, Claude Monet, Charles-François Daubigny, entre outros pintores impressionistas. Com Monet passou a sair para pintar ao ar livre, em Pontoise e Louvenciennes. Em 1861 casou com Julie Vellay, com quem teve oito filhos.


Camille Pissarro, Le verger (The Orchard), 1872


No decorrer da guerra franco-prussiana (1870-1871), na qual praticamente todos os seus quadros foram destruídos, residiu em Inglaterra. Quando voltou, começou a pintar na companhia de Cézanne


 Camille Pissarro, The garden of Pontoise, 1875


Com o objectivo de descobrir novas formas de expressão, Pissarro foi um dos primeiros impressionistas a recorrer à técnica da divisão das cores através da utilização de manchas de cor isoladas – o seu quadro "The Garden of Les Mathurins at Pontoise" (1876) é um exemplo.


Camille Pissarro, "The Garden of Les Mathurins at Pontoise", 1876


Camille Pissarro, "Les toits rouges, coin du village, effet d'hiver", 1877


Em 1877 pintou "Les toits rouges, coin du village, effet d'hiver". Durante os anos 1880 juntou-se a uma nova geração de impressionistas, os "neo-impressionistas", como Georges Seurat e Paul Signac, pintando em 1881 "Jeune fille à la baguette, paysanne assise" e experimentou com o pontilhismo


Camille Pissarro, "Jeune fille à la baguette, paysanne assise", 1881


A partir de 1885, militou nas correntes anarquistas, criticando severamente a sociedade burguesa francesa, deixando-nos "Turpitudes Sociales" (1889), um álbum de desenhos. 


Camille Pissarro, "Capital," from Turpitudes sociales, 1889–1890. 


Nos anos 1890 abandonou gradualmente o "neo-impressionismo", preferindo um estilo mais flexível que melhor lhe permitisse captar as sensações da natureza, ao mesmo tempo que explorou a alteração dos efeitos da luz, tentando também exprimir o dinamismo da cidade moderna, de que são exemplos os vários quadros que pintou com vistas de Paris ("Le Boulevard Montmartre, temps de pluie, après-midi", 1897), Dieppe, Le Havre e Ruão.


Camille Pissarro, Le Boulevard Montmartre, Temps de Pluie, Apres-Midi, 1897.
Oil on canvas.52.5 x 66 cm. Private Collection.

A obra de Pissarro  caracterizou-se por uma paleta de cores cálidas e pela firmeza com que consegue captar a atmosfera, por meio de um trabalho preciso da luz. Seu material predileto foi o óleo, mas também fez experiências com aquarelas e pastel. A estrutura dos quadros de Pissarro encontra total correspondência na obra de Cézanne, já que foi mútua a influência entre ambos. Como professor teve como alunos Paul Gauguin e seu filho Lucien Pissarro. Ao jovem Gauguin aconselhou a utilização das cores - esses conselhos surtiram efeito e Gauguin começa a utilizar a cor no seu estado puro.


Camille Pissarro, Les chataigniers a Osny (The Chestnut Trees at Osny), 1873


Durante seus últimos anos, realizou várias viagens pela Europa, em busca de novos temas. Hoje é considerado um dos paisagistas mais importantes do século XIX. Os seus trabalhos mais conhecidos são "Le Verger", "Les châtaigniers à Osny" e "Place du Théâtre Français".
Camille Pissarro morreu a 13 de Novembro de 1903 em Paris. Encontra-se sepultado no Cemitério do Père-Lachaise, Paris na França.


Camille Pissarro, "Place du Théâtre Français", 1898

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