Eduardo Lourenço, ensaísta português, nasceu a 23 de maio de 1923, em S. Pedro de
Rio Seco,
Almeida, e morreu a 1 de dezembro de 2020. Formado em Ciências Histórico-Filosóficas pela
Universidade de Coimbra, onde foi professor entre 1947 e 1953, lecionou depois em várias universidades, como a da
Baía, no
Brasil, e nas Universidades de
Hamburgo, Heidelberg, Montpellier, Grenoble e
Nice. Fixando residência em Vence, lecionou, até à sua jubilação, na Universidade de
Nice.
Tendo marcado durante cinquenta anos, com especial ressonância no pós-25 de abril, o pensamento português, a voz de Eduardo
Lourenço
exerce um profundo e consensual fascínio sobre a intelectualidade
portuguesa, surpreendendo pela "capacidade de ser portador de
um olhar sempre diferente e inquietante
sobre os problemas de que se ocupa", espantando pela "pluralidade de
interesses, a imensidão de uma cultura que não se entrincheira em
redutos de erudição, o jogo ilimitado das referências" (cf. COELHO,
Eduardo Prado - "Eduardo Lourenço: Um Rio Luminoso", in
A Mecânica dos Fluídos,
Lisboa, INCM, 1984, p. 280).
Próximo da geração neorrealista, à qual nunca deixaria de dedicar um
sério trabalho de reflexão, voltado quer para a especificidade da sua
poética (
Sentido e Forma da Poesia Neorrealista,
Lisboa, 1968), quer para o estudo dos sobreviventes dessa geração (cf. por exemplo, os vários estudos sobre
Vergílio Ferreira, coligidos em
O Canto do Signo,
Lisboa,
Presença,
1994), quer ainda pelas análises de conjunto sobre o fenómeno da
afirmação na literatura contemporânea dessa geração que batizou como
"geração da utopia" (cf.
ibi., ensaios como "A Ficção dos Anos 40"), pelo seu espírito de isenção e de abertura, tornou-se, após a publicação, em 1949, de
Heterodoxia I,
uma figura incómoda face às duas forças ideológicas em que se dividia o
país: o catolicismo conivente com o regime salazarista e o marxismo, ao
defender uma noção de heterodoxia que equivale à aceitação da
pluralidade de "ortodoxias".
No início dos anos cinquenta, o nome de Eduardo
Lourenço surge associado ao projeto
Árvore, em cujo número inaugural publicou o ensaio "Esfinge ou a Poesia", onde apresenta uma conceção de poesia como
Esfinge
diante da qual o poeta procura "danadamente uma autêntica face de
homem, uma existência em busca de uma essência", definindo-a como "a
resolução que damos à história, aos encontros, às promessas de cada vez
que consentimos descer das palavras às dificuldades dos atos. Ou subimos
dos atos à corola mágica das palavras com que os arrancamos à certa
desolação do tempo e da morte." ("Esfinge ou a Poesia").
Esta função gnósica atribuída à palavra poética determinará a defesa,
nos vários estudos críticos e literários publicados ao logo da década de
60, alguns deles na revista
O Tempo e o Modo, de que a crítica
só faz sentido "esposando simultaneamente a vida e a morte que na
sucessão das obras se configura e lendo uma na luz da outra, sem
pretender jamais que está em seu poder outra coisa que dizer com atraso,
mas o mais claramente que lhe é possível, o discurso inexpresso da
Obra". (
O Tempo e o Modo,
Maio-
Junho de 1966, ensaio coligido in
O Canto do Signo,
Lisboa,
Presença, 1994, p. 46).
Este respeito pelo carácter trágico da crítica, conjugado com uma
invulgar erudição, capaz de colocar em diálogo tradições literárias e
culturais diversas, com a capacidade de, sem trair a
textualidade, perseguir a
errância (
ibi.,
p. 68) do texto, da sua produção até ao imaginário, individual e
coletivo, que simultaneamente reflete e constrói, elevou-o, desde a
publicação, em 1957, do ensaio
O Desespero Humanista de Miguel Torga até ao recente
O Canto do Signo. Existência e Literatura, como orador e como escritor, a um dos expoentes máximos do ensaísmo literário e cultural contemporâneo, estatuto unanimemente
reconhecido, por exemplo, na atribuição de vários prémios nacionais e
internacionais (Prémio PEN Clube, 1983; Prémio Europeu de Ensaio Charles
Veillon, 1988;
Prémio Camões e Prémio
D. Dinis, 1996; Prémio
Virgílio Ferreira, pela
Universidade de Évora, 2000; condecoração francesa da Legião de Honra, 2002; Prémio
Extremadura a la Creación, 2006; Prémio
Extremadura para a Criação, 2006).
Em complementaridade com o trabalho de crítica literária, o ensaísmo de Eduardo
Lourenço
revela uma particular preocupação na análise das autognoses coletivas
que a cultura literária e artística espelham, reflexão que, desde
O Labirinto da Saudade até
Poesia e Metafísica, examinando "as
imagens
que de nós mesmos temos forjado", culminaria com uma interrogação sobre
o destino português, não só no modo como ele é percecionado nas obras e
no nome de alguns dos seus vultos mais representativos (
Camões, Antero e, sobretudo, Pessoa), mas, de forma mais abrangente, em volumes como
Portugal Como Destino Seguido de Mitologia da Saudade (1999), sobre o modo como esse destino é miticamente sobredeterminado. Considerando, do exterior (português fora de
Portugal), o destino português, Eduardo
Lourenço
consegue, neste último volume, fazer concorrer todo o seu saber
(histórico, filosófico, literário), para formular, no fim de século, sem
qualquer intuito doutrinário, uma imagem imparcial do ser português, na
sua singularidade e universalidade, espelho, onde, observando-se, pode
conhecer-se e aceitar-se "tal como foi e é, apenas um povo entre os
povos. Que deu a volta ao mundo para tomar a medida da sua maravilhosa
imperfeição." (
Portugal Como Destino Seguido de Mitologia da Saudade,
Lisboa, Gradiva, 1999, p. 83).
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