segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

"Ode ao Tempo" - Poema de Pablo Neruda


 
Hans Thoma, A Peaceful Sunday (the artist's mother, and an uncle), 1876, Kunsthalle Hamburg  
 


Ode ao Tempo


A tua idade dentro de ti
crescendo,
a minha idade dentro de mim
andando.
O tempo é resoluto,
não faz soar o sino,
cresce e caminha
por dentro de nós,
aparece
no olhar
e junto às castanhas
queimadas dos teus olhos
um filamento, a pegada
de um minúsculo rio,
uma estrelinha seca
subindo para a tua boca.
Nos teus cabelos
enreda o tempo
os seus fios,
mas no meu coração
como uma madressilva
está a tua fragrância,
incandescente como o fogo.
Envelhecer vivendo
é belo
como tudo o que vivemos.
Cada dia
para nós
foi uma pedra transparente,
cada noite uma rosa negra,
e este sulco no meu ou no teu rosto
é uma pedra ou uma flor,
recordação de um relâmpago.
Gastaram-se-me os olhos na tua formosura
mas tu és os meus olhos.
Sob os meus beijos talvez tenha fatigado
os teus seios,
mas todos viram na minha alegria
o teu resplendor secreto.
Amor, o que importa
é que o tempo,
o mesmo que ergueu como duas chamas
ou espigas paralelas
o meu corpo e a tua doçura,
amanhã os mantenha
ou os desgarre
e com os seus mesmos dedos invisíveis
apague a identidade que nos separa
dando-nos a vitória
de um único ser final sob a terra. 
 
1956
 
Pablo Neruda

(Tradução de Luis Pignatelli),
in Odes Elementares, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1977. 
 
 
Hans Thoma, Summer (Landscape near Karlsruhe),1891
 

 Ode
 
Por ode entende-se toda a composição poética que se relacione com o género lírico e que, cronologicamente, se liga a uma origem na poesia clássica grega.
O seu significado poderá, simplesmente, ser traduzido por "canção", levando a concluir que a ode, de início, seria um poema destinado ao acompanhamento musical, como forma de canto, individual ou em grupo - coro, canto coral. 

Relativamente aos temas que normalmente eram tratados nas odes, poder-se-á dizer que eram os mais variados, embora seja de salientar que eram sempre desenvolvidos através de pensamentos sublimes, entusiasticamente apresentados no seu estilo e linguagem castiça. 

Do grupo de cultores deste género literário de origem grega destaca-se, sobretudo, os nomes de Safo, Alceu, Anacreonte e Píndaro, tendo este último desenvolvido uma estrutura própria nas suas odes que reconhecidamente se distingue por ser aquela que não só mantém vivo o antigo carácter musical do género, como apresenta uma forma que poderá ser considerada o padrão para as bases da literatura europeia. 

Através do poeta romano Horácio chega até nós esta ode de origem grega, embora adaptada e alterada em relação à musicalidade (que com Horácio se torna quase nula) e ao ritmo que com ele apresentava uma flexibilidade e uma fluência que melhor se adaptava ao génio da língua latina. Apreendendo na perfeição os metros deste género grego, Horácio tornou-se, assim, no principal veículo de transmissão do fundo e da forma da ode - tal como hoje se conhece - para as chamadas modernas literaturas nacionais. 

Analisando em profundidade a ode horaciana vê-se que o seu conteúdo se pode distribuir tematicamente pelas chamadas odes em cívicas - que fazem, sobretudo, a exaltação dos cidadãos -, odes pastoris - as que têm como motivo central os encantos da vida rústica -, odes amorosas, báquicas ou anacreônticas - as que cantam as alegrias da existência humana, física -, e as odes privadas - aquelas que versam assuntos de natureza privada, particular e que, normalmente, são dirigidas a amigos ou familiares, onde o poeta desenvolve considerações de ordem variada, nomeadamente filosóficas ou morais. 

O conhecimento e o apreço da ode em Portugal é feito exatamente através da ode de Horácio, de tal forma apreciada que o Renascimento (século XVI) português desde logo manifestou extrema inclinação e gosto pelo cultivo deste género literário. Nomes como Sá de Miranda, António Ferreira e André Falcão de Resende tomaram a Ode horaciana como modelo artístico, imitando-lhe o ritmo, embora, obviamente, atualizando-lhe os temas tratados. 

Mais tarde, também o Neoclassicismo (Século XVIII) prova que aproveita o exemplo e a experiência da ode quinhentista do Renascimento para cantar os seus temas. Daqui se destacam os nomes de Reis Quinta (Lisboa, 1728-1770), Cruz e Silva (Lisboa, 1731 - Rio de janeiro, 1799) e Correia Garção, tendo este último aproveitado ao máximo o exemplo horaciano chegando mesmo a ultrapassá-lo, criando até uma nova categoria: a ode sacra, sempre dedicada a um santo patrono ou, simplesmente, versando motivos religiosos. 

O prestígio e a importância literária da ode é ainda visível entre os poetas modernos, destacando-se os nomes de António Botto e Miguel Torga que, mesmo conhecendo o esquema clássico das odes, dele aproveitam apenas uma parte, recriando-o quase na totalidade, adaptando e refundindo toda a sua estrutura rítmica. Também Antero de Quental, embora num tom, forma, ritmo e conteúdo radicalmente diferentes, em tempos se serviu da ode para dar nome a uma das suas obras poéticas mais conhecidas e estudadas: "Odes Modernas", publicadas em 1865. 

Sejam elas gregas, romanas (de Horácio), portuguesas renascentistas, neoclássicas ou modernas, as odes marcam, sem dúvida, uma forte linha de orientação no panorama literário desde a poesia clássica.(Daqui)
 

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