sábado, 12 de dezembro de 2020

"Esta Gente" e "Revolução" - Poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen

Albert Bettannier (1851-1932), Les Annexés en Lorraine (ou Le Désespoir), 1883 
 (Musée de la Cour d'Or, Metz - Musée de la guerre de 1870 et de l'Annexion, Gravelotte)
 


Esta Gente 
 
 
Esta gente cujo rosto 
Às vezes luminoso 
E outras vezes tosco 
 
Ora me lembra escravos 
Ora me lembra reis 

Faz renascer meu gosto 
De luta e de combate 
Contra o abutre e a cobra 
O porco e o milhafre 
 
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome 
 
E em frente desta gente  
Ignorada e pisada 
Como a pedra do chão 
E mais do que a pedra 
Humilhada e calcada 

Meu canto se renova 
E recomeço a busca 
De um país liberto 
De uma vida limpa 
E de um tempo justo  
 
 
in "Geografia", de 1967, incluído em "Obra Poética"
Ed. caminho, Lisboa, 2010


 
Albert Bettannier, Les annexés en Alsace, 1911 (Musée de la Cour d'Or,
 Metz-Musée de la guerre de 1870 et de l'Annexion, Gravelotte)


Revolução 

 
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitetura
Do homem que ergue
Sua habitação


Sophia de Mello Breyner Andresen, 
in "O Nome das Coisas" 
 Moraes Editores, Lisboa/1977
 
 

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