quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

"Prece do Natal" - Poema de Carlos Queirós Ribeiro

 
Sandro Botticelli,The Virgin and Child, (Madonna of the Book), 1480



Prece do Natal
 
 
Menino Jesus 
De novo nascido, 
Baixai o sentido 
Para a nossa cruz! 
 
Vede que os humanos 
Erros e cuidados 
Nos são tão pesados 
Como há dois mil anos.

A nossa ignorância
É um fardo que arde.
Como se faz tarde
Para a nossa ânsia!

Nós somos da Terra,
Coisa fria e dura.
Olhai a amargura
Que esse olhar encerra.

Colai o ouvido
À alma que sofre;
Abri esse cofre
Do sonho escondido.

Pegai nessa mão
Que treme de medo;
Sondai o segredo
Da minha oração.

Esta pobre gente
Que mal é que fez?
Nós somos, talvez,
Um povo «inocente»…

Menino Jesus
Que andais distraído
Baixai o sentido
Para a nossa cruz!

A mais insofrida
De tantas misérias
– Não termos mais férias
Ao longo da vida –

Trocai por amenas
Manhãs sem cuidados,
Silêncios banhados
De ideias serenas;

Por cantos e flores
Risonhas imagens
Macias paisagens
Felizes amores! 
 in 'Antologia Poética'


 
 
 
Natal

 
Um Deus à nossa medida…
A fé sempre apetecida
De ver nascer um menino
Divino
E habitual.
A transcendência à lareira
A receber da fogueira
Calor sobrenatural. 
 
Aregos, 24 de dezembro de 1953
 
Miguel Torga, in 'Diários'
 
 
 

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