quinta-feira, 22 de agosto de 2019

"Encontro em Copenhague" - Poema de Yevgeny Aleksandrovich Yevtushenko


Ernest Hemingway at his home in Cuba, circa 1953, 
standing in front of a 1929 portrait of himself 


Ernest Hemingway as 'Kid Balzac' painted 
by Waldo Peirce in 1929, Key West


Encontro em Copenhague


Sentados no aeroporto em Copenhague
atacávamos juntos o café.
Ali tudo era belo,
confortável.
— Ambiente refinado como quê!

E de súbito
aquele velho surgiu,
japona simples e capuz verde oliva,
pele curtida
por lufadas salinas,
ou melhor,
não surgiu,
exsurgiu.

Caminhava,
singrando por turistas,
como se houvesse largado o leme faz pouco,
feito espuma do mar
a barba híspida
branca
emoldurava-lhe o rosto.

Com sombria decisão de vitória
caminhava,
erguendo uma onda volumosa,
através de antiqualhas
de um moderno postiço,
através do moderno posiçando o antigo.

E abrindo a gola da camisa rústica,
ele, rejeitando o vermute e o pernaud,
pediu ao balcão uma vodca russa
e repeliu a soda com um gesto:
“No...”

Mãos gretadas, com cicatrizes,
curtidas,
sapatos grossos, arrastando solas,
calças incrivelmente encardidas,
— era mais elegante
do que todos em roda!

A terra sob ele como que afundava,
com o peso daquelas passadas.
Um dos nossos sorriu-me:
“Ei!
Veja se não parece Hemingway!”

Caminhava,
expresso em gestos curtos,
andar de pescador, pesado, lento,
todo talhado num rochedo bruto,
como através das balas,
através dos tempos.

Caminhava, encurvado, como na trincheira,
abria caminho entre pessoas e cadeiras...
Parecia-se tanto com Hemingway! 
 
— Depois fiquei sabendo:
era Hemingway.


Yevgeny Aleksandrovich Yevtushenko,
Trad. de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman 
 

Waldo Peirce, Ernest Hemingway, 1966 
("Don Ernesto con una bonita", Key West '27)


“Nossas virtudes e nossos defeitos são inseparáveis, assim como a força e a matéria. Quando se separam, o homem deixa de existir.”

(Nikola Tesla)



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