domingo, 11 de agosto de 2019

"La Cathédrale engloutie" - Poema de Inês Dias


Lucian Bernhard (1883 – 1972), Catnap, 1954



La Cathédrale engloutie


Deste lado da vida
são sete horas (vestidas
de preto, vermelho e medo)
da manhã de outro dia.
Mas a janela fechada dá
para a noite ancorada
de leve sobre as esperanças
azedas da cidade.

Conto um rio preso num poço,
dois comboios afogados na pressa,
meia dúzia de faróis
acesos em prédios
cuja felicidade parece sempre
proporcional à distância.

O vinil negro continua a rodar,
atiça os seus pássaros enferrujados
contra a lua atada
a uma das chaminés.
E a luz que nunca chega
traz as últimas notícias da guerrilha,
expõe o plástico roto nas armas
dos nossos heróis de ontem.

Abandono as saudades
pelos telhados, com
as patas embaciadas, os olhos
magros. Saio.
Recomeço a fazer horas
para novos sonhos.


Inês Dias,
 Um raio ardente e paredes frias,
Lisboa, Averno, 2013 


Inês Dias é uma poeta e tradutora portuguesa. Estreou com Em Caso de Tempestade Este Jardim Será Encerrado (tea for one, 2011), seguido de In Situ (Língua Morta, 2012) e o mais recente Um raio ardente e paredes frias (Averno, 2013). Traduziu, entre outros, António Hernández: O Mundo Inteiro (Língua Morta, 2012). É editora da Averno e da revista Telhados de Vidro. (Fonte: Revista de poesia Modo de Usar & Co)

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