quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

"O Infinito" - Poema de Giacomo Leopardi (3 traduções)



Léo Gausson (1860 - 1944), Les arbres au bord du chemin à Lagny, 1893,
Huile sur carton  



O Infinito 


Cara me foi sempre esta erma colina
E esta sebe, que por diversos lados
O extremo do horizonte veda ao meu olhar.
Mas, sentado e olhando, intermináveis
Espaços para além dela, e sobre-humanos
Silêncios, e sossego profundíssimo
No pensamento imagino; então por pouco
O coração se não sobressalta. E, quando o vento
Nas folhas ouço sussurrar, aquele
Infinito silêncio a esta voz
Vou comparando: e lembro-me do eterno,
E das mortas estações, e da que agora passa
E vive, do seu rumor. Assim no meio
Desta imensidade o pensamento se me afoga:
E naufragar me é doce neste mar. 
 
Tradução de Albano Martins,
em Giacomo Leopardi, Cantos, Apresentação, seleção e notas.
 Vega, Gabinete de Edições, Lisboa, s/d.
 
 [“O Infinito”, de Giacomo Leopardi, foi o poema mais traduzido em Portugal e no Brasil.  Neste breve canto, o poeta exprime o palpitar da imensidade, imaginada como um oceano misterioso onde a alma pensante encontra repouso e onde o tempo se traduz no espaço e este naquele. Trata-se de um fragmento de pura poesia, mais fácil de ser sentida do que explicada. (Daqui)


 
Léo Gausson, Le chemin creux à Gouvernes, 1892,  Huile sur toile
 
 
O Infinito

 
Sempre cara me foi esta erma altura
Com esta sebe que por tanta parte
Do último horizonte a visão exclui.
Sentado aqui, e olhando, intermináveis
Espaços para além, e sobre-humanos
Silêncios, e profunda quietude,
Eu no pensar evoco; onde por pouco
O coração não treme. E como o vento
Ouço gemer nas ervas, eu àquele
Infinito silêncio esta voz
Vou comparando: e sobrevem-me o eterno,
E as idades já mortas, e a presente
E viva, e seu ruído... Assim, por esta
Imensidade a minha ideia desce:
E o naufragar me é doce neste mar.
 
Tradução de Jorge de Sena
em Poesia de 26 Séculos, Antologia, prefácio e notas.
Fora do Texto, Coimbra, 1993.

 
Léo Gausson, Le village dans la verdure, 1892, Huile sur carton
 
 
O Infinito

 
A mim sempre foi cara esta colina
deserta e a sebe que de tantos lados
exclui o olhar do último horizonte.
Mas sentado e mirando, intermináveis
espaços longe dela e sobre-humanos
silêncios, e quietude a mais profunda,
eu no pensar me finjo; onde por pouco
não se apavora o coração. E o vento
ouço nas plantas como rufla, e aquele
infinito silêncio a esta voz
vou comparando: e me recordo o eterno,
e as mortas estações, e esta presente
e viva, e o seu rumor. É assim que nesta
imensidade afogo o pensamento:
e o meu naufrágio é doce neste mar.
 
Tradução Haroldo de Campos
em "A Arte no Horizonte do Provável e outros Ensaios."
Haroldo de Campos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977, p. 192. 

 

Léo Gausson, Les arbres du quai de la Gourdine à Lagny, 1885,
 Huile sur papier / Papier marouflé sur toile
 
 
 
L’Infinito
(poema original)

Sempre caro mi fu quest’ermo colle,
E questa siepe, che da tanta parte
Dell’ultimo orizzonte il guardo esclude.
Ma sedendo e mirando, interminati
Spazi di là da quella, e sovrumani
Silenzi, e profondissima quiete
Io nel pensier mi fingo; ove per poco
Il cor non si spaura. E come il vento
Odo stormir tra queste piante, io quello
Infinito silenzio a questa voce
Vo comparando: e mi sovvien l’eterno,
E le morte stagioni, e la presente
E viva, e il suon di lei. Cosi tra questa
Immensita s’annega il pensier mio:
E il naufragar m’è dolce in questo mare.
 
(1819) 
 
Giacomo Leopardi,
Transcrito de Leopardi, Canti, con uno scritto di Giuseppe Ungaretti, 
Arnaldo Mondadori Editore S.p.A., Milão, 1987.

 
  Giacomo Leopardi (22 anos), retratado por S. Ferrazzi, c. 1820

Giacomo Leopardi nasceu em 1798 na vila de Recanati, nas Marcas, território então pertencente aos Estados Pontifícios. Foi o primeiro dos sete filhos do conde Monaldo, homem de ideais reacionários, arruinado após as invasões napoleónicas, e da marquesa Adelaide Antici, católica fervorosa e governanta da casa. Giacomo, à semelhança dos irmãos Carlo e Paolina, foi educado na «escola doméstica» do pai, ao cuidado dos jesuítas Torres e Sanchini, que lhe forneceram uma sólida formação nos domínios das línguas clássicas, da teologia, da filosofia, e ainda importantes rudimentos na área das ciências. 

Tendo à sua disposição a riquíssima biblioteca paterna, aos dez anos, Giacomo torna-se «senhor dos seus estudos», redigindo os seus primeiros textos em poesia e em prosa, tanto em italiano como em latim, entre os quais se destacam La morte di Ettore, o Inno a Nettuno, as Odae Adespotae e a Storia dell’Astronomia. Ao mesmo tempo, dedica-se à tradução dos clássicos antigos – como a Batracomiomachia, a Ars poetica de Horácio, os idílios de Mosco, as obras de Marco Cornélio Frontão, o segundo livro da Eneida e o poemeto Moretum de Virgílio – e à filologia grega e latina.

Em 1817 entra em contacto com o escritor Pietro Giordani, seu primeiro amigo e admirador. Começa também a trabalhar nos primeiros apontamentos do conjunto que, após publicação póstuma (1898-1900), virá a ser conhecido como Zibaldone (Pensieri di varia filosofia e di bella letteratura), obra que irá ocupar o poeta até 1832. Entre 1817 e 1821, compõe o importante Discorso di un italiano intorno alla poesia romantica (inédito até 1906), e redige os primeiros «idílios», entre os quais Il primo amore e L’infinito, e algumas canções de matriz «civil», como All’Italia, Sopra il monumento di Dante e Ad Angelo Mai. Estes últimos poemas confluirão posteriormente no volume das dez Canzoni (Bolonha: Nobili, 1824). 
 
 Após um período em que se divide entre Bolonha e Milão, publica ainda os Versi (Bolonha: Stamperia delle Muse, 1826) e a primeira edição das Operette morali (Milão: Stella, 1827). Depois de um curto regresso a Recanati, muda-se para Pisa, e a seguir para Florença. Na cidade toscana publica a primeira edição dos Canti (a edição Piatti, em que se juntam algumas composições do volume das Canzoni, parte das que foram recolhidas nos Versi, e mais algumas do período «pisano-recanatese»), iniciando com o jovem Antonio Ranieri o «sodalício» que durará até à morte do poeta.
 
Com Ranieri, Leopardi parte, em setembro de 1833, para Nápoles, cidade onde, à exceção de alguns meses passados na localidade próxima de Torre del Greco, se fixará durante os últimos anos de vida. Datam deste período as novas edições das Operette morali (1834) e dos Canti (Starita, 1835), e ainda a redação do capítulo satírico I nuovi credenti e a organização definitiva do volume dos Pensieri, redigidos e coligidos, muito provavelmente, entre 1831 e 1835, embora tenham ficado inéditos durante a vida do autor.

Leopardi morreu a 14 de junho de 1837, em Nápoles, onde está sepultado. (Daqui)
 

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