quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

"Setenário das Dores de Nossa Senhora" - Sonetos de Alphonsus de Guimaraens


William-Adolphe Bouguereau (1825-1905), The Song of the Angels, 1881 
 


PRIMEIRA DOR
 
Et tuam ipsius animam pertransibit gladius…
São Luc., II, 35.
I

Nossa Senhora vai... Céu de esperança
Coroando-lhe o perfil judaico e fino...
E um raio de ouro que lhe beija a trança
É como um grande esplendor divino.

O seu olhar, tão cheio de ondas, lança
Clarões longínquos de astro vespertino.
Sob a túnica azul uma alva Criança
Chora: é o vagido de Jesus Menino.

Entram no Templo. Um hino do Céu tomba.
Sobre eles paira o Espírito celeste
Na forma etérea de invisível Pomba.

Diz-lhe o velho Simeão: "Por uma Espada,
Já que Ele te foi dado e que O quiseste,
A Alma terás, Senhora, traspassada..."

II

Sofrer por Ele! E pálida, ofegante,
Nossa Senhora aperta-O contra o seio.
E nas linhas tranquilas do semblante
Descem-lhe nuvens de magoado anseio.

Sofrer por Quem! Ventura semelhante,
Só a um peito como o seu de estrelas cheio...
Sofrer por Esse que do Céu distante
Na voz do Arcanjo do Senhor lhe veio...

Que lhe importavam lágrimas sem brilho,
Nessas horas de paz erma e saudosa,
Se ela chorava por seu próprio Filho...

Sofrer pela amargura dessa Boca,
E aos Pés depor-lhe a vida desditosa,
Vida que eterna ainda seria pouca!
 
III

Que lhe importavam lágrimas? Chorasse
Desde o nascer do sol até o sol posto;
Tivesse prantos quando a lua nasce,
Quando, entre nuvens, ela esconde o rosto.

Junto ao seu Berço, a contemplar-lhe a Face,
De Mãe Divina no sublime posto,
Temendo que uma estrela O despertasse,
Gozo teria no maior desgosto.

Por Ele toda a mágoa sofreria…
Ah! corresse-lhe em fonte ardente o pranto
Na paz da noite e nos clarões do dia.

Sofrer por Ele… Sim. Tudo por Esse
A quem beijava os Olhos, mas contanto
Que Ele, o seu Filho amado, não sofresse!

* * *

SEGUNDA DOR
 
…Angelus Domini apparuit in somnis Joseph…
Qui consurgens accepit puerum et matrem ejus
nocte, et seccessit in Aegyptum.

S. Matth., II, 13, 14.

I

Eram pastores rudes e pastoras
Que o sol do Oriente em beijos enrubesce,
E transforma em visões encantadoras
Na suavidade da alva que amanhece:

Eram bandos de velhos, e de louras
Crianças gentis, as mãos postas em prece,
Frontes humildes, Almas sonhadoras,
Por onde a bênção do Senhor floresce:

Era a sublime adoração do povo,
À luz daquele celestial Presepe,
Diante do leito de um menino novo:

Diante do leito em que Ele adormecia,
Hoje de flores, amanhã de crepe,
Berço de Deus, Santo-Sepulcro um dia...

* * *

TERCEIRA DOR

Fili, quid fecisti nobis sic? Ecce pater tuus et
ego dolentes quaerebamus te.

S. Luc., II, 48.

Foi por aquelas ruas circulares
Que O perdeste, Senhora, e que O não viste,
Sorrindo sob a luz dos seus olhares,
Ele, o Cordeiro amargurado e triste…

Quem pudera chorar os teus pesares,
Quem, na angústia a que o peito não resiste,
Te guiara em via-sacra pelos lares,
Sentindo toda a mágoa que sentiste!

Três dias procuraste, em mágoa imensa,
Sofrendo a multidão dos hebreus rudes,
Do Filho eterno a celestial Presença…

(Fé, Esperança, Caridade, hinário
De alívio à Mãe aflita, áureas Virtudes
Que haveis de segui-la até o Calvário!)

* * *
 
Alphonsus de Guimaraens,
Setenário das Dores de Nossa Senhora

[Além do lirismo, os versos de Alphonsus Guimaraens refletem a preocupação pelo sentimento religioso e pela meditação cristã. De família católica, o poeta tornou-se o maior cantor da Virgem, dedicando a Nossa Senhora um conjunto de 49 sonetos, reunidos sob o título de Setenário das Dores de Nossa Senhora.]  (Daqui)
 
  
c. 1660-1665,  Madrid, Prado Museum
 
 

Imaculada Conceição
Solenidade religiosa que evoca a História de Portugal

 
Primeira celebração do culto da Imaculada Conceição decorreu no dia 8 de dezembro de 1320, em Coimbra, e consagrou-se com a coroação da Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha e Padroeira de Portugal durante as cortes de 1646.
 
A Igreja Católica assinala anualmente a 8 de dezembro, feriado nacional em Portugal, um reconhecimento à importância desta data na espiritualidade e identidade do país.

O dogma da Imaculada Conceição de Maria foi proclamado a 8 de dezembro de 1854, através da bula ‘Ineffabilis Deus’, a qual declara a santidade da Virgem Santa Maria desde o primeiro momento da sua existência, sendo preservada do pecado original.

A primeira celebração do culto da Imaculada Conceição aconteceu na Sé Velha de Coimbra, no dia 8 de dezembro de 1320, há 700 anos, que este ano são assinalados pela Diocese, após D. Raimundo Evrard, bispo diocesano da altura, ter assinado, no dia 17 de outubro de 1320, a constituição diocesana que instituiu a festividade da Conceição de Maria.

A ligação entre Portugal e a Imaculada Conceição ganhara destaque em 1385, quando as tropas comandadas por D. Nuno Alvares Pereira derrotaram o exército castelhano e os seus aliados, na batalha de Aljubarrota.

Em honra a esta vitória, o Santo Condestável fundou a igreja de Nossa Senhora do Castelo, em Vila Viçosa, e fez consagrar aquele templo a Nossa Senhora da Conceição.

A antiga igreja de Nossa Senhora do Castelo, espaço onde se ergue atualmente o santuário nacional, afirmou-se nos finais do século XIV como um sinal desta devoção, em toda a Península Ibérica.

Depois, deu-se durante o movimento de restauração da independência que acabou com o domínio castelhano em Portugal e que culminou com a coroação de D. João IV como rei de Portugal, a 15 de dezembro de 1640, no Terreiro do Paço, em Lisboa.

O mesmo D. João IV, atento a uma religiosidade que também já envolvera a construção de monumentos como o Mosteiro da Batalha, o Convento do Carmo e o Mosteiro da Conceição, coroou a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha e Padroeira de Portugal durante as cortes de 1646.

A Universidade de Coimbra tem um papel importante em todo este processo, já que todos os seus intelectuais defenderam o dogma sob forma de juramento solene.

Após a proclamação dogmática, surgiu em Portugal um movimento no sentido de erguer um monumento nacional que assinalasse a definição de Pio IX.

Em 1869 concluiu-se esse primeiro monumento, no Sameiro, em Braga, seguindo-se-lhe a construção dum santuário dedicado à Imaculada Conceição de Maria, cuja imagem foi coroada solenemente em 1904. (Daqui) 

Importa referir que durante séculos, o Dia da Mãe era comemorado no dia 8 de dezembro, tendo sido mudado para maio, por ser considerado o mês de Nossa Senhora.

 

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