with a Red Kerchief, 1886
Minha tia Alexandrina
Minha tia Alexandrina bebia café
meia tigela de manhã e meia de tarde
o que dava mais dum litro.
Com esse rio de fogo correndo no seu corpo
punha ela dez filhos fora de casa
e lavava dez sobrados às senhoras da cidade.
E quando voltava para os Biscoitos na camioneta da carreira
deixava-me nos ouvidos a música das gargalhadas dadas
e nos olhos os demónios dos seus olhos
pretos, estrelas pequeninas fulgurantes.
Não passo pela ilha sem ir aos Biscoitos
não por vê-la, que ela já não está:
(levou-a o Canadá, a carta de chamada)
mas porque tenho consciência que são esplêndidos
os ramos das vinhas que alastram nos calhaus.
José Henrique dos Santos Barros,
in 'S. Mateus, Outros Lugares e Nomes'
Minha tia Alexandrina bebia café
meia tigela de manhã e meia de tarde
o que dava mais dum litro.
Com esse rio de fogo correndo no seu corpo
punha ela dez filhos fora de casa
e lavava dez sobrados às senhoras da cidade.
E quando voltava para os Biscoitos na camioneta da carreira
deixava-me nos ouvidos a música das gargalhadas dadas
e nos olhos os demónios dos seus olhos
pretos, estrelas pequeninas fulgurantes.
Não passo pela ilha sem ir aos Biscoitos
não por vê-la, que ela já não está:
(levou-a o Canadá, a carta de chamada)
mas porque tenho consciência que são esplêndidos
os ramos das vinhas que alastram nos calhaus.
José Henrique dos Santos Barros,
in 'S. Mateus, Outros Lugares e Nomes'
José Henrique Santos Barros
José Henrique dos Santos Barros
nasceu em 1946 em Angra do Heroísmo e faleceu vítima de acidente de
viação, em Mérida, Espanha, em maio de 1983, com a sua mulher, a
escritora Ivone Chimita.
J.
H. Santos Barros viveu a infância e a juventude na ilha Terceira. Após a
conclusão de estudos secundários, empregou-se como funcionário público.
Anos depois, deu início àquela que viria a ser a «aventura» da sua
vida: a poesia, a animação cultural, o suplementarismo e o ensaio
literário, o sindicalismo, a literatura.
A
mobilização para a guerra colonial, como furriel miliciano, levou-o a
Angola (entre 1969 e 1971, ano em que regressou à sua cidade natal). Foi
a partir de então que nele mais se notabilizou uma extraordinária
propensão para as coisas da cultura. O seu nome não pode deixar de
associar-se a um movimento de renovação inscrito, nos Açores, desde a
criação (por Carlos Faria) do suplemento «Glacial», no jornal angrense A União (foi seu coordenador entre 1972 e 1974).
J.
H. Santos Barros acreditou na possibilidade de unir numa só frente uma
postura de vanguarda ideológica, militante, com a ideia libertária de
uma cultura em duplo: popular e de grupo. Com outros intelectuais
angrenses, fundou a galeria de artes plásticas «Degrau»; animou
cooperativas, sindicatos, rádios e jornais; fundou e dirigiu o
suplemento «Cartaz» (nova série, 1972-1974) e a revista A Memória da Água-Viva,
de parceria com Urbano Bettencourt (1978-1980). Mas foi no suplemento
«Contexto», do jornal Açores (quando, residindo já em Lisboa, de 1979
até a data da sua morte) que mais e melhor sistematizou todo um trabalho
de animação e coordenação que se estenderia à crítica, à polémica
literária, à ensaística de fundo e até a uma curiosa experiência
heteronímica que o levaria a subscrever, com diversos nomes, posições e
conceitos propositada e provocatoriamente contraditórios. Foi assim, por
exemplo, em relação à controversa questão da existência (ou não) de uma
«literatura açoriana», que muito interessou os escritores açorianos da
sua geração.
Como
poeta, estreou-se aos 18 anos - dando-nos depois folhas, cadernos
policopiados, opúsculos e excelentes livros de poemas; como ensaísta
literário, interessou-lhe a conjugação da «açorianidade» (expressão
sensível do local e do regional insular) com a «universalidade»
potencial de toda a Literatura; como contista (autor de alguns
dispersos), andou pelos imaginários oníricos e surrealizantes. Deixou
inédito um diário (O Aprendiz de Mundos) e raros poemas. No
essencial da sua poesia, a fidelidade da radicação aos temas insulares
não é de molde a inscrevê-la no tão pouco apreciado apego ao
regionalismo da escrita literária; pelo contrário, o regional e o
tradicional de J. H. Santos Barros tornam-se matriz e ponto de partida
da alternância ilha/Mundo, ora no tom abrasivo de uma «poética do
quotidiano», ora na excelência de uma voz erguida à proclamação de
versos como estes: «Pregar um prego, lavar pratos, cortar a erva /
custa. Mas nunca nada me custou tanto que / carregar um verso das coisas
mais difíceis. A fazer / do outro lado da literatura os nós do mundo.»
Obra Poética: (1964), poemas na Novíssima Poesia Açoriana. Angra do Heroísmo, ed. dos autores [com Gil Reis]. (1968), Aventura em Sete Poemas. Lisboa, ed. do autor. (1970), Canto de Abril. Lisboa, Ed. Panorama. (1971), Imagem Fulminante. Angra do Heroísmo, Galeria Gávea. (1913), Testes e Versos Para Andar na Rua. Angra do Heroísmo, Galeria Degrau (ed. a stencil). (1974), Topiária. Angra do Heroísmo, Galeria Degrau (ed. mimeografada). (1976), As Crónicas. Lisboa, ed. do autor (policopiado). (1979), A Humidade. Lisboa, Cooperativa Semente. (1979), Os Alicates do Tempo. Porto, Ed. Afrontamento. (1981), São Mateus, Outros Lugares e Nomes. Lisboa, Ed. Vega.
Obra Ensaística: (1977), 20 Anos de Literatura e Arte nos Açores. Lisboa, ed. do autor. (1981), O Lavrador de Ilhas. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura. (Daqui)
Obra Poética: (1964), poemas na Novíssima Poesia Açoriana. Angra do Heroísmo, ed. dos autores [com Gil Reis]. (1968), Aventura em Sete Poemas. Lisboa, ed. do autor. (1970), Canto de Abril. Lisboa, Ed. Panorama. (1971), Imagem Fulminante. Angra do Heroísmo, Galeria Gávea. (1913), Testes e Versos Para Andar na Rua. Angra do Heroísmo, Galeria Degrau (ed. a stencil). (1974), Topiária. Angra do Heroísmo, Galeria Degrau (ed. mimeografada). (1976), As Crónicas. Lisboa, ed. do autor (policopiado). (1979), A Humidade. Lisboa, Cooperativa Semente. (1979), Os Alicates do Tempo. Porto, Ed. Afrontamento. (1981), São Mateus, Outros Lugares e Nomes. Lisboa, Ed. Vega.
Obra Ensaística: (1977), 20 Anos de Literatura e Arte nos Açores. Lisboa, ed. do autor. (1981), O Lavrador de Ilhas. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura. (Daqui)
Anna Elizabeth Klumpke, In the Wash-house, 1888, oil on canvas.
Pennsylvania Academy of the Fine Arts
"Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no oceano. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota."
"Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no oceano. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota."
Anna Elizabeth Klumpke, A Moment's Rest, Barbizon, 1891
"Temos de ir à procura das pessoas, porque podem ter fome de pão ou de amizade."
"Temos de ir à procura das pessoas, porque podem ter fome de pão ou de amizade."
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