sexta-feira, 23 de setembro de 2022

"Reza da Manhã de Maio" - Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


 
Charles Heberer (American painter, 1865-1952), Gathering Wildflowers, 1895 


Reza da Manhã de Maio

Senhor, dai-me a inocência dos animais
Para que eu possa beber nesta manhã
A harmonia e a força das coisas naturais.

Apagai a máscara vazia e vã
De humanidade,
Apagai a vaidade,
Para que eu me perca e me dissolva
Na perfeição da manhã
E para que o vento me devolva
A parte de mim que vive
​À beira dum jardim que só eu tive.


Sophia de Mello Breyner Andresen,
do livro “Coral e outros poemas”

(Companhia das Letras )

 
 
[Com seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz, esta antologia (Coral e outros poemas) reúne poemas lapidares de uma das vozes mais marcantes e comoventes da literatura portuguesa.

O mar é um dos elementos centrais da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004). As “praias lisas”, a “linha imaginária” e as “ondas ordenadas”, em seus poemas, simbolizam a mais profunda beleza, um segredo íntimo, “um milagre criado só para mim”.
Nas cidades, sua poesia é associada à luta: a vida, no “vaivém sem paz das ruas”, é “suja, hostil, inutilmente gasta”. A atuação de Sophia em resistência ao salazarismo se firmou não apenas em sua escrita, com caráter combativo, mas também na Assembleia Constituinte, ao se eleger deputada pelo Partido Socialista, em 1975.
Esta antologia joga luz sobre a dimensão concreta e ao mesmo tempo misteriosa de uma das vozes mais cultuadas da literatura portuguesa. Seja para denunciar o mundo sombrio, seja para tratar de praias radiantes, a poeta — com sintaxe direta e imagens surpreendentes — alerta: “por mais bela que seja cada coisa/ Tem um monstro em si suspenso.” (Daqui)]

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