Édouard Manet (French modernist painter, 1832–1883), Spring (Jeanne Demarsy), 1881,
Peço Silêncio
AGORA me deixem tranquilo.
Agora se acostumem sem mim.
Eu vou cerrar os meus olhos.
Somente quero cinco coisas,
cinco raízes preferidas.
Uma é o amor sem fim.
A segunda é ver o outono.
Não posso ser sem que as folhas
voem e voltem à terra.
O terceiro é o grave inverno,
a chuva que amei, a carícia
de fogo no frio silvestre.
Em quarto lugar o verão
redondo como uma melancia.
A quinta coisa são teus olhos,
Matilde minha, bem-amada,
não quero dormir sem teus olhos,
não quero ser sem que me olhes:
eu mudo a primavera
para que me sigas olhando.
Amigos, isso é quanto quero.
É quase nada e quase tudo.
Agora se querem, podem ir.
Vivi tanto que um dia
terão de por força me esquecer,
apagando-me do quadro negro:
Meu coração foi interminável.
Porém, por que peço silêncio
não creiam que vou morrer:
passa comigo o contrário:
sucede que vou viver.
Sucede que sou e que sigo.
Não será, pois lá bem dentro
de mim crescerão cereais,
primeiro os grãos que rompem
a terra para ver a luz,
porém, a mãe-terra é escura:
e dentro de mim sou escuro:
sou como um poço em cujas águas
a noite deixa suas estrelas
e segue sozinha pelo campo.
Sucede que tanto vivi
que quero viver outro tanto.
Nunca me senti tão sonoro,
nunca tive tantos beijos.
Agora, como sempre, é cedo.
Voa a luz com suas abelhas.
Me deixem só com o dia.
Peço licença para nascer.
1957
Pablo Neruda, em “Presentes de um Poeta”
Tradução de Thiago de Mello
[Publicado no livro ‘Estravagario’, 1958]
[Publicado no livro ‘Estravagario’, 1958]
Aqui reunidos estão alguns dos mais inesquecíveis poemas de Pablo Neruda, "o cronista de todas as coisas", como ele próprio se chamou. Cantando o amor, a humanidade, a terra e a poesia, as suas belíssimas palavras são adornadas nestas páginas com encantadoras e luminosas pinturas. A tradução, do poeta Thiago de Mello, amigo de Neruda, preserva para o português o toque mágico da sua intuição poética. (daqui)
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