Julius LeBlanc Stewart (American artist, 1855-1919), The Baptism, 1892.
(Carta ao amigo Bernardo Pindela)
Entre tanta miséria e tantas coisas vis
Deste vil grão de areia,
Ainda tenho o condão de me sentir feliz
Com a ventura alheia.
À minha noite triste, à noite tormentosa,
Onde busco a verdade,
Chegou com asas d'oiro a canção cor-de-rosa
Da tua felicidade.
És pai, viste nascer um fragmento d'aurora
Da tua alma, de ti...
Oh, momento divino em que o sorriso chora,
E em que o pranto sorri!
Que ventura radiante! oh que ventura infinda!
Olímpicos amores
Ter frutos em Abril com o vergel ainda
Carregado de flores!
Deslumbramento!... ver num berço o teu futuro
Sorrindo ao teu presente!...
Ter a mulher e a mãe: juntar o beijo puro
Com o beijo inocente!...
Eu que vou, javali de flanco ensanguentado,
Pelos rudes caminhos
Ajoelho quando escuto à beira dum valado
Os murmúrios dos ninhos!
Em tudo que alvorece há um sorriso d'esperança,
Candura imaculada!...
E quer seja na flor, quer seja na criança
Sente-se a madrugada.
Quando, como um aroma, o hálito da infância
Passa nos lábios meus
Vejo distintamente encurtar-se a distância
Entre a minh'alma e Deus.
A mão para apontar o azul, mão cor-de-rosa
Que aconselha e domina,
Será tanto mais forte e tanto mais bondosa
Quanto mais pequenina.
Guerra Junqueiro (1850–1923), 'Poesias Dispersas'
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