(retratos de Mário de Sá Carneiro, Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso), 1985,
acrílico sobre tela, 158,5 cm x 154 cm.
[Esta pintura foi uma das sete telas expressamente concebidas para acompanhar uma edição especial do poema Mensagem de Fernando Pessoa (Clássica Editora, 1985), num trabalho que é exemplo do aprofundado diálogo entre o pictórico e o literário que ocupou muita da pintura de Pomar dos anos 80. Ao título do poeta acrescentou-se o do pintor, 7 Histórias Portuguesas. À semelhança de outros retratos que fez de autores do passado, como Edgar Allan Poe, Baudelaire ou Pessoa, aqui as imagens das personagens, criadas segundo o modelo de antigas e baças fotografias, surgem fantasmáticas, desfocadas, raspadas. Nesses outros retratos os rostos dos poetas eram redefinidos por uma graffitagem de cores warholianas, mas aqui as faces são deixadas neutras, e emolduradas pelas pinceladas largas, livres, que regressam à pintura de Pomar nesta década.
Os dois pintores e o escritor precocemente desaparecidos, Sá-Carneiro em 1916 suicida-se e Amadeo e Santa-Rita vítimas da Gripe Espanhola de 1918, são representantes máximos do que se convencionou chamar de primeiro modernismo português e de que o contemporâneo Pessoa foi também protagonista. Amadeo, em pé, é o único de que distinguimos o corpo, mãos à cintura, numa pose imponente, afirmativa e promissora com que ficou numa conhecida fotografia. A pincelada vai esboçando outros elementos reconhecíveis, mesmo que quase garatujados: a mesa de café, o avião do início do século, a torre Eiffel, a guitarra portuguesa (um objeto clássico em pintura, particularmente explorado pelo cubismo). Associados ao título e contexto de produção do quadro, estes elementos permitem leituras simbólicas em torno da ideia de um fado português que empurra os talentos para fora do país (para o Quartier Latin em Paris, epicentro artístico no início do século XX), que faz com que a vida dos mais promissores artistas cedo seja colhida, que vota ao esquecimento os maiores criadores lusos para muitos anos depois os endeusar e sebastianizar. É uma estratégia – aqui com ponta de ironia – de crítica e visão auto-depreciativa que se tornou frequente no discurso nacional. Pode também sugerir-se que o pintor, radicado em Paris desde 1963, estabelece um paralelo, em jeito de advertência, entre a sua própria história de vida e a destas figuras.] (daqui)
Mordaça
Puseram-lhe na boca uma mordaça…
Mas o Poeta era Poeta
E tinha que falar.
Fez um esforço enorme,
puxou a voz como quem golfa sangue
e a mordaça soltou-se-lhe da boca.
Porém, não era já mordaça:
Agora,
era um poema a queimar
os ouvidos das turbas inimigas
que, na praça,
o tinham querido calar.
Sebastião da Gama (1924-1952),
da obra póstuma Itinerário Paralelo, 1967
(Compilado por David Mourão-Ferreira)
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