quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

"Bolas de sabão" - Poema de Afonso Lopes Vieira


Jean Siméon Chardin (French painter, 1699–1779), Soap Bubbles, ca.1733-1734,
oil on canvas, 93 x 74.6 cm., National Gallery of Art.



Bolas de sabão


Assenta-se no chão a criancinha
cruza as pernitas, 
 e na ponta do tubo incham e crescem
aqueles vagos, pequeninos mundos
que, como todos os mundos, 
evolucionam e desaparecem.

Já profundos, os seus olhos
contemplam nessas quebradiças bolas
a sua aérea evolução etérea.

Débeis, duma ideal fragilidade
tão frágil que, suspensa e receosa,
inda mais leve, mais, que suspirando,
com vago sentimento de ansiedade
é que o contido bafo as vai lançando…

São corpos cuja alma vaporosa
apenas é um sopro de criança.

E continua, absorta; o rosto sério,
como de quem trabalha e não descansa;
cresce uma…, e parte-se; outra…, já soçobra.

E brincando, embebido no mistério,
esse poeta cria a sua obra…

Mas o sol, que ali vem do céu distante,
trespassa-as, colorindo-as reverbera:
e então a luz cintila deslumbrante
em cada efémera esfera.

Cada raio de sol que vem pôr
o seu divino ser, vai, glorioso,
criando com poder maravilhoso
a maravilha da cor!

Assim por elas, num deslumbramento,
canta, perpassa, brilha à claridade,
este abismo infinito dum momento: 
um pouco de Eternidade.


Afonso Lopes Vieira, in O Pão e as Rosas,
Livraria Ferreira - Editora, Lisboa, 1908.
 

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