domingo, 11 de fevereiro de 2024

"É Carnaval, e estão as ruas cheias" - Poema de Álvaro de Campos



James Ensor (Belgian painter and printmaker, 1860–1949), Carnival in Flanders, 1931.
Stedelijk Museum Amsterdam




É Carnaval, e estão as ruas cheias

É Carnaval, e estão as ruas cheias
De gente que conserva a sensação,
Tenho intenções, pensamento, ideias,
Mas não posso ter máscara nem pão.

Esta gente é igual, eu sou diverso —
Mesmo entre os poetas não me aceitariam.
Às vezes nem sequer ponho isto em verso —
E o que digo, eles nunca assim diriam.

Que pouca gente a muita gente aqui!
Estou cansado, com cérebro e cansaço.
Vejo isto, e fico, extremamente aqui
Sozinho com o tempo e com o espaço.

Detrás de máscaras nosso ser espreita,
Detrás de bocas um mistério acode
Que meus versos anódinos enjeita.

Sou maior ou menor? Com mãos e pés
E boca falo e mexo-me no mundo.
Hoje, que todos são máscaras, és
Um ser máscara-gestos, em tão fundo... 

s.d.

Álvaro de Campos - Livro de Versos. Fernando Pessoa.
 (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.)
Lisboa: Estampa, 1993. - 7b.
 
 
James Ensor, Self-Portrait with Masks, 1899, Oil on canvas, 117 x 82 cm., 



Depus a máscara e vi-me ao espelho


Depus a máscara e vi-me ao espelho. —
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada... 

É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
 
Depus a máscara e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sou a máscara.

E volto à personalidade como a um terminus de linha.

18-8-1934 
 
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa.
Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 61.

Sem comentários: