quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

"Ode aos livros que não posso comprar" - Poema de Jorge de Sena


Albert Ranney Chewett (Canadian artist and photographer, 1877–1965),
 A Young Man Reading, Bushey Museum, Reveley Lodge.



Ode aos livros que não posso comprar


Hoje, fiz uma lista de livros, 
e não tenho dinheiro para os poder comprar.

É ridículo chorar falta de dinheiro
para comprar livros,
quando a tantos ele falta para não morrerem de fome.

Mas também é certo que eu vivo ainda pior
do que a minha vida difícil,
para comprar alguns livros
– sem eles, também eu morreria de fome,
porque o excesso de dificuldades na vida,
a conta, afinal certa, de traições e portas que se fecham,
os lamentos que ouço, os jornais que leio,
tudo isso eu tenho de ligar a mim profundamente,
através de quanto sentiram, ou sós, ou mal-acompanhados,
alguns outros que, se lhe falasse,
destruiriam sem piedade, às vezes só com o rosto,
quanta humanidade eu vou pacientemente juntando,
para que se não perca nas curvas da vida,
onde é tão fácil perdê-la de vista, se a curva é mais rápida.

Não posso nem sei esquecer-me de que se morre de fome,
nem de que, em breve, se morrerá de uma fome maior,
do tamanho das esperanças que ofereço ao apagar-me,
ao atribuir-me um sentido, uma ausência de mim,
capaz de permitir a unidade que uma presença destrói.

Por isso, preciso de comprar alguns livros,
uns que ninguém lê, outros que eu próprio mal lerei,
para, quando se me fechar uma porta, abrir um deles,
folheá-lo pensativo, arrumá-lo como inútil,
e sair de casa, contando os tostões que me restam,
a ver se chegam para o carro elétrico,
até outra porta. 
 
 27 de junho de 1944

Jorge de Sena, 40 anos de Servidão,
Moraes Editores, Lisboa, 1979.
 
 

Jorge de Sena, "40 anos de Servidão"
Moraes Editores, Lisboa, 1979.
Prefácio de Mécia de Sena


Sinopse


«Após a publicação de Poesia II e III, Jorge de Sena assentara com a Moraes Editores que prepararia um volume de vasta seleção de inéditos que se chamaria Poesia IV. Mas, com o andar do tempo, essa seleção foi-se-lhe transformando de sentido e restringindo de amplitude. Inevitavelmente, também surgiu um título: 40 anos de Servidão, e como tal o designou o Autor em cartas ou notas a poemas publicados (ver nota ao poema 28 de Maio ao contrário).
Perguntado várias vezes de como organizaria a seleção dentro desse esquema, foi-nos dito que essa seleção seria feita por grupos correspondentes aos volumes publicados e que cada grupo se intitularia «tempo de…». Não houve tempo hábil de resolver a objeção de que os «tempos» de alguns livros se sobrepunham, por vezes, no tempo dos poemas deles. Deparamo-nos, pois, com a dificuldade não só da seleção mesma, como da ordenação dela. Para ambas as dificuldades ativemo-nos, quanto possível, ao que o Autor dissera em anteriores prefácios, nomeadamente, os de Poesia I, II e III, e Trinta anos de Poesia, bem como a indicações expressas numa ou noutra ocasião, ou apontamentos ocasionais.» -  in Prefácio


Albert Ranney Chewett (Canadian artist and photographer, 1877–1965),  
'The Library Window', Bushey Museum, Reveley Lodge.


"Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro".
 
"How many a man has dated a new era in his life from the reading of a book." 
 
 Houghton, Mifflin and company, 1882
 

Henry David Thoreau em 1856 (daqui)
 
 
Henry David Thoreau, ensaísta e poeta norte-americano, nasceu a 12 de julho de 1817, em Massachusetts, e morreu a 6 de maio de 1862, também em Massachusetts.
Viveu de acordo com as doutrinas existenciais do Transcendentalismo, em larga medida definidas por Ralph Waldo Emerson.
Colaborou regularmente com a revista The Dial, onde publicou ensaios e poemas.
O relato Walden (1854) expõe a sua experiência de ter vivido só e em contacto com a natureza entre 1845 e 1847 nas margens do lago que dá o nome ao livro.
O ensaio Civil Disobedience (Desobediência Civil, 1849) mostra o seu apego e a sua defesa das liberdades civis. 
(daqui)
 

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