William Michael Harnett (American painter known for his trompe-l'œil still lifes of
ordinary objects, 1848–1892), Old Models, 1892, Museum of Fine Arts Boston.
Um livro, um vaso, nada
Todas as noites deixo
entre os livros a minha solidão,
abro a porta aos oráculos,
fundo a minha alma com o fogo
do salmista.
Que contrária
vontade de perigo me desvela,
quebra a vigilante
sede de viver na minha palavra.
Todas as noites vivo inutilmente
a frustração do dia, recupero
as horas mortas da minha liberdade,
consisto no que fui.
(Mão esquecida entre os lençóis
rasga papéis, mancha o último
pedaço do meu sonho.)
Oh coração
sem ninguém – para quê
tantas páginas vãs, tantos
hinos vazios? Olha
em teu redor – que fica? Estamos
sós: toda
a vida cabe entre o calar
e o sonho. Aqui
a minha solidão é a minha alegria:
entre os livros a minha solidão,
abro a porta aos oráculos,
fundo a minha alma com o fogo
do salmista.
Que contrária
vontade de perigo me desvela,
quebra a vigilante
sede de viver na minha palavra.
Todas as noites vivo inutilmente
a frustração do dia, recupero
as horas mortas da minha liberdade,
consisto no que fui.
(Mão esquecida entre os lençóis
rasga papéis, mancha o último
pedaço do meu sonho.)
Oh coração
sem ninguém – para quê
tantas páginas vãs, tantos
hinos vazios? Olha
em teu redor – que fica? Estamos
sós: toda
a vida cabe entre o calar
e o sonho. Aqui
a minha solidão é a minha alegria:
um livro, um vaso, um nada.
José Manuel Caballero Bonald,
Poesia Espanhola do Após-Guerra, Portugália.
Tradução de Egito Gonçalves
William Michael Harnett, Secretary's Table, 1879, Santa Barbara Museum of Art.
“Escrever é uma luta contínua com a palavra. Um combate que tem algo de aliança secreta.”
(Escritor, tradutor e intelectual argentino, 1914–1984)
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