quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

"Catar Feijão" - Poema de João Cabral de Melo Neto


Annibale Carracci (Italian painter and instructor, 1560–1609), The Bean eater, c. 1583–1584,
Galleria Colonna, Rome.
 


Catar Feijão
 
1

Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2

Ora, nesse catar feijão entra um risco,
o de que, entre os grãos pesados, entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.
A Educação pela Pedra, 1966.
 
 
Annibale Carracci, Boy Drinking, 1582–83, Cleveland Museum of Art.


"A Arte é para perturbar, e a Ciência para tranquilizar."

"l'Art est fait pour troubler, la Science rassure."
 
Georges Braque, "Le jour et la nuit, Cahiers, 1917-1952",
  Paris, publicado por Gallimard, 1952, p. 11.
 

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