segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

"Lamúrias dum eleitor" - Poema de José Augusto da Costa Resende



Felice Casorati (Italian painter, sculptor, and printmaker, 1883–1963) 


Lamúrias dum eleitor


Muito embora não rufe o tambor,
Nem se ponha a troar o canhão,
Ai que vida a dum pobre eleitor,
Quando perto vem uma eleição!

Não se sente soar os clarins,
Nem tão pouco rugir a metralha,
Mas vagueiam intrujões galopins,
E se fere renhida batalha!

Não há fumo, nem fogo, nem balas,
Nem há cenas de fera carnagem,
Mas não faltam mentiras nem palas,
Nem proezas de reles coragem!

Não há sangue a correr das feridas,
Não há gritos nem berros cruéis,
Mas há pratos de favas cozidas,
E bom vinho a correr dos toneis!

Um aqui se propõe deputado,
Outro ali deputado quer ser,
Cada qual a puxar para seu lado
E mil lérias cantando a valer!

Desta banda recebe elogios,
Daquela outra lhe dão patada;
Aqui diz-se ter tino e ter brios,
Ali diz-se não presta para nada!

Um a pátria propõe-se salvar,
Outro quer a nação defender;
Mas em regra (o que cumpre notar)
A maior parte o que quer é comer!

Vê-se em pancas um pobre eleitor,
E metido no meio de dois fogos,
Sem saber do seu voto dispor,
Tantos são os pedidos e rogos!

Dependente e não querendo mal querenças
E temendo o furor dos mandões,
Põe de parte princípios e crenças.
E lá vota com os tais figurões!

(Jornalista, poeta satírico, 1849-1896),
Rimas Humoristicas e Satiricas
Ponta Delgada, Edição do autor, 1892. 
 

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